“Nem a carta do primeiro-ministro António Costa, datada de 14 de dezembro de 2015, nem a carta do governador Carlos Costa, datada de 16 de dezembro de 20153 , incluíam uma proposta de suspensão do estatuto de contraparte do Banif”. A garantia é dada por Christine Lagarde numa carta a Nuno Melo, eurodeputado do CDS que fez um conjunto de questões à atual presidente do BCE. A carta, datada de 10 de fevereiro, já noticada pelo Expresso, revela que a reunião que retirou o estatuto de contraparte ao Banif por parte do BCE decorreu a 16 de dezembro (já depois da carta de António Costa) tendo essa medida sido feita sob proposta do então presidente do BCE, Mario Draghi.

E é por isso que agora Nuno Melo volta à carga. Vai fazer, segundo apurou o Observador, nova pergunta ao BCE questionando a razão de Mario Draghi ter decidido retirar esse estudo. “Na resposta de 10 de fevereiro de 2022 é reconhecido que o Banco Internacional do Funchal S.A (Banif) não era diretamente supervisionado pelo BCE, estando antes sobre supervisão direta do Banco de Portugal; O Banco de Portugal, no âmbito da respetiva avaliação e no contexto de venda voluntária que estava a decorrer, nunca propôs a retirada do estatuto de contraparte, mas sim a continuação da cedência de liquidez ao Banif, nos termos da regulamentação aplicável; Que razões, em concreto, levaram o presidente do BCE Mario Draghi, a decidir por iniciativa própria retirar o estatuto de contraparte ao Banif?”, questiona o eurodeputado.

Lagarde deixa, na carta deste ano, a ideia de que a decisão de retirar o estatuto foi do próprio BCE, e é por isso que Nuno Melo volta a fazer questões. “A resposta [de Lagarde] confirma que a retirada do estatuto de contraparte ao Banif foi da iniciativa do presidente do BCE, depois de recebida a carta em que o primeiro-ministro referia que o Banif estava em ‘pré-resolução’, conceito inexistente e que não correspondia à verdade”, justifica Nuno Melo, num tweet em que analisa a resposta que recebeu do BCE, acrescentando que, no seu entender, “a falsa comunicação de uma ‘pré-resolução’ contrariou a realidade do Banif: decorria a venda voluntária; e o Banco de Portugal tinha mesmo proposto a continuação da cedência de liquidez nos termos da regulamentação aplicável. Houve um propósito de induzir em erro o BCE”. A convicção é idêntica à que Carlos Costa, governador do Banco de Portugal à data da resolução do Banif, revelou no livro “O Governador”, do jornalista Luís Rosa.

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Para Carlos Costa, a carta de António Costa — que o mesmo disse, em respostas ao PSD sobre o Banif que tinha seguido apenas a 15 de dezembro, mas que Lagarde data de 14 de dezembro “seguramente precipitou a ideia de que tudo estava mais difícil do que aquilo que tinham concluído as suas equipas e nós próprios, no final do ajustamento”. Largade confirma, na carta de agora, a “receção de uma carta do primeiro-ministro português, António Costa, ao então presidente do BCE, Mario Draghi, datada de 14 de dezembro de 2015. A carta foi disponibilizada aos membros do Conselho do BCE, incluindo ao então governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, após a sua receção”.

A corrente de Carlos Costa e que Nuno Melo subscreve, que tem sido contraditada por António Costa e Mário Centeno (à época ministro das Finanças), é a de que a carta escrita pelo primeiro-ministro na qual abordava a questão do Banif estar em pré-resolução é que precipitou o desfecho. Lagarde conta ainda que recebeu também uma carta do Banco de Portugal que levou ao “aditamento aos pontos da agenda provisória” da reunião do BCE de 16 de dezembro. A carta do Banco de Portugal, diz Lagarde, “solicitava a aprovação do Conselho do BCE para a aplicação de medidas discricionárias com base em considerações de natureza prudencial, que consistiam em limitar o acesso do Banif às operações reversíveis de cedência de liquidez do Eurosistema, bem como restringir o acesso do Banif ao crédito intradiário, em conformidade com as regras estabelecidas no acordo relativo à cedência de liquidez em situação de emergência”. E, para considerar esta carta, relata Lagarde, “a rubrica ‘Aplicação de medidas discricionárias a uma contraparte do Eurosistema’ foi acrescentada à agenda no início da reunião do Conselho do BCE, na sequência de uma proposta do presidente do BCE. Nem a carta do primeiro-ministro António Costa, datada de 14 de dezembro de 2015, nem a carta do governador Carlos Costa, datada de 16 de dezembro de 20153 , incluíam uma proposta de suspensão do estatuto de contraparte do Banif”.

Para Nuno Melo, a carta agora revelada por Lagarde “demonstra que foi veiculado um diagnóstico da situação do sistema bancário português que não teve em conta a avaliação do supervisor, que era o Banco de Portugal e o mecanismo único de supervisão, desde 2014”.

A carta de Lagarde realça ainda o facto de o BCE não se considerar supervisor direto do Banif. “O Banco Internacional do Funchal S.A. (Banif) foi classificado como ‘instituição menos significativa’ (…), por conseguinte, não era diretamente supervisionado pelo BCE, estando antes sob a supervisão direta do Banco de Portugal na sua capacidade de autoridade nacional competente”. Também por esta questão e ligando-a à ideia que Lagarde deixa de que foi o BCE a assumir a decisão de retirar o estatuto, Nuno Melo volta a questionar sobre as decisões de Draghi, até tendo em conta que, numa carta anterior (de 2 de maio de 2016), a responsável à época pelo mecanismo único de supervisão (Danièle Nouy) garantiu que “assumir a responsabilidade pela supervisão direta de uma entidade constitui uma medida de caráter excecional – ou seja, uma medida de último recurso, que deve apenas ser considerada caso todas as restantes medidas de supervisão adequadas não tenham sido bem-sucedidas”. E nessa mesma resposta a Nuno Melo garante que “a supervisão bancária do BCE manteve um contacto regular com o Banco de Portugal no que respeita à situação financeira do Banif (e do conjunto do setor bancário português), mas a responsabilidade pela tomada de decisões permaneceu sempre sob a alçada do Banco de Portugal”. Ora, alega Nuno Melo, o Banco de Portugal não pediu que se retirasse o estatuto de contraparte, o que acabou por acontecer e que retirou ao Banif qualquer possiblidade de financiamento. A resolução chegou a 20 de dezembro.

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