O mandato do próximo secretário-geral das Nações Unidas começa no primeiro dia de janeiro de 2017.
Nos próximos cinco anos (ou dez, se o líder que se segue reunir confiança para cumprir dois mandatos) alguns dos temas mais marcantes do último mandato de Ban Ki-moon vão continuar a merecer a atenção das Nações Unidas.
Mas também será tempo de corrigir algumas das falhas que marcaram a passagem do sul-coreano pelo mais alto cargo da ONU.
Recuperar o poder de marcar a agenda
Recuperar o poder que a ONU deve ter, como órgão supranacional e independente da intervenção política mais direta, para ditar os temas a incluir na agenda política mundial, será uma das dificuldades com que António Guterres se irá deparar, ao assumir funções como secretário-geral das Nações Unidas.
Apesar de ter pautado os seus dois mandatos por alguns temas que se mantêm atuais (já lá iremos), a verdade é que, durante a liderança de Ban Ki-moon, a Organização das Nações Unidas perdeu voz de intervenção junto dos principais atores políticos.
A falta de carisma do atual secretário-geral das Nações Unidas e o momento social e económico com que o mundo ocidental se deparou — com uma crise económica e financeira que teve fortes implicações sociais, nos Estados Unidos e na Europa — desviaram a atenção dos dois continentes para os problemas longe de casa. A atenção esteve mais focada nos problemas internos e, no caso Europeu, só quando a crise dos refugiados entrou pela Europa de rompante os responsáveis políticos perceberam que teriam mesmo de encontrar soluções para um problema que não ia ficar resolvido sem a sua intervenção.
Garantir compromissos para combater alterações climáticas
O tema marcou, sobretudo, o segundo mandato de Ban Ki-moon. Aliás, até há dias, o secretário-geral cessante reforçou esforços para que o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas fosse adotado pelo maior número possível de países.
No final de setembro, 55 nações tinham dado esse passo, permitindo que o acordo entrasse em vigor. Esta semana, foi a vez de o Parlamento Europeu ratificar o documento, que deverá ser adotado pelos diversos Estados-membros.
Na nova liderança das Nações Unidas — quer essa responsabilidade caiba a António Guterres, como tudo parece indicar, ou a outro dos candidatos –, o problema das alterações climáticas vai continuar a marcar a agenda da organização.
Mais do que documentos que consagrem intenções, uma das missões do próximo secretário-geral das Nações Unidas será a de — equilibrando as sensibilidades das várias potências mundiais — garantir que são feitos esforços concretos para reduzir as emissões de gases poluentes.
Ajudar a encontrar uma solução para a crise dos refugiados
O tema tornou-se familiar ao candidato português ao longo da última década. Guterres conheceu de perto o drama dos milhões de pessoas que todos os meses abandonam o seu país para fugir à fome, à perseguição religiosa e política e à guerra.
Quase dois anos depois de as mais fortes ondas de migração rumo ao território europeu terem marcado a tinta permanente o Mediterrâneo, a União Europeia ainda não conseguiu dar passos sustentáveis para resolver a questão.
Hoje, infelizmente, há uma União Europeia, mas a Europa já não está unida, está dividida”, disse António Guterres em Bruxelas, no final do ano passado, criticando as instituições europeias pela falta de ação para tentar resolver a crise dos refugiados.
Perante essa incapacidade da Europa para lidar com o problema, de forma concertada e decisiva, o ex-Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados poderá revelar-se, nos próximos cinco anos, uma voz importante e com conhecimento de causa na busca de uma solução para a crise dos refugiados.
Na Europa, é clara a tensão que o tema provoca. Sobretudo a leste, com países como a Hungria, abertamente avessos a acolher mais refugiados. Em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ainda tenta encontrar consensos sobre o modelo de acolhimento dos milhares de refugiados que todos os dias chegam à Europa. Sem sucesso.
Ao mesmo tempo, em África e no Médio Oriente, a ausência de Governos estáveis com as instituições internacionais possam manter um diálogo concertado na busca de uma solução para a crise dos refugiados representa a outra face do problema.
Unir o Conselho de Segurança para alcançar uma solução na Síria
Essa será a grande dor de cabeça do (mais que provável) próximo secretário-geral das Nações Unidas.
Como órgão diplomático, o secretário-geral das Nações Unidas pode ter um papel determinante na prevenção de novos conflitos e na resolução de crises existentes — a manutenção da paz é, de resto, um dos princípios orientadores da ação do líder da ONU. A resolução do conflito na Síria permitiria, ao mesmo tempo, ajudar a minorar a saída de milhões de cidadãos do país.
Com o país assolado por uma intensa guerra civil e milhões de cidadãos sem acesso a água potável, o Conselho de Segurança da ONU avançou, esta segunda-feira, para um processo de negociações com vista a alcançar rapidamente um acordo de paz na região de Aleppo, onde os bombardeamentos da aviação russa se fazem sentir com mais intensidade.
É aqui que Guterres pode usar um dos trunfos maiores com que saiu da votação desta quarta-feira. Sem quaisquer vetos ao seu nome por parte dos membros do Conselho de Segurança, o (provável) próximo secretário-geral das Nações Unidas está em posição de sensibilizar a Rússia — aliada de Al Assad na batalha contra as forças rebeldes que pretendem depor o presidente sírio — para o drama humanitário que o conflito está a provocar.
A pressão de outros pesos pesados no Conselho de Segurança — caso da França, um dos países com assento permanente no órgão — não tem conseguido alterar a posição do regime de Putin.
Consideramos que é nossa responsabilidade fazer tudo o que podemos, tudo o que seja humanamente possível, para unir o Conselho de Segurança em torno dos nossos esforços para acabar com o martírio em Aleppo”, disse, no início da semana, o embaixador francês nas Nações Unidas, François Delattre.
António Guterres será uma voz nova e com legitimidade reforçada para, através da diplomacia, encontrar consensos num órgão dividido e habituado a braços de ferro, como é o Conselho de Segurança da ONU.