Tivesse António Guterres o apoio parlamentar de hoje na última vez que pisou, publicamente, a Assembleia da República e não precisaria de temer o “pântano”, muito menos de acordos políticos para os “orçamentos liminano”. Foi aliás na defesa de uma dessas propostas que esteve no parlamento pela última vez, a 9 de novembro de 2001. Mas a contenda política desse tempo ficou lá atrás e esta terça-feira Guterres voltou “à casa onde se sente em casa”, noutra pele e com unanimidade no apoio à sua candidatura a secretário-geral da ONU.

A demissão de primeiro-ministro em dezembro de 2001, atolado num “pântano” político (a expressão foi ele mesmo que a celebrizou), afastou Guterres do palco nacional, com uma ou outra exceção, como por exemplo o apoio a José Sócrates, em 2005, num comício de campanha em Castelo Branco. Agora regressou depois de deixar o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e enquanto tenta a sua sorte para um alto voo: o topo da ONU.

No parlamento recebeu a garantia de “empenhamento total” de todos os partidos na sua candidatura, pela voz do presidente da Assembleia da República que fez questão de receber o “grande amigo” para uma reunião a dois, momentos antes da hora marcada para a audição na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros onde falaria sobre migrações e refugiados.

O assessor de Ferro Rodrigues avisou que “excecionalmente” o presidente falaria depois da reunião. E falou, para não poupar nos elogios e para assegurar que ele mesmo “fará tudo para dar uma ajudinha” ao homem sob a chefia de quem foi ministro, nos dois governos. “Não é só um excelente candidato, é um enorme candidato”, disse sobre Guterres e as Nações Unidas. Do camarada socialista outra coisa não seria de esperar, o mesmo já não se pode dizer dos rasgados elogios que vieram dos sociais-democratas.

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Logo no arranque da audição parlamentar, o deputado do PSD José Cesário manifestou “satisfação e o integral apoio” à candidatura de Guterres à ONU. Mais: “Não se traduzirá em breves discursos e palavras, faremos os possíveis, junto dos nossos parceiros, para que tudo corra para que possa ser eleito”. Acabou? Não. “Será uma grande vitória para Portugal e para a democracia”, rematou Cesário.

Quando chegou a comissão parlamentar, sozinho sem séquito a acompanhá-lo, Guterres foi imediatamente rodeado pelos deputados mais antigos do parlamento. Não ia ali há quase 15 anos. “Nunca na minha vida estive no mesmo sítio 23 anos”. Exceto ali, na Assembleia da República: “Uma casa onde continuo a sentir-me em casa”. Sérgio Sousa Pinto, o socialista que preside à comissão parlamentar, apresentou-o aos deputados mais novos, em idade e no cargo. “Senhor engenheiro para cá, senhor engenheiro para lá”, é o tratamento atual. Paula Teixeira da Cruz chegou mesmo em cima do início da reunião mas não dispensou subir até ao topo da mesa para cumprimentar o convidado. Mais tarde, na intervenção que fez já mesmo no final da audição, a deputada do PSD havia de cumprimentá-lo: “Por estar entre nós e pelas suas várias intervenções”.

No PS, os elogios multiplicaram-se, com Paulo Pisco a expressar “grande honra” em ter ali Guterres, desejando-lhe “o maior sucesso na candidatura que, a ser bem sucedida, seria uma grande honra para Portugal e o seu trabalho será reconhecido a nível internacional”. Pisco, aliás, verbalizou o que por ali se ia vendo, “o amplo consenso nacional sobre a candidatura”. O ex-primeiro-ministro sorria, mas nada mais disse sobre este apoio. António Guterres evitou o pântano político de 2001 e voltou, 14 anos depois, ao parlamento com terreno mais estável debaixo dos pés.