O relatório elaborado pela Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) relativo ao acidente ocorrido em dezembro na autoestrada A12, junto às portagens do Pinhal Novo, teve que ser refeito porque apresentava algumas “incongruências” relativamente às operações de socorro que detetaram uma vítima mortal três horas depois do acidente. É a versão corrigida do documento que já se encontra nas mãos do Ministério Público, para apurar se houve negligência por parte de algum dos intervenientes.

A informação consta da resposta do Ministério da Administração Interna ao Bloco de Esquerda, agora disponível no site da Assembleia da República. Logo após o acidente, o Governo ordenou que fosse elaborado um relatório ao que aconteceu naquela manhã de nevoeiro do dia 2 de dezembro – em que um choque em cadeia envolvendo 17 viaturas (15 carros, uma mota e um autocarro) resultou em 15 feridos e um morto. O corpo da vítima mortal, uma mulher de 55 anos, só foi encontrado três horas após o acidente, quando eram removidas as viaturas acidentadas do local.

Logo no dia do acidente, o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, ordenou que fosse feito um relatório sobre as operações de socorro, enquanto o presidente da ANPC, Francisco Grave Pereira, ordenou a abertura de um processo de inquérito. Um mês depois, a 14 de janeiro, Francisco Grave Pereira devolvia o relatório já feito ao instrutor do processo para clarificar questões relativas à “Fita do Tempo” do acidente, ou seja, ao registo de todos os alertas e de todos os meios que foram chegando ao local, com a atualização da informação do terreno.

A 20 de janeiro, seria o secretário de Estado da Administração Interna a determinar que fossem clarificados mais pormenores, nomeadamente a mudança do comando de operações a meio do socorro — descrita na “Fita do Tempo”, mas não referida no relatório — e algumas “incongruências” relativas à “Fita do Tempo” e às “declarações dos intervenientes no teatro de operações”. O Observador apurou, junto de fonte dos bombeiros, que estas incongruências na “Fita do Tempo” são comuns, porque “são anotações que os bombeiros vão fazendo à medida que vão tendo informações do que se está a passar no terreno”.

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A cópia do relatório final do inquérito só chegou às mãos do BE na última semana, já em março, com a classificação de segurança “Reservado”. Foi também uma cópia deste documento que foi entregue ao Ministério Público, para apurar se houve algum comportamento negligente que possa ser alvo de um processo-crime. O Governo ordenou ainda que fosse enviada uma cópia à comandante do Centro Distrital de Operações de Socorro de Setúbal, “para tratamento da matéria disciplinar“, como referia o comunicado então enviado.

Comandante dos Bombeiros do Pinhal Novo já falou com advogado

Ao que o Observador apurou, a comandante Patrícia Gaspar enviou a versão final do relatório para o comandante dos bombeiros do Pinhal Novo. Contactado pelo Observador, o comandante Raul Prazeres confirmou a receção do documento, mas diz que por agora não há responsáveis.

“Vamos fazer um inquérito interno para avaliar o que se passou. Também vamos falar com um advogado. Mas não posso acrescentar mais nada”, disse.

Ainda de acordo com o que o Observador apurou, o relatório em causa é “muito factual” e relata as horas, os meios de socorro e tudo o que se passou naquele dia. No final lança algumas recomendações relativamente à necessidade de “mais formação para os bombeiros”.

BE diz que falta formação aos bombeiros. Liga dos Bombeiros discorda

“Já tínhamos colocado questões sobre a formação dos bombeiros voluntários e dos profissionais ao MAI, mas ainda não recebemos respostas conclusivas. Vamos continuar a insistir”, disse ao Observador a deputada do Bloco de Esquerda, Sandra Cunha.

O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Soares, discorda em absoluto. Sem qualquer conhecimento do relatório em questão, o responsável afirma ao Observador “que os bombeiros têm muita formação”. Mais. “Os voluntários ainda têm mais horas e módulos de formação que os profissionais”, disse. Jaime Soares diz que o que se passou naquele acidente deve ser avaliado. “Estiveram ali mais forças envolvidas, como a GNR e o INEM. Há que apurar todas as razões que levaram àquela distração”.

Jaime Soares recorda que um cenário igual ao que foi encontrado pelas autoridades naquele dia 2 de dezembro pode complicar a tarefa de encontrar vítimas. E recorda um caso em que esteve presente, no qual encontrou uma bebé nos destroços de uma viatura, porque foi alertado pela família. “Pensava que era uma boneca”, confessa. Ainda assim, lembra, “isto não acontece por falta de formação”. “A culpa não deve morrer solteira, como acontece muitas vezes no nosso País. Devem ser apuradas as consequências”.