Contradições, ziguezagues da Comissão Europeia, a transição política em Porugal e o volte-face do Banco de Portugal na última fase do processo, sobretudo no último mês, foram algumas das notas deixadas pelo ex-presidente do Banif sobre a resolução do banco, decidida em dezembro do ano passado. Jorge Tomé manifestou ainda perplexidade pelo facto de não se ter negociado a proposta apresentada pelo Santander no concurso de venda, e que era melhor do que a que veio a ser encontrada.

As declarações de Jorge Tomé foram feitas numa conferência realizada na Faculdade de Direito de Lisboa esta terça-feira, que tem como tema, “O sistema financeiro português: 40.000 milhões de euros de imparidades depois”.

O antigo presidente executivo assegura ainda, já em resposta a jornalistas, que havia outras ofertas vinculantes para o Banif, ao contrário do que têm afirmado o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal. E cita a oferta do fundo JC Flowers, bem como a da Apollo que se tornou vinculativa no sábado à noite.

As autoridades portuguesas têm argumentado que convidaram dois dos interessados, aqueles que eram bancos  — Santander e Popular — para apresentarem uma oferta vinculativa, mas apenas o Santander Totta o terá feito no apertado calendário imposto à venda em resolução (um fim-de-semana).

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Depois de anunciar que tudo o que disse pode ser documentado, Jorge Tomé revela que último plano de reestruturação do Banif foi apresentado em setembro passado à DG Com (autoridade da concorrência da Comissão Europeia). E recorda uma reunião realizada a 8 de outubro (quatro dias depois das legislativas), em Bruxelas, em que o Banco de Portugal fez uma “defesa acérrima” do plano apresentado.

Apesar de o Ministério das Finanças ter tido sempre um grande envolvimento no dossiê Banif, os representantes do Estado tinham poder de veto nas reuniões da comissão executiva, recorda, Jorge Tomé, que conclui que, “com a transição política, o Banco de Portugal substituiu as Finanças nas conversas com Bruxelas”. E o antigo presidente do banco refere ainda um “volte-face em novembro” que ainda não compreendeu.

A saída de um governo e a entrada não de um, mas dois novos governos (o minoritário de Passos Coelho e o governo PS), foi um dos factores que perturbou o processo, reconheceu o antigo gestor.

Nessa altura, acrescenta, passou a ser o Banco de Portugal a definir o perímetro dos ativos a vender e a conduzir o processo de venda.

“Mas, em paralelo, alguma coisa se estaria a passar, o BdP começou a preparar a resolução do Banif. E aqui surge um conjunto de contradições”.

Jorge Tomé reafirma, contudo, que o concurso lançado para venda da posição do Estado foi conduzido no pressuposto de que não haveria resolução.

O antigo gestor revela que só a 18 de dezembro, a data limite para a entrega de ofertas privadas para a compra da posição do Estado no Banif, é que foi confrontado com o cenário da resolução, na sequência de uma reunião no Ministério das Finanças. Foi-lhe comunicado que o “comprador teria de ser escolhido no fim-de-semana e tomar conta do banco na segunda-feira”. Ora, o processo de venda previa que a operação só estivesse finalizada em fevereiro de 2016. ”

“Recebemos propostas no dia 18, mas estas não serviram para nada”. O que aconteceu não foi uma venda, mas uma liquidação, defende reafirmando ainda que com as ofertas apresentadas no concurso ainda lançado pelo Banif “podia ter-se encontrado uma solução melhor”.

Na primeira reunião com a troika “nem nos sentámos”

O antigo presidente executivo do Banif confirma a má-vontade da Comissão Europeia em relação à instituição e revela que foi só por teimosia do governo de Pedro Passos Coelho e do Banco de Portugal que o Banif foi recapitalizado com uma ajuda de Estado entre o final de 2012 e 2013. Tomé conta, mesmo, que na primeira reunião com a troika lhe foi logo dito que não haveria dinheiro para o Banif. “Nem nos sentámos”.

Desmente, porém, a tese de que houve oito planos chumbados. Diz que chegou a haver uma reestruturação aprovada e que o que houve foram várias versões do plano. Num desfecho que, conclui, contribuiu “para destruir em Portugal 2,2 mil milhões de euros de poupança pública e 250 milhões de euros de poupança privada”. Uma situação que, para Jorge Tomé, deixa várias interrogações.

A DG Com queria a resolução e a liquidação do Banif? Até podia querer, mas não tinha esse poder. Na altura nem podia exigir a devolução da ajuda do Estado por causa da investigação aprofundada, uma vez que não tinha ainda terminado o período de audiência pública que só terminou dias depois. E também não podia porque a ajuda só terminava em 2017, argumenta. Para Jorge Tomé, o Estado português tinha argumentos para contestar a tese de que essa ajuda era ilegal.

A DG Com não podia legalmente fazer nada a 20 de dezembro, defende. “Podia fazer pressão e fez muita e andou em ziguezague. Podia até ter usado o Banif como moeda de troca”. É uma tese que Jorge Tomé não explica. Cá fora, aos jornalistas, o antigo gestor reafirmou que a forma “como o Banif foi liquidado num final fim de semana só poderia ter sido como moeda de troca. Agora temos de saber qual é a moeda de troca”.

A notícia da TVI e a corrida aos depósitos também foi referida pelo antigo líder executivo do banco. O Banco de Portugal teve dificuldade em compreender a corrida aos depósitos e o Banif teve de recorrer à ELA (linha de emergência do Banco Central Europeu). Mas a situação estabilizou, realça. Jorge Tomé estava convencido que, se anunciasse a existência de negociações, teria sido possível o Banif continuar.

O BCE ia tirar o estatuto de contraparte ao Banif? Onde está escrito? E ainda que fosse? Como funcionaram os bancos gregos durante meses?, questionou Jorge Tomé.

Tinha de ser o Santander a comprar? A DG Com queria o Santander? Mas Bruxelas exigia sempre concursos abertos e transparentes. O que aconteceu às regras sagradas da DG Com? E o prazo? As datas previstas no concurso previam que o dossiê estivesse finalizado em fevereiro, acrescenta. O gestor recorda ainda a proposta de Orçamento Retificativo que autoriza o aumento de capital de Banif. E sublinha que a lei prevê que uma instituição, para ser capitalizada, tem de ser viável. “É uma dúvida jurídica que deixo”, afirmou o ex-presidente executivo do Banif.

Na sua segunda intervenção pública depois da resolução da instituição financeira, Jorge Tomé também não poupou o anterior governo, recordando um ultimato feito pela DG Com a Portugal em dezembro de 2014 e da qual a gestão do banco só teve conhecimento quatro meses depois. As mudanças na Comissão Europeia, no Ministério das Finanças e dentro do Banco de Portugal, a par da resolução do Banco Espírito Santo (BES), são coisas que correram mal ao longo de 2014 e que contribuíram para este desfecho, sustenta ainda.

Para Jorge Tomé, a resolução do BES [em agosto de 2014] salpicou todos os bancos e veio dar a machadada quase final no sistema bancário português.