Monday Night Football. Há algo de mágico nesta sequência de palavras. Nos últimos três anos da Premier League, por exemplo, o clube vencedor do jogo da primeira jornada à 2.ª feira é campeão: City 2015, Chelsea 2016 e Leicester 2017. Mais: na ressaca de um fim-de-semana cheio de jogos aqui e ali, é sempre bom chegar à segunda-feira e voltarmos à lenga-lenga do costume, com o futebol nocturno de qualidade. De qualidade, atenção. Tem de ser assim, senão nem vale a pena.

Ora bem, esta segunda-feira é um desses casos. É dia de Liverpool-Manchester United (20h00, SportTV 3). Nunca Inglaterra assiste a um clássico tão feroz como este. A nível nacional, o United é a única equipa com mais sucesso que o Liverpool (20 títulos de campeão contra 18). A nível internacional, o Liverpool é o único clube inglês com mais história que o United (11-7 no total, 5-3 se contabilizarmos apenas a Taça dos Campeões). A isto acrescente-se o picante de Mourinho em Anfield. Quer dizer, excepção feita a Camp Nou, o estádio do Liverpool é aquele onde Mourinho mais derrotas acumula (três, tal como no Bessa). E, já agora, o Liverpool é um quebra-cabeças para Mou: seis derrotas em 20 jogos; mais uma vez, só o Barça consegue melhor (ou pior, depende da perspectiva).

https://www.youtube.com/watch?v=8tuUJnVQq6o

A verdade é que a história até começa bem, na primeira época de Mourinho em Inglaterra, em 2004-05. Vitória no primeiro jogo (em Stamford Bridge). Vitória no segundo (em Anfield). E vitória no terceiro (em Cardiff). É aquela final da Taça da Liga muito famosa. A bola está no meio, vai começar a final da Taça da Liga inglesa 2004-05. Drogba toca para Joe Cole e este atrasa para Lampard. Há ali uma troca de passes até ao cabeceamento de Drogba para fora. É lançamento lateral. O Liverpool atira-se para a frente, à boa maneira inglesa, e confunde a defesa do Chelsea com dois ressaltos. Sobra a bola para o lado direito, onde Morientes cruza com precisão para o pontapé de primeira de Riise. É golo. O remate é imparável e Cech (ainda sem capacete) nem a vê. A bola entra como uma bala na baliza (132 km/h). Já está, 1-0 para o Liverpool aos 45 segundos.

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É um big choque para o Chelsea, eliminado da Taça de Inglaterra pelo Newcastle de Souness (1-0, no dia 20) e derrotado na primeira mão dos oitavos da Liga dos Campeões em Camp Nou (2-1 no dia 23). Duas derrotas seguidas não é costume para Mourinho, três então… No seu onze, o pior elemento é Jarosík: atrapalha mais do que ajuda. Lampard está perro, Drogba nem se vê, tal como Duff, e apenas Joe Cole atormenta a segura defesa contrária. Na primeira parte, só um remate à baliza de Dudek, através de Lampard, num livre aos 23 minutos. Na zona técnica, Mourinho anda de um lado para o outro como um leão numa jaula. Grrrrrrr. Ao intervalo, Gudjohnsen entra para o lugar de Jarosík e o Chelsea assenhora-se do jogo.

Drogba isola-se e tem o 1-1 nos pés aos 55’ mas permite o corte de Dudek, autor ainda de duas defesas de inegável mérito. No outro lado, Cech só se exibe pela primeira vez aos 64’, via Hamann. Dez minutos depois, Mourinho joga ao ataque com o mal-amado Kezman no lugar de Gallas. Uau, só três defesas: Paulo Ferreira, John Terry e Ricardo Carvalho. Antes que a equipa se organizasse, o Liverpool aproveita a deixa e Gerrard falha o desvio, a dois metros do alvo. Para seu azar (e da sua equipa), o capitão não falha uma emenda pouco depois e marca na própria baliza. Curiosamente, o lance do empate nasce de uma jogada em que o árbitro interrompe um perigoso contra-ataque para assinalar uma falta. Os jogadores do Chelsea protestam e protestam (Mourinho também). Acontece que é a sorte deles. Livre de Paulo Ferreira e autogolo de cabeça de Gerrard, num cacho de três jogadores do Liverpool, aos 79’. Um-um.

Acto contínuo, Mourinho sai do banco com o indicador direito à frente dos lábios na direcção dos adeptos do Liverpool. Uiiii, provocação? O árbitro Steve Bennett expulsa o português. O leão sai então da jaula. E é sem ele que o Chelsea consome a reviravolta, só no prolongamento. E, amazing grace, com três golos na segunda parte. Um lançamento lateral de Johnson é emendado por Drogba para o 2-1 aos 107’ e o 3-1 aparece logo a seguir, aos 112’, com livre de Lampard, grande defesa de Dudek, recarga (sem ângulo) de Gudjohnsen, nova defesa de Dudek e encosto de Kezman. Nem é preciso a bola com microchip para ver que ultrapassara o risco de baliza, apesar de Dudek ter sido lesto a sacudi-la.

Três-um, é xeque-mate ou…? Pois, aí é que está: o Liverpool não se sente derrotado (embora tenha perdido os dois jogos dessa época com o Chelsea para a Premier League) e vai à luta. No minuto seguinte ao 3-1 de Kezman, livre na esquerda e Núñez marca ao saltar em cima de Cech – um golo parecido com o anulado à Inglaterra vs. Portugal no Euro-2004. As bancadas cheias do Millennium (71.622 espectadores) voltam a rugir dos dois lados e o Liverpool quer mais, mais e mais. Só que não dá. Quando Bennett apita para o fim, os adeptos londrinos cantam a plenos pulmões o nome de Mourinho com a música de “La donna è mobile”. A festa é grande, enorme. Começa aí o reinado de Mourinho. Ainda nesse ano, o Chelsea sagrar-se-ia campeão inglês, pela primeira vez nos últimos 50 anos. Na época seguinte, outro campeonato mais a Taça de Inglaterra. Nesse parêntesis, o Liverpool começa a incomodar Mourinho, com duas eliminações seguidas nas meias-finais da Liga dos Campeões (uma com um golo fantasma de Luis García, outra nos penáltis).

https://www.youtube.com/watch?v=WtBpXTrlIiA

Esse é o tempo de Rafa Benítez em Anfield. Segue-se agora outro personagem, menos anafado e mais sorridente que o spanish waiter (alcunha dada pela imprensa). Ao comando do Liverpool, está um senhor alemão chamado Jürgen Klopp, a quem Mourinho só ganha uma vez em cinco jogos, e de forma inglória (é o tal 2-0 no Bernabéu, na ressaca do póquer de Lewandowski em Dortmund, na primeira mão: 4-1). Daí para cá, os dois só se encontram uma vez, há quase um ano. É o fim-de-semana de 30/31 Outubro, o do Halloween. No sábado, por essa Europa, há dois 7-1 (Shakhtar Donetsk e Maribor). No domingo, dois 6-3 (PSV Eindhoven e Buriram United). E chove a potes, como nos dias daqueles dois dérbis mediáticos de Lisboa com esses resultados inesperados. Pelo meio, há o Chelsea-Liverpool.

Ao fim dos 90 minutos, é uma vitória do Liverpool em toda a linha: mais posse de bola (57-43), mais cantos (7-1, oh nooo, not again), mais faltas (21-9), mais remates para fora (5-1), mais remates à baliza (8-2) e, vá, mais golos (3-1). Começa assim. Chelsea de Mourinho: Begovic, Zouma, Cahill, Terry, Azpilicueta, Mikel, Ramires, Willian, Oscar, Hazard e Diego Costa. Liverpool de Klopp: Mignolet, Clyne, Skrtel, Sakho, Moreno, Lucas, Can, Milner, Lallana, Coutinho e Firmino.

Acaba como? Um-três. Ramires abre o marcador, aos 4′. O Liverpool empata em cima do intervalo, por Coutinho. E dá a volta ao marcador na segunda parte, através de Coutinho (again) aos 74′ e Benteke aos 83′. É a sexta derrota de Mourinho em 11 jogos de campeonato na semana em que é eliminado na Taça da Liga, em Stoke, nos penáltis, a jogar contra dez por meia-hora.

https://www.youtube.com/watch?v=ygB7P7rg8u4

A seguir, o flash interview mais monocórdico e curto de sempre da vida de Mourinho. Doze perguntas, doze respostas, 178 caracteres.
1. O jogo de hoje correu-lhe mal?
I have nothing to say.
2. Nada a dizer sobre o jogo de hoje?
I have nothing to say.
3. Nada a dizer sobre a decisão [do árbitro] de manter Lucas em campo?
I have nothing to say.
4. E o clash de DiegoCosta [pitons no peito de Skrtel]?
Não tenho nada a dizer, peço muita desculpa mas não tenho nada a dizer (I have nothing to say, I’m so sorry but I have nothing to say).
5. Sente que chegou a hora de falar com os adeptos para lhes transmitir uma ideia qualquer?
The fans are not stupid.
6. Ouvimos entoar o seu nome…
The fans are not stupid.
7. Disse há uma semana que não estava preocupado [com o seu futuro no Chelsea]. E agora, está preocupado?
No. Worried about what?
8. Se está preocupado com a sua posição, o apoio do clube?
No.
9. Nada a dizer sobre o jogo?
No.
10. Nenhum jogador que queira individualizar?
No.
11) Nada sobre a exibição em geral?
Nothing.
12. Nada sobre uma solução para este problema?
[Smile] I cannot say.

Crise à vista? Crise instalada? Ainda falta a conferência de imprensa propriamente dita e aqui Mourinho solta-se mais um pouco. “Se acho que foi o meu último jogo no Chelsea? Não, não acho e não foi.” Mais adiante, o recado ao árbitro. “O que eu vi dos meus jogadores foi bom. Pelo menos até a um momento em que eles acharam que era impossível fazer melhor. Há batalhas impossíveis de vencer. Posso jogar contra qualquer equipa, qualquer treinador, ganhar, perder, mas mais do que isso..” numa alusão a um lance em que o brasileiro Lucas não vê cartão que obrigaria o Liverpool a jogar com dez.

E agora? “Os jogadores estão tristes naturalmente, mas temos de dar a volta. Alguém aqui viu exibições abaixo do normal? Talvez duas, no máximo. Os jogadores tentaram.” Duas? Tentaram? Huum, aqui há gato. E o futuro? “Vou para casa e irei encontrar uma família triste. Vou tentar ver a final do râguebi [Austrália-Nova Zelândia] e depois desligar-me.” Até hoje.