“Rocky Balboa, quase 40 anos a dar e a levar murros”, podia ser o slogan da saga do pugilista italo-americano de Filadélfia personificado por Sylvester Stallone desde 1976, ano em que actor e personagem saíram do anonimato em “Rocky”, de John G. Avildsen. O filme lançou Stallone para a fama e uma carreira que dura até aos nossos dias, e deu-lhe nomeações aos Óscares de Melhor Actor e Argumento Original. (Ganharia Melhor Filme, Realizador e Montagem). Desde aí, houve mais um punhado de fitas da série “Rocky”, algumas embaraçosas e quase todas descartáveis, a última das quais, “Rocky Balboa” (2006), bastante aceitável.

[Trailer do primeiro “Rocky”]

Em “Creed: O Legado de Rocky”, sétimo filme da série, o antigo campeão já deixou o ringue e passa os dias pacatamente a gerir o restaurante italiano que tem em Filadélfia. A mulher e os melhores amigos já morreram, o filho instalou-se no Canadá, e Rocky vive sozinho. Até ao dia em que lhe aparece no restaurante um jovem negro, Adonis Johnson (Michael B. Jordan), que lhe comunica ser o filho ilegítimo de Apollo Creed, o falecido rival e depois grande amigo de Rocky. Johnson foi criado pela viúva do pai com luxo e conforto, mas recusou uma promissora carreira no meio financeiro para assumir o legado desportivo de Apollo, do qual, simultaneamente, se orgulha e quer ocultar, para evitar que digam que pretende singrar à custa do seu nome. Johnson quer ser treinado pelo melhor de todos, que foi também o melhor amigo do pai: Rocky Balboa. Que, a aceitar, vai tornar-se naquilo que Mickey, a personagem de Burgess Meredith, foi para ele nos primeiros filmes da saga, um velho e experiente mentor.

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[Trailer de “Creed: O Legado de Rocky”]

Aqui chegados, o meu leitor mais batido nestas coisas das fitas, e das fitas de boxe em particular, exclamará: “Já estou a ver o filme todo”. Nem tanto, meu caro, nem tanto. Sucede que em “Creed: O Legado de Rocky”, Ryan Coogler, o realizador do premiado “Fruitvale Station. A Última Paragem”, e também co-autor do argumento, consegue fazer novo com velho, transformando este filme no melhor da saga desde o “Rocky” inicial. E assinando aquele que é sem pestanejar um dos melhores filmes de desporto, categoria pugilismo, destes tempos mais recentes.

[Entrevista com Sylvester Stallone]

Sendo uma fita de boxe pura e dura na tradição do género, “Creed: O Legado de Rocky” é também uma bela história de amizade entre duas gerações unidas por uma paixão e uma vontade de vencer comum e intensa, e que beneficia ambos os protagonistas. Porque se Adonis precisa de quem o ensine, oriente e transforme num pugilista mais poderoso do que já é, Rocky também necessita de quem lhe dê algum sentido para existir e sentir-se útil, e também força e coragem para enfrentar um último e difícil combate, agora travado fora do ringue.

[Entrevista com Michael B. Jordan]

O realizador conjuga as convenções do filme de boxe, e de estúdio, com o gosto de fazer diferente da escola indie a que pertence, fazendo de “Creed: O Legado de Rocky” um filme ao mesmo tempo reconfortantemente “à antiga” e saborosamente actualizado, que consegue ser familiar e original, conciliar o “hip-hop” e o tema clássico da série composto por Bill Conti e glosado por Ludwig Goransson, ser viril e terno, ter punhos de aço e bom coração, mostrar cenas de combate brutais – e realistas, mas nunca exageradas – sem abdicar de exibir a afectuosidade entre as personagens. Este é, a todos os níveis, um filme de bom e exemplar convívio entre a “velha escola” e a “geração seguinte”.

[Entrevista com Ryan Coogler]

https://youtu.be/Hw6Io6UAfus

Michael B. Jordan personifica Adonis Creed com a mistura certa de ambição, hesitação e determinação, e é completamente convincente quando está no ringue, enquanto que Stallone há muito tempo que não habitava Rocky Balboa de forma tão natural, reservada e tocante, fazendo os seus limites de actor trabalhar a favor da personagem. A interpretação deu-lhe uma nomeação para o Globo de Ouro de Melhor Actor Secundário e, quem sabe, poderá também valer-lhe uma para o Óscar da mesma categoria. Que seria, 40 anos depois da aclamação de “Rocky” pela Academia, um bonito fechar de ciclo e uma grande saída de cena para Rocky Balboa.