Quem entra na Igreja da Santíssima Trindade em Stratford-upn-Avon (Inglaterra) para visitar o túmulo de Shakespeare depara-se de imediato com um aviso: “Maldito seja aquele que mexer nos meus ossos”, lê-se numa pedra junto à sepultura. Mas o pedido do escritor britânico pode mesmo ter sido corrompido há mais de 200 anos. O crânio de William Shakespeare pode estar desaparecido. Tudo por causa de uma aposta. Estas são as conclusões de um estudo arqueológico publicado este ano e avançado pelo The New York Times.

Tudo começou quando Kevin Colls, do Centro de Arqueologia da Universidade de Staffordshire, começou uma escavação na casa de família Shakespeare. Na altura, o vicário da igreja onde o escritor está sepultado desafiou o arqueólogo britânico a começar um estudo em redor da sepultura para testar a veracidade dos rumores ligados a Shakespeare. Estávamos em 2010. Kevin Colls aliou-se, na altura, à Universidade de Birmingham e analisou documentos antigos que sugeriam que Shakespeare não estaria realmente na igreja ou então que estava enterrado debaixo dela, a 6 metros de profundidade.

Os estudos foram inconclusivos, por isso Kevin Colls voltou ao trabalho em 2013, desta vez com uma equipa da Universidade de Staffordshire, em busca de mais respostas — e com outros métodos, que recorriam à imagética de radar. Este processo envia ondas rádio através do chão, algo que iria permitir ter um mapa visual do que está enterrado nele. Isto é possível porque “materiais diferentes ou objetos enterrados fazem com que as ondas sejam refletidas de forma particular para cada objeto ou material”, como explica o próprio no estudo lançado agora.

Desta vez, Kevin Colls chegou a duas conclusões. A primeira: uma parte da sepultura não parecia ter sido sabotada porque tinha características coincidentes com as outras sepulturas no local. A segunda: a região onde deveria estar a cabeça de Shakespeare é “completamente diferente” das outras sepulturas. Diz o arqueólogo que há “estranhos distúrbios” que sugerem que o crânio de Shakespeare pode mesmo ter desaparecido há duas centenas de anos, 178 anos após a morte do autor de “Romeu e Julieta”.

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Embora tenha partido da Igreja a ideia de explorar o túmulo de Shakespeare, o segundo estudo comandado por Colls não foi tão bem recebido. E os motivos residem todos na Ciência. Uma das regras fundamentais impostas foi que não se alterasse de qualquer modo a região da sepultura. Acontece que as ondas radar, como qualquer tipo de onda eletromagnética, são dotadas de energia e de momento linear. Ora, um dos princípios da física quântica é que não se pode observar nada sem a alterar ou influenciar de algum modo. Neste caso, para que os restos mortais de Shakespeare tivessem sido detetados, os eletrões nos átomos que compõem os seus ossos tiveram de absorver a energia e o momento linear transmitidos pelas ondas do radar para depois as retransmitirem de volta. Essa retransmissão envolve, portanto, alterar a carga energética dos restos mortais e passa a haver uma intervenção, que é indesejada pela Igreja.

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Momento linear é uma das grandezas físicas necessárias para descrever as interações entre dois sistemas físicos. A outra grandeza é a energia. O momento linear pode ser calculado tendo em conta a velocidade do corpo e a sua massa.

Certo é que, com este método, os arqueólogos conseguiram perceber que “há suspeitas razoáveis para acreditar que o crânio de Shakespeare já não está lá”. Então, onde estará? A equipa de Kevin Colls foi em busca de respostas e pode tê-las encontrado numa revista impressa no final do século XIX chamada “The Argosy“, que fala de roubos de sepulturas no século XVIII. Depois de estudarem o documento, os arqueólogos encontraram um suspeito: o médico Frank Chambers.

De acordo com os dados recolhidos pela equipa, Frank Chambers roubou o crânio de Shakespeare depois de ter sido desafiado pelo político Hora Walpole, através de uma carta escrita em 1794. Walpole jurou que daria 300 libras a quem lhe levasse o crânio do escritor. E o médico terá conseguido.

Na verdade, os roubos de sepulturas não eram tão estranhos quanto isso durante o século XVIII. Foi nesta altura que nasceu a frenologia, isto é, a teoria que relaciona as características físicas dos crânios às características psicológicas, caráter e até à capacidade intelectual dos indivíduos.