Ele é dos primeiros a aparecer no longo, longo corredor que é montado na garagem do estádio de Lyon, com grades. Mas é dos últimos a sair. Mais cara de miúdo não podia ter. Ádám Nagy está vestido com fato e camisa e, às costas, leva uma mochila, que tem pendurada uma almofada, das insufláveis, que encaixam no pescoço e seguram a cabeça nas alturas sonolentas dos voos. Pousa a mochila no chão e pega-lhe para a encaixar nas costas, faz isto aí umas dez vezes. Numa delas a culpa é minha, em todas a culpa é toda dele, e ainda bem, porque se disponibiliza a falar e nem o inglês, que fala perfeitamente, o desincentiva a conversar com os jornalistas.

Ádám não joga contra Portugal. Fica no banco, vê os seis golos de lá porque já tinha um amarelo neste Europeu, a Hungria estava qualificada e não era preciso arriscar a sorte com o miúdo que é titular e soma 180 minutos na competição. Só tem 21 anos e há três estava em Rio Maior, pequeno, magrinho e com as pernas arqueadas, a morar e a jogar na segunda divisão distrital de Santarém. Foi lá parar quando um grupo de investidores quis desencantar uma equipa que fosse ganhando tudo e subindo, mas o plano saiu furado. O que pode sair certo é a ida deste rapaz (que joga no Ferencváros) para o Benfica, da qual se tem falado muito.

O bónus da conversa com ele foi que deu tempo para Andreas Möller chegar ali. A seguir ao miúdo veio o senhor, um alemão que hoje é adjunto na seleção húngara e, quando ainda jogava à bola, ganhava Mundiais (1990) e Europeus (1996). Com o penálti que eliminou a Inglaterra nas meias-finais de há 20 anos pelo meio, que levou o então médio a celebrar de forma provocadora para os adeptos ingleses, vingança contra os jornais do país que tinham antevisto o jogo com capas alusivas aos tempos da Segunda Guerra Mundial. Histórico. Estando ele bem-disposto, não havia como desperdiçar a oportunidade de lhe dar uma palavrinha — também se trata do homem que ganhou uma Liga dos Campeões com Paulo Sousa no Borussia Dortmund.

E também não havia como não deixar as duas conversas no mesmo texto, porque ambas vão dar ao mesmo, que é a forma como a Hungria empatou com Portugal, jogou de peito feito, ganhou o grupo e tem como objetivo “ganhar o Europeu”. É o mais novo dos dois que o diz, atenção.

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Ádám Nagy

BORDEAUX, FRANCE - JUNE 14: Adam Nagy of Hungary controls the ball under pressure of Zlatko Junuzovic of Austria during the UEFA EURO 2016 Group F match between Austria and Hungary at Stade Matmut Atlantique on June 14, 2016 in Bordeaux, France. (Photo by Ian Walton/Getty Images)

Falamos em português ou em inglês?
Em inglês, claro.

Não arranhas nada de português?
Agora só me lembro de algumas palavras. “Bróculos” [não percebo bem o que diz, mas é a palavra que mais soa ao que o húngaro diz], “bom dia”, e poucas mais.

Ia perguntar-te se tinhas falado com alguém no final do jogo, em português.
Não, mas foi muito bom na mesma. Antes do jogo começar cumprimentei alguns jogadores. Fui dizer olá ao Renato Sanches, não nos conhecíamos. Nem sequer chegámos a falar muito, foi quase só um aperto de mão.

Fala-se muito que podes ir para o Benfica. Ele não te disse nada sobre isso?
Não, não. Mas também já ouvi esses rumores.

Este foi o primeiro jogo em que não estiveste em campo neste Europeu. O que achaste?
Foi um jogo de loucos, com muitos nervos. Já ouvi pessoas a dizerem que foi o melhor jogo deste Europeu até agora, o que é incrível. Teve muitos golos. Houve muitos ataques e jogadas que chegaram sempre perto das balizas. Nenhuma equipa estacionou o autocarro e espera pela outra, foi um jogo aberto.

Vocês estavam à espera que fosse assim?
Bem, pessoalmente achava que haveria apenas um golo, dois no máximo.

No final foram seis.
Lá está, foi fantástico.

Em parte porque a Hungria pressionou muitas vezes Portugal lá à frente, perto da área. Isso não foi um risco?
Claro. Mas na maioria das vezes em que estamos em vantagem no marcador, o nosso problema é que recuamos. Aí deixamos o adversário jogar. Agora a equipa queria pressionar um bocado. Só que houve uma jogada em que perdemos a bola no meio campo de Portugal e isso resultou num contra-ataque. Foi um exemplo de como esta atitude, de pressionar muito, pode ser perigosa. Basta um jogador falhar e não estar no sítio para correr mal.

Não pediste para trocar de camisola com algum jogador, no final?
Não.

E agora até onde pode ir a Hungria?
Bem, antes do jogo, como qualquer outro jogador, queria ganhar o torneio. É o nosso objetivo. Pode soar ridículo, porque há equipas como Portugal, Espanha ou Alemanha, mas é o que queremos. Estamos muito contentes por sairmos da fase de grupos em primeiro lugar e agora vamos ver. Neste momento, na fase a eliminar, tudo pode acontecer.

Andreas Möller

26 Jun 1996: Andreas Moller of Germany celebrates his penalty during the European Championships semi-final against England at Wembley Stadium in London. Germany won the match 6-5 on penalties. Mandatory Credit: Shaun Botterill/Allsport

Era este o jogo de que estavam à espera?
Este? Nem pensar. Foi um jogo fantástico da nossa equipa. Estamos muito orgulhosos desta prestação, mostrámos boa personalidade e vimos que a mentalidade dos jogadores está boa também. Sobretudo por termos feito alterações, mudámos quatro jogadores.

Por causa dos cartões amarelos.
Sim. E foi possível ver que a equipa continuou em boas condições, a jogar com um grande coração. Vamos para a próxima ronda e isto é um grande sucesso para a Hungria e para as pessoas. Agora vamos dar o nosso melhor, vais ver [ri-se].

Não foram demasiados nervos ver este jogo a partir do banco?
Yeah. Sabíamos que Portugal tinha muitos jogadores bons a nível técnico, individualistas como o Ronaldo e o Nani. Não é que estivéssemos nervosos, mas são 90 minutos em que queremos ver os nossos jogadores a mostrarem boas coisas.

(Entretanto, Bernd Storck passa atrás de Möller e dá-lhe duas palmadas nas costas, calorosas, sorrindo ligeiramente.)

Foi por isso que correram riscos, como pressionar a saída de bola de Portugal?
Claro. No último mês treinámos muito isto, habituámo-nos a não pensar atrás e olhar para a frente, para marcarmos golos. É um novo estilo em comparação aos últimos anos da seleção húngara. A equipa fez um ótimo trabalho.

Como jogador ganhou um Mundial e um Europeu, como se sente agora a ajudar a Hungria?
Estou muito orgulhoso por fazer parte desta equipa, especialmente como treinador-adjunto, atrás do Bernd Storck. Para mim é divertido, estou muito feliz por estar aqui. A relação com os adeptos é fantástica. Posso dizer que estou muito bem aqui, estou orgulhoso.

(E, do nada, um jornalista húngaro aparece e responde-lhe, em inglês: “E nós estamos muito orgulhosos de vocês”.)

É um país pequeno, mas o povo húngaro é incrível. Temos bons jogadores, um bom coração, um bom caráter e agora veremos como vão correr as coisas nos oitavos-de-final.