A 24ª edição do Curtas Vila do Conde termina este fim de semana. Desde 9 de julho, que várias curtas-metragens têm sido projetadas no Teatro Municipal: algumas pela primeira vez, outras voltam a ser exibidas para o evento. “E do Mar Nasceu” insere-se na primeira categoria, pelo menos, em Portugal. O documentário realizado em 1977 por Ricardo Costa e com produção da extinta cooperativa de cinema, Grupo Zero, foi apresentado pela primeira vez ao público. A casa cheia no passado domingo fez com que a organização do Curtas apostasse numa nova sessão.

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Três anos após o 25 de Abril, a Direção-Geral da Educação Permanente, antiga instituição do Ministério da Educação, pretendia criar condições de acesso à cultura e ao alfabetismo, pela população adulta e mais velha. O cinema aparecia como uma das soluções para essa maleita portuguesa: uma equipa de uma cooperativa de cinema foi convidada a fazer um documentário nas Caxinas, sobre os efeitos da Revolução na comunidade piscatória, nomeadamente o surgimento do associativismo e do cooperativismo. “Falava-se muito nas cooperativas agrícolas do Alentejo, mas pouco das cooperativas de pesca”, afirma Ricardo Costa, realizador de “E do Mar Nasceu”.

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Muitos pensariam “porquê as Caxinas?”, quando o próprio cineasta é natural de Peniche e poderia escolher entre tantos outros locais de Portugal para retratar. A explicação é simples: naquele lugar de Vila do Conde “encontravam uma junção de crença, fé e superação de dificuldades” — ingredientes indispensáveis para demonstrar a realidade de centenas de pescadores — que se viam nas malhas dos novos desafios de um Portugal pós-revolucionário.

Era necessário, os pescadores organizarem-se em associações e cooperativas, para fazer valer a força da profissão perante a sociedade e eles próprios. E foi fácil convencê-los a entrar num documentário?

“A gente das Caxinas é especial, tem uma mentalidade diferente da dos pescadores de Peniche ou do Algarve. São mais difíceis de abordar. Tive a desenvoltura e a experiência para explicar-lhes o que pretendia”, esclarece Ricardo Costa.

A desconfiança inicial, de ter uma câmara a seguir bem de perto os seus passos e a sua vida, desapareceu para dar lugar à naturalidade. “Porque afinal é disso que se trata um documentário”, diz o realizador. Não podia dizer que aquilo era para a televisão, teve de repetir que não podia pagar a nenhum dos intervenientes, porque corria o risco de entrar no mundo da ficção e do teatro – Ricardo Costa acredita os 29 documentários que realizou antes, a partir de 1975, para a série “Mar Limiar” em coprodução com a RTP, foram necessários para ganhar confiança junto dos pescadores.

A convite da organização do Curtas Vila do Conde e em parceria com a associação cultural Bind’ó Peixe, “E do Mar Nasceu” foi projetado pela primeira vez em Portugal. Depois de em 1978, ter passado por um festival na Alemanha, o documentário teve “casa cheia” no Teatro Municipal de Vila do Conde. Um feito que Ricardo Costa não estava à espera: “Diziam-me que íamos ter lotação esgotada, mas eu não acreditava muito”. A dificuldade que encontrou em projetar o filme fora do circuito televisivo explica a estreia tardia, mais precisamente, de 39 anos. “Ninguém se interessou muito em exibir esta curta-metragem”, desabafa.

A ida até ao festival de curtas-metragens foi também um regresso às ruas das Caxinas — “uma estratégia para me ambientar”, diz Ricardo Costa. Uns edifícios foram abaixo, outros reergueram-se. Definitivamente, este já não é o lugar que filmou e onde esteve há 39 anos. “Talvez na próxima sessão não estejam tantas pessoas”, acrescenta.

Este domingo, “E do Mar Nasceu” é exibido novamente às 15h no Teatro Municipal de Vila do Conde. Os bilhetes custam 3,5 euros.