Há quem ache que a monarquia é um sistema anacrónico, baseado na falta de mérito, na desigualdade de direitos e na excessiva consanguinidade. E no entanto, alguns dos países com melhores índices de bem-estar mantêm o regime atirado borda-fora por Portugal. A saber: Noruega, Dinamarca ou Holanda não parecem sentir necessidade de trocar as suas princesas, condes e rainhas por séquitos presidenciais alheios ao glamour.

Muito menos o Reino Unido, que foi bafejado com uma máquina de êxitos pop que também faz as vezes de família real. Para todos os efeitos, Isabel II é a líder da banda que mais espaço ocupou os tops até hoje e a estreia não podia ter sido mais auspiciosa: a sua coroação em 1953 foi a primeira a ter transmissão televisiva. Estava dado o mote.

[trailer para “The Crown”:]

Convenhamos, os monarcas daquela ilha sempre tiveram uma certa panache pop. Henrique VIII, por exemplo, faria imenso sucesso hoje em dia nas manchetes de jornais e nas redes sociais, graças a uma vida amorosa bastante imaginativa e uma gestão dos assuntos de Estado, digamos, musculada. Aliás, mesmo à distância de meio milénio, a corte de Henrique continua a inspirar filmes, séries de televisão e romances que vencem o Man Booker Prize. Duas vezes.

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mantel

Os dois livros de Hilary Mantel que ganharam o Man Booker Prize, em 2009 e 2012

Mas regressemos à soberana de Inglaterra e Tuvalu. Isabel goza de um poder de atracção notável, tendo em conta que estamos a falar de alguém que se mantém quase sempre em silêncio e nem sequer dá entrevistas. O que não inibe os media, em geral, e a imprensa, em particular, de pintarem a manta. Enfim, incluir debaixo do chapéu “imprensa” os tablóides britânicos é mais ou menos o mesmo que aceitarmos que Donald Trump faz parte da espécie humana (não faz, fomos conferir). Publicações como o Daily Mirror, o The Sun ou Daily Star são uma espécie de vampiros de papel que vivem de escândalos, crimes de faca e alguidar e “notícias” sobre celebridades. Como Isabel, por exemplo, mais os seus filhos, netos e noras.

Os primeiros anos de reinado foram de relativo sossego mas depois de 1977, ano do Jubileu de Prata, Isabel nunca mais conheceu o doce sabor do recato. Tudo graças a uma quadrilha de aliados mediáticos e improváveis chamada The Sex Pistols. Foram eles que acenderam o rastilho da atracção de massas, dedicando alguns versos a Isabel que dispensam a consulta do Google Translator:

God Save The Queen
The Fascist regime
They made you a moron
Potential H-Bomb

Undated picture showing the Royal British couple, Queen Elizabeth II, and her husband Philip, Duke of Edinburgh, with their two children, Charles, Prince of Wales (L) and Princess Anne (R), circa 1951. (Photo credit should read OFF/AFP/Getty Images)

A família real inglesa em 1951

A provocação de Johnny Rotten e companhia valeria uma entrada na lista dos singles mais vendidos, o que não deixa de ser um belíssimo paradoxo punk, e inauguraria uma nova forma de abordagem truculenta à realeza, até então desconhecida.

De 1977 em diante, a rainha passou a conviver com críticas, paródias, pilhérias, sósias e cameos involuntários em cinema. Chegou a ser placada no quase infame “Aonde é que Pára a Polícia?” e foi declinada em bonecos souvenir que abanam sem tréguas o bracinho teimoso. Curiosamente, e contrariando a natureza efémera dos fenómenos pop, Isabel II continua a reunir as preferências de muitos produtores de conteúdos, como é o caso da Netflix que se prepara para estrear a grande produção “The Crown” — a mais cara de sempre da produtora (100 milhões de euros), que conta a história da monarca desde o casamento cem 1947 até ao presente, ao longo de 60 episódios em 6 temporadas.

Fazendo um manguito aos 15 minutos de fama preconizados por Andy Wharol, a rainha que todos conhecem (e no fundo acarinham) mantém-se com a cotação em alta e o próprio artista norte-americano não resistiu a passá-la à tela, o que leva o mais empedernido dos republicanos a ter de admitir que um membro da nobreza vale quase tanto como uma lata de sopa.

A segunda etapa da afirmação pop de Isabel II tem a ver, naturalmente, com Diana. Mergulhada num conjunto de problemas, escândalos e sarrafada que se tornaram a imagem de marca da realeza britânica, o seu desaparecimento precoce, “James Deaniano”, acabou por aumentar de forma exponencial o apetite da cultura popular pelos Windsor. A actuação de Elton John no seu funeral, interpretando “Candle In The Wind” e furando os protocolos solenes a que estávamos habituados, foi a cereja pop que faltava.

Desde então, Isabel soube reinventar-se aos olhos vorazes dos media e de forma discreta, balançando entre a tutela de territórios como São Vicente e Granadinas, membro de pleno direito da Commonwealth, e os encontros para tomar chá com Stephen Frears, realizador de “A Rainha”. O filho Carlos lá casou com Camilla Parker-Bowles, Duquesa da Cornualha e presidente da Sociedade Nacional de Osteoporose, os netos na linha de sucessão encarreiraram — o mais velho até já tem herdeiros e o mais novo lá deixou de se mascarar de nazi nas festas de Carnaval — e a verdade é que mais de sessenta anos depois, a star quality de Isabel parece estar para durar.

Sobreviveu a ataques e enxovalhos, a adultérios embaraçosos e a guerras de vários feitios, e nem os dramas e incertezas do recente Brexit parecem abalá-la. De facto é preciso ter estofo para estar em palco há mais tempo do que os Rolling Stones.

Pedro Vieira é consultor da Booktailors, pivô de televisão e ilustrador relutante.