Manuel Rebello de Andrade ainda vinha a pensar na experiência que acabara de viver. Aos 70 anos tinha finalmente cumprido o sonho de saltar de paraquedas em Ferreira do Alentejo. E estava ainda no carro, de regresso a casa na Parede, Cascais, quando ouviu a notícia de uma aeronave que tinha caído naquela zona. Não havia grandes hipóteses. Aquela era a mesma aeronave onde tinha viajado momentos antes.

“Não havia mais nenhuma aeronave do aeródromo além daquela. E depois vim a confirmar que era a mesma, até por causa do piloto, belga”, recorda o programador já reformado.

Manuel Andrade saiu de Cascais na manhã de domingo. O seu desejo de voar e saltar de paraquedas era tão velho como o filho, de 40 anos, que o acompanhou. “Fomos adiando e só agora conseguimos. Hei de voltar daqui a dez anos, quando tiver 80, para saltar com o meu neto, que tem agora seis anos”, conta. Comprou o salto numa escola de paraquedismo, a Queda Livre, que funciona no aeródromo de Figueira dos Cavaleiros e que faz pacotes consoante o que o cliente quer.

Eram 16h30 quando a aeronave começou a subir. Só quando atinge uma altura entre os 12 mil e os 15 mil pés é que os paraquedistas podem saltar. Antes, ainda em terra, o grupo de oito tripulantes — com o piloto incluído — estava descontraído. Eram dezenas de pessoas de todas as idades, algumas já com experiência no salto, outras para serem “batizadas”. Todas à espera de vez. “Eu era o mais velho. Correu tudo magnificamente bem”, diz.

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“Foi uma experiência soberba. Aquilo ainda dá para pensarmos, são 22 segundos em queda livre chega-se a atingir 220 quilómetros/hora”, acrescenta Manuel Andrade.

Quando ouviu a notícia da aeronave que tinha caído e percebeu que era a mesma onde tinha voado, Manuel nem estremeceu. “Pensei e disse ao meu filho: estava a ver que não conseguia cumprir a promessa”, recorda sorridente. “Prefiro esta experiência a morrer com cancro no hospital. É uma experiência que todos deviam fazer”, desabafa, embora com algum sentimento em relação às vítimas do acidente, com quem ainda privou em terra, no aeródromo.

Antes de voar, Manuel ainda pensou em falar com o piloto — a única vítima mortal do acidente que se seguiria, pelas 19h00 — mas ele estava a abastecer o avião, um Pilatus PC6, naquele momento, e acabou por não o abordar. “Aqueles aviões fazem muito barulho. É isso que atemoriza mais, são aviões muito barulhentos. Mas depois a queda é muito pacífica, com o instrutor às costas que nos deixa controlar o paraquedas até chegarmos à terra”, explica. ” Tudo aquilo é muito pacífico”.

O acidente registado pelas 19h00 de domingo a cerca de dez quilómetros do aeródromo de Ferreira dos Cavaleiros, na zona de Canhestros, em Ferreira do Alentejo, causou a morte ao piloto e ferimentos graves a dois dos restantes sete tripulantes a bordo. As causas do acidente estão a ser investigadas.

(artigo corrigido às 21h00 na parte referente à altitude do avião exigida para o salto)