De vez em quando, toda a gente tem um dia em que teima em fazer as coisas exclusivamente à sua maneira, sem dar ouvidos a ninguém, quase como se tivesse um José Régio a soprar-lhe aos ouvidos: “Vem por aqui” — dizem-me alguns com os olhos doces/ (…) E nunca vou por ali… Nesses dias, seja por teimosia com o mundo seja por um certo desapontamento pessoal que convém colmatar com uma qualquer ação individual de bonito efeito, tem-se por vezes a tendência para fazer um ou outro disparate cujos resultados são imprevisíveis. É improvável que Islam Slimani conheça a poesia de Régio, mas, no jogo do Sporting contra o Estoril este sábado (1-2), não parece haver melhor descrição para o que o argelino fez.

Slimani, dizem os números e a tradição leonina, é o goleador de serviço do Sporting. Mas já estava sem marcar há cinco jogos, o que é suficiente para dar azo a falatório de cafés e jornais sobre eventuais crises pessoais. Depois da derrota com o Benfica em casa e do empate com o Vitória em Guimarães, o Sporting precisava mesmo de ganhar se quisesse dizer aos rivais da Segunda Circular que isto daqui para a frente não vão ser pinners. Slimani, que talvez não seja versado em poesias mas de golos percebe muito, decidiu logo aos primeiros minutos mostrar ao Estoril quem é que mandava na casa. Ele, pois claro. Aos cinco minutos, quando até nem estava muito bem colocado, quando estava rodeado de adversários e quando tinha Bryan Ruiz a pedir-lhe a bola à esquerda para aquilo que poderia ser um golo fácil, o argelino inventou um golo de se lhe tirar o chapéu.

Assim parece fácil: tenho uma ideia, ponho-a em prática. Às vezes sai disparate, às vezes sai maravilha. Foi com este golo, bem cedo na partida, que Slimani começou a percorrer esse caminho pelo qual conduziu o Sporting à vitória num campo que não prometia facilidades. Mas foi um Estoril doce e sem ideias que se apresentou no António Coimbra da Mota. Se foi efeito do golo rápido ou se foi falta de jeito, nunca saberemos. O que sabemos é que a primeira parte foi mais morna do que qualquer adepto de futebol gostaria. Os jogadores do Sporting quase nunca largaram a bola, mas parecia que não sabiam o que fazer com ela. Passes curtos, de Rui Patrício a Slimani, deixavam os leões frequentemente à porta da baliza, mas raramente houve hipóteses de fazer golo. Do Estoril, pouco ou nada se viu: ao intervalo só tinha havido dois remates a perturbar o guarda-redes do Sporting — e, mesmo assim, pouco.

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Até que Slimani voltou a ouvir a voz: Ninguém me diga: “vem por aqui”! Está bem, Slimani, faz lá como quiseres. E o que ele quis foi não deixar aquela bola fugir quando parecia que não ia dar a lado nenhum. Rui Patrício chutou lá da grande área, a bola pingou entre dois jogadores e Teo acabou por passá-la por um buraco de alfinete para Bryan. Este mandou-a para uma zona da área onde geralmente são os guarda-redes que mandam, mas Kieszek não se fez ao lance, achou que não ia dar nada, deixou-a passar. Estava lá Slimani, que só teve de saltar um bocadinho e pronto. Ele foi por ali e correu-lhe bem.

A primeira parte acabou logo a seguir e, no regresso ao relvado quinze minutos depois, o Sporting teve duas oportunidades de rajada para marcar o 0-3. Slimani esteve em ambas, mas os protagonistas dessas histórias teriam sido Teo e Bryan Ruiz. O Estoril, entretanto, percebeu que tinha de fazer alguma coisa para inverter este caminho e, cinco minutos depois do regresso dos balneários, teve a melhor ocasião de todo o jogo. Um contra-ataque que acabou com a bola nos pés de Mendy, isolado na cara de Rui Patrício, só tinha de fintar o guardião do Sporting. Mas o leão portou-se bem e bloqueou o que seria o 1-2.

Vinte minutos depois, o golo do Estoril foi inevitável. Leo Bonatini, esquecido pela defesa do Sporting mesmo à boca da baliza, apanhou uma bola perdida de um canto e atirou-a para longe das mãos de Patrício. Os leões passaram os minutos finais da partida com o coração na boca, perante um Estoril que acreditava que era ainda possível empatar e que levou todos os jogadores para a área dos sportinguistas. Não aconteceu. Slimani foi teimoso, levou o Sporting pelo caminho que ele próprio escolheu e correu-lhe bem. Não é isso que os goleadores fazem?

O Sporting está no primeiro lugar, por enquanto. Só na segunda-feira, quando o Benfica jogar, é que sabe se vai lá ficar. Está como Régio: Não sei por onde vou/Não sei para onde vou. Numa coisa é diferente: Sei que vou por aí (para o topo).