“O Primeiro Encontro”

Não há alienígenas maus como as cobras a destruir Washington, Paris ou Londres, amorosos e com dedos luminosos espetados, metidos dentro de vagens escondidas nas caves ou iguaizinhos a nós e cheios de boas intenções. “O Primeiro Encontro”, do canadiano Denis Villeneuve (“Raptadas”, “Sicario”) não é um filme de “primeiro contacto” entre humanos e extraterrestres como os que a “sci-fi” simplista e repetitiva fabricada em Hollywood nos habituou, ou não fosse baseado num conto longo de um dos mais destacados escritores de ficção científica (FC) de hoje, Ted Chiang, intitulado “Story of Your Life” e vencedor do Prémio Sturgeon (em 1999) e do Prémio Nebula (2000). Eis um filme de FC intelectual, no melhor sentido da palavra, sobre a tentativa de comunicação entre os ocupantes de 12 naves que se postaram sobre outros tantos pontos do planeta, e os humanos. É que os visitantes do cosmos, os hectapódes, não falam inglês ou qualquer outra língua da Terra, não têm tecnologia de tradução instantânea, expressam-se numa linguagem caligráfico-simbólica com vários planos de entendimento, e não há assim tanto tempo para a decifrar e perceber o que eles vieram cá fazer, porque os políticos e militares de todo o mundo podem de repente abandonar o esforço conjunto de colaboração e começar a mobilizar tropas. Amy Adams interpreta a linguista que consegue lançar uma ponte para os alienígenas e fazer uma descoberta que lhe transforma a vida, e Jeremy Renner o matemático que a acompanha. Villeneuve realiza com “suspense” de pavio muito longo e um intimismo raro num filme do género.

“Chocolate”

Omar Sy interpreta, neste filme biográfico de Roschdy Zem, o palhaço Chocolate, que fez sucesso entre o final do século XIX e o início do século XX num duo com o seu colega francês George Footit (interpretado por James Thierré, neto de Charlot, e a mostrar que herdou genes deste). De seu nome Rafael Padilla, Chocolate era um escravo evadido das plantações de cana de açúcar de Cuba, que se tornou no primeiro “clown” negro e, com Footit, revolucionou a sua especialidade artística. O filme de Zem é fiel aos traços biográficos e ao percurso da carreira de Padilla, que tinha o vício do jogo no corpo todo, foi tanto vítima de preconceitos raciais e de estereotipação como das invejas e das intrigas dos colegas de profissão, e deu um passo em falso fatal quando pretendeu tornar-se um ator “sério” e interpretar Shakespeare, o que não foi nada bem aceite na época. “Chocolate” tem alguns bons momentos (um dos melhores é o rodagem do filmezinho mudo com o duo), mas acaba por se atolar nos lugares-comuns melodramáticos dos filmes biográficos sobre artistas talentosos mas com falhas de personalidade e incompreendidos no seu tempo.

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“O Herói de Hacksaw Ridge”

No seu regresso à realização, dez anos após o brilhante “Apocalypto”, Mel Gibson conta aqui a história real de Desmond Doss, um objetor de consciência por motivos religiosos, que queria servir no Exército como socorrista durante a II Guerra Mundial, mas sem tocar numa arma. Na recruta, Doss sofreu tratos de polé por teimar em querer servir o seu país sem ter que manejar qualquer tipo de arma, de fogo ou branca, e opôs-se com sucesso a ser dispensado compulsivamente. Durante a invasão de Okinawa, no teatro do Pacífico, portou-se heroicamente debaixo de fogo, tratando e salvando 75 camaradas feridos com risco da sua vida, e tornando-se no único objetor de consciência condecorado nos EUA durante aquele conflito. Deliberadamente, Gibson rodou um filme de uma violência ultra-realista sobre um homem que fez da não-violência um princípio de vida, mostrando a guerra tal como ela é, e a batalha de Okinawa como foi travada e ficou descrita, em toda a sua ferocidade cega, desatino insano, bravura e medo, no seu máximo horror de sangue vertido, corpos feridos, mutilados, desfeitos ou devorados por roedores. Um inferno terrestre, onde Doss fez figura de anjo salvador, sem ter que disparar um só tiro. “O Herói de Hacksaw Ridge” foi escolhido pelo Observador como filme da semana, e pode ler a crítica aqui.