Só nos últimos 40 anos, oito violentos terramotos causaram milhares de mortos e desalojados em Itália. A relação do país com os sismos é longa e há uma explicação científica para isso. Situada num local de encontro entre duas placas tectónicas (a euro-asiática e a sub-placa do Mar Adriático), e com este historial de destruição ao longo dos tempos, seria de esperar que Itália estivesse mais bem preparada para resistir a um sismo. Mas não. De acordo com especialistas ouvidos pelo The Guardian, 70% dos edifícios italianos não estão construídos de acordo com as normas de prevenção sísmica.

70%

Dos edifícios italianos não estão construídos de acordo com as normas de prevenção sísmica.

As consequências do sismo de magnitude 6,2 na escala de Richter que abalou o país na madrugada desta quarta-feira estão a levantar novamente várias questões sobre a preparação de Itália para resistir a um terramoto. O primeiro-ministro, Matteo Renzi, prometeu “reconstruir e recomeçar de novo”, mas Dario Nanni, um responsável do Conselho Nacional de Arquitetos (CNAPPC), lamenta à AFP que “aqui, no meio de uma zona sísmica, nunca tenha sido feito nada”.

Para este responsável do CNAPPC, “não custa muito mais, ao renovar um edifício, fazê-lo de acordo com os padrões de resposta sísmica. Mas menos de 20% o fazem”. E, muitas vezes, as obras de restauro só fazem pior. Dario Nanni critica a utilização excessiva de betão para substituir os componentes de madeira das casas mais antigas. Muitos dos edifícios utilizavam vigas de madeira, mas, após o sismo de Áquila, o mais mortífero dos últimos anos no país, foram reforçados com vigas de betão. Quando caem, “estas vigas indestrutíveis atingem as paredes como um martelo”, explica o especialista, acrescentando que “foi isso que fez tantas casas colapsar”.

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Betão e mais betão

É nos edifícios mais modernos que se têm verificado mais mortes. No sismo em Áquila, em 2009, por exemplo, 11 estudantes morreram num dormitório universitário recém-construído. Sete anos antes, no sismo de San Giuliano di Puglia, em 2002, a nova escola primária da vila colapsou, e morreram 26 crianças. O investimento feito depois dos desastres, atacam os críticos, foi todo destinado a mais betão.

“Em vez de prevenção, contentamo-nos em gerir a emergência”, explica o sismólogo Massimo Cocco ao L’Espresso. Nos terramotos, que se têm tornado uma emergência nacional frequente em Itália, a destruição de casas é a principal causa de morte. E a má qualidade das construções ficou bem visível nas imagens da destruição total mostradas por um drone que passou por cima de Pescara del Tronto e nas palavras do presidente da câmara de Amatrice.

As palavras de Sergio Pirozzi, o presidente da câmara de Amatrice, logo após o sismo, são bem reveladoras quanto à fraca qualidade das construções: “A cidade desapareceu“.

As operações de restauro após os sismos anteriores podem não ter tido sucesso, mas Matteo Renzi não desiste, e quer lançar o projeto Casa Itália, para perceber o que falhou na construção. “O projeto Casa Itália deve ser um projeto sério e não um conjunto de palavras, mas algo em que todos se possam rever. É uma operação que queremos levar a cabo todos juntos”, declarou o primeiro-ministro italiano. O governante anunciou que irá “convocar os principais agentes do nosso país, nas áreas sociais e representativas. As ordens profissionais, as associações comerciais, os sindicatos e membros do mundo do associativismo, acabando no expoente do mundo ambientalista, para vermos como, todos juntos, podemos realizar um projeto Casa Itália que seja o mais sério e sistemático”. E Renzi garante: “O facto de não ter tido sucesso nos anos anteriores não quer dizer que não devemos tentar realizá-lo com a ajuda de todos”.

Memória curta

No editorial desta quinta-feira do Corriere della Sera, o conhecido jornalista italiano Sergio Rizzo explica que o problema reside na “memória curta”. “Não sabemos quantas casas há nas belas vilas medievais nos Apeninos, não sabemos a condições reais do imenso património, a começar pelos edifícios que caem ao primeiro espirro. Os registos não são confiáveis”, critica Rizzo. Por isso, o primeiro passo deve ser “reconstruir a memória perdida, com um recenseamento sério e aprofundado das habitações, edifícios com valor histórico e artístico e edifícios públicos”. É que, como explica o jornalista, “a maioria dos edifícios públicos nem sequer estão de acordo com as normas sísmicas”, incluindo “hospitais, escolas e câmaras municipais”.

O coordenador do projeto Officina L’Aquila, que promove o debate sobre a recuperação do património depois do sismo de 2009 em Áquila, Roberto Di Vincenzo, lamenta: “Começa sempre tudo outra vez. Depois de cada sismo, começamos do nada, esquecendo tudo o que foi feito antes”. E Sergio Rizzo acrescenta: “No país mais frágil da Europa, falta até o básico”.