António Guterres está na corrida para a ONU. Mas não está sozinho. Mobilizados para a sua eleição estão o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Governo, que trabalham afincadamente para conseguir a histórica nomeação do antigo primeiro-ministro para o cargo cimeiro nas Nações Unidas. Apesar das dificuldades devido à preferência por uma figura do Leste europeu e às pressões para que este papel venha a ser desempenhado no próximo mandato por uma mulher, a diplomacia portuguesa trabalha com um lema: “A esperança é a última a morrer”.

Após o anúncio do apoio do Governo de Portugal à candidatura de António Guterres a secretário-geral da ONU, o primeiro passo é informar todas as embaixadas estrangeiras em Lisboa, as embaixadas noutras capitais europeias – Londres, Paris ou até nalguns casos em países fora da Europa, como Marrocos – com responsabilidades de representação em Portugal e os restantes países com assento na ONU, mas sem representação em Portugal, que Guterres é um candidato oficial. Apesar de a missiva portuguesa a responder à carta conjunta do presidente da Assembleia Geral da ONU e do Presidente do Conselho de Segurança que pela primeira vez abriu publicamente o processo de sucessão do secretário-geral ainda não ter seguido — ao Observador, fonte oficial do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros disse que a resposta portuguesa será divulgada assim que for enviada à ONU –, a diplomacia portuguesa já está a trabalhar.

Ao atribuir esta manhã ao antigo primeiro-ministro a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade no Palácio de Belém, Cavaco Silva afirmou que Guterres tem o perfil indicado para a função. “António Guterres tem o perfil, a inteligência e os conhecimentos para o cargo e esperamos e desejamos que tal seja reconhecido pelo países da comunidade internacional. Tem todo o apoio de Portugal”, disse Cavaco Silva, uma forte indicação para dentro e para fora do apoio de Portugal a esta candidatura.

O embaixador António Martins da Cruz, antigo ministro do Negócios Estrangeiros e que integrou a missão de Portugal nas Nações Unidas, diz que um dos primeiros departamentos a entrar em ação numa candidatura desta envergadura é o departamento multilateral. “Este gabinete tem a relação de todos os pedidos que Portugal recebeu e recebe para apoiar várias candidaturas, de várias nacionalidades, nas mais diferentes organizações internacionais. Este departamento faz uma avaliação dos pedidos que vão chegando e tenta gerir possíveis trocas de apoios”, descreve o antigo diplomata. Este gráfico permanecerá atualizado até à véspera da eleição de Guterres.

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Em seguida, a grande aposta da diplomacia portuguesa é o Conselho de Segurança. Apesar de a votação para o novo secretário-geral da organização ter lugar na Assembleia Geral da ONU, onde têm assento os 193 países que integram a instituição,  há cinco países que podem impedir uma candidatura. Este poder é dos membros permanentes do Conselho de Segurança: Rússia, Estados Unidos, França, Reino Unido e China. O artigo no jornal Público que serviu como anúncio formal da candidatura de António Guterres, indicava que o Governo já sabia que não havia oposição de nenhum destes países à eleição de Guterres, mas convém continuar a mostras as “qualidades de Guterres” como candidato, assegura o embaixador Francisco Seixas da Costa, que foi secretário de Estado dos Assuntos Europeus entre 1995 e 2001, precisamente de um Governo chefiado por Guterres.

Dentro do Conselho de Segurança, a prioridade é apelar à Rússia. “NA ONU, os EUA têm capacidade de afirmação positiva, de propor e de construir. A Rússia tem muitas vezes um poder negativo de travar certas candidaturas. Nos próximos anos, a Rússia vai tentar voltar ao mainstream internacional, depois do conflito na Ucrânia, da saída do G8 e das sanções aplicadas pela União Europeia. Quererá um candidato que não impeça este regresso”, indica Seixas da Costa, afirmando que Portugal também terá de ter atenção aos membros não permanentes deste órgão. Espanha e Angola são dois dos 10 países que integram este conselho em regime de rotatividade.

Guterres vai ter de entrar nesta campanha

Esta não é a primeira candidatura de grande envergadura de Portugal na ONU, depois de já ter conseguido ser eleito como membro não permanente do Conselho de Segurança por três vezes — a mais recente em 2010, na sequência de uma campanha diplomática em que foi determinante a aposta nos apoios dos países árabes e africanos — e de ter conseguido integrar pela primeira vez o Conselho de Direitos Humanos, no final de 2014. Mas nesta eleição há dificuldades acrescidas, não só por se tratar de um dos lugares mais cobiçados do mundo, como pelo perfil específico que se pretende para o próximo secretário-geral: ser da Europa de Leste e ser mulher.

António Monteiro, embaixador e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, afirma que nenhum destes critérios é “absoluto”. “A questão da Europa de Leste corresponde a uma resistência de reformas por parte da ONU em admitir uma divisão do mundo diferente do que foi instaurado em plena Guerra Fria. Quanto ao género, é claro que é importante dar visibilidade às mulheres e é essencial que avancem em cargos internacionais, mas também tem de haver uma análise aos méritos dos candidatos”, afirma Monteiro.

O antigo embaixador, que chegou a representar Portugal em França, considera que a missão de Portugal na ONU em Nova Iorque, liderada por Álvaro Mendonça e Moura, será o “ponta de lança” desta candidatura, mas António Guterres não vai poder ser um “candidato silencioso”. Também a missão em Genebra, liderada por Pedro Nuno Bártolo, será essencial para avaliar as preferências da “máquina” da ONU.

“Guterres não pode ficar em casa à espera que o cargo lhe caia no regaço. Se for caso disso, deve meter-se no avião e ir à Rússia. Ele tem de se chegar à linha da frente e é uma pessoa que está habituada a isso”, considera Martins da Cruz. O antigo ministro defende que esta é uma “eleição de personalidades” e as pessoas que estão a concorrer, até porque vão existir audições públicas, têm de se mostrar. Entre brincadeira e como uma manobra de campanha legítima, Martins da Cruz sugere ainda que seria “perfeito” se Guterres conseguisse mobilizar uma grande estrela internacional como Cristiano Ronaldo para lhe dar apoio — “era a melhor maneira de mobilizar países nos quatro cantos do mundo”.

Uma lista telefónica “magnífica”

Francisco Seixas da Costa defende que António Guterres terá neste momento uma “lista telefónica magnífica”. “Não há dirigente mundial que ele não conheça e com quem não tenha interagido como Alto Comissário para os Refugiados. Ele conhece todos os key players, ou seja, todos os atores com capacidade de mediação, e conhece alguns major players, ou seja, quem tem mesmo a capacidade de decidir. Haverá uma troca de informações intensa entre António Guterres e o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, assegura Seixas da Costa. A campanha será rápida, até porque a aprovação dos nomes que vão a votos na Assembleia Geral deverão receber luz verde do Conselho de Segurança até julho.

Independentemente de conseguir ou não ficar com o lugar de secretário-geral, António Monteiro defende que esta candidatura deixa “bem visto o país” e constitui “uma ideia muito mobilizadora da nossa diplomacia”. “A candidatura de António Guterres vai reavivar a memória da comunidade internacional sobre os feitos da diplomacia portuguesa e mobilizar todo o país”, conclui.

De resto, o anúncio da candidatura de Guterres conseguiu unir quase todos os partidos em Portugal. O Observador sabe que Pedro Passos Coelho — com quem António Costa se reuniu há duas semanas depois de um debate quinzenal no Parlamento — já afirmou o seu apoio à iniciativa do Governo e falou diretamente com o ex-primeiro-ministro, afirmando que estará “ao lado de Guterres na  candidatura”. E os apoios também vieram dos outros partidos. António Costa fez questão de falar com todos antes de anunciar que o Governo iria apoiar a candidatura de Guterres.

“Eu disse ao primeiro-ministro que o CDS evidentemente participaria desse consenso. Nós sabemos distinguir o que são controvérsias políticas do que são interesses permanentes do Estado português e por isso mesmo não quero deixar de dar esta palavra favorável, com o nosso empenhamento”, garantiu aos jornalistas o líder do CDS, Paulo Portas. Do BE, também vieram elogios: António Guterres é uma personalidade internacional “que se destacou nos últimos anos no seu compromisso numa das causas maiores do mundo contemporâneo que é, e vai continuar a ser, pelas piores razões, a proteção dos refugiados”, disse o deputado José Manuel Pureza.

“É nossa firme convicção que o engenheiro António Guterres é a personalidade com melhores condições para exercer esse mandato, correspondendo à necessidade de enfrentar os desafios que hoje se colocam à comunidade internacional”, elogiou o MNE, em comunicado. Enquanto que o novo Presidente eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, já prometeu todo o empenho nesta missão. “Ele é um candidato fortíssimo às Nações Unidas e penso que tem hipóteses de vitória”.