Dorothea Lange tinha desistido da fotografia de estúdio. Depois da Grande Depressão, a história – a verdadeira História – desenrolava-se na rua, com a abismal recessão económica de 1929 a atirar milhões de pessoas para o desemprego e para a miséria. Florence Owens Thompson foi uma das mulheres que perdeu o trabalho depois do crash de Wall Street. Ela e um quarto da população ativa dos Estados Unidos da América às portas dos anos 30: quase 31 milhões de pessoas enfrentavam o desemprego naquela época: em 1933 havia cerca de 12,8 milhões de desempregados no país.

A fotógrafa norte-americana tinha começado a trabalhar para a Resettlement Administration em meados da década, uma agência federal do programa New Deal que ao abrigo das indicações do presidente Roosevelt era responsável por apoiar as famílias pobres atingidas pela crise. Dorothea Lange viajava de estado em estado com a máquina na mão para contar a história de quem era ajudado pela política dos “Três R’s” do presidente norte-americano: aliviar (relieve) o desempregado e o pobre, recuperar (recover) a economia e reformar (reform) o sistema financeiro para prevenir uma nova depressão.

Dorothea Lange

Dorothea Lange em trabalho. Fotografia: Library of Congress

Foi em 1936 em Nipomo, na Califórnia, que a fotógrafa descobriu Florence Owens Thompson sentada numa tenda com os sete filhos ao seu redor. Tinha perdido o trabalho num campo de ervilhas quando as chuvadas destruíram as culturas, comia pequenos pássaros que os filhos caçavam e estava viúva desde 1931. Tinha 32 anos, mas a dureza da crise vincava-lhe demais as rugas. Dorothea Lange pediu para a fotografar, mas não precisou de fazer perguntas porque Florence contou-lhe tudo. E aquela imagem – que a fotógrafa intitulou de “Migrant Mother” (ou “Mãe Migrante”) passaria a ser o símbolo da maior depressão económica da História e que só veio a terminar com o final da II Guerra Mundial.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

migrant mother 1

“Migrant Mother”, de Dorothea Lange (1936)

Esta fotografia tornou-se numa das mais icónicas do século XX, porque retratava a luta que várias famílias do interior norte-americano travavam todos os dias. Na altura ninguém sabia o nome da mulher: Florence tinha aceitado ser fotografada sob a condição de o seu nome nunca ser revelado, para poupar os filhos do embaraço. Perdeu-se o rasto à sua história, quando ela e os filhos se mudaram seguindo a rota do programa New Deal.

Só em 1978 é que o jornal “Modesto Bee” a encontrou: tinha 75 anos, vivia na cidade californiana de Modesto e estava disposta a assumir a sua identidade. Florence era natural de Cherokee, no estado de Oklahoma, e havia casado aos 17 anos. Mudou-se para a Califórnia para trabalhar no campo. Com 28 anos (estava-se em 1931, a crise rebentara havia dois anos) e com o sexto filho a caminho viu o marido morrer de tuberculose. Teve de trabalhar mais para sustentar as crianças: por cada libra de algodão que apanhava ganhava meio dólar.

Florence

Florence Owens Thompson numa entrevista à Modesto Bee em outubro de 1978. Créditos: Modesto Bee

Dormia debaixo da ponte, mas tinha o apoio do governo de Roosevelt, que lhe dava vegetais congelados para comer. Um dia, o carro em que se deslocava para ir trabalhar avariou, por isso Florence levou-o até ao campo em Nipomo para tentar arranjá-lo. Foi nessa altura que encontrou Dorothea Lange, que a convenceu a ser fotografa porque iria elucidar as pessoas do que estava realmente a acontecer às famílias em solo norte-americano. Katherine Thompson McIntosh, a filha de Florence com quem os jornalistas falaram nos anos 70, garantiu na época que “aquela imagem sempre ficou para ela, porque sempre quis uma vida melhor”. Em 1945 mudou-se para Modesto, onde trabalhava 16 horas diárias no campo, em bares e no hospital local.

Foi por lá que ficou: já tinha 10 filhos, era reconhecida em todo o lado, mas nada mudou depois de ter tirado aquela fotografia. Mesmo quando os filhos lhe compraram uma casa, Florence respondeu: “Preciso de ter sempre rodas debaixo de mim”. Em meados dos anos 80 ficou gravemente afetada depois de um ataque cardíaco. Os filhos angariaram 15 mil dólares (13,7 mil euros) que investiram em medicamentos, mas ela acabou por morrer a 16 de setembro de 1983.

Quanto a Dorothea Lange, autora da fotografia que foi reproduzida milhares de vezes em todo o mundo, viu a carreira evoluir depois de ter sido convidada para trabalhar em parceria com a Fundação Solomon R. Guggenheim, criada em 1937 e dedicada ao mundo das artes. Seguiu as histórias nos campos de concentração norte-americanos maioritariamente ocupados por japoneses, já no final da II Guerra Mundial , e estudou Belas Artes na Califórnia. Morreu em 1965 vítima de um cancro no esófago. Tinha 70 anos.