O escritor e encenador José Maria Vieira Mendes recorda a descoberta de Leonard Cohen através de um disco de versões, I’m Your Fan, de 1991, com a participação de R.E.M., James, Pixies, Lloyd Cole e muitos outros.

“Já o conhecia, claro, o meu pai ouvia muito, mas foi através deste álbum que comecei a interessar-me a sério pelo trabalho dele.”

Quanto à qualidade de Cohen como poeta, Vieira Mendes entende que o Prémio Nobel da Literatura com que Bob Dylan foi distinguido há poucas semanas pode ser visto como um Nobel para Cohen também. “Funcionou como reconhecimento do valor literário da escrita ligada à música”, observa.

O cantor e compositor canadiano morreu na quinta-feira, aos 82 anos, poucas semanas depois de ter publicado o álbum You Want It Darker.

O maestro António Victorino de Almeida olha o músico canadiano como um “ótimo representante, não de uma escola, porque foi totalmente independente de tudo e todos, mas do seu próprio género”, e nisso “foi um mestre”.

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“Era um excelente cantor e compositor, fazia as suas próprias letras e músicas, e é uma figura muito marcante, com uma longa carreira”, acrescenta o maestro.

No dizer de Tozé Brito, Cohen é um “poeta maravilhoso e excecional”, um “músico brilhante que cantava e dizia as canções de forma única e original”.

“Perde-se um dos grandes nomes da música popular do século XX e XXI, que deixa canções eternas. Ele é uma das minhas referências, sou fã incondicional”, explica o compositor Tozé Brito.

“A marca que distingue os grandes músicos e intérpretes é nós ouvirmos e imediatamente reconhecermos. Não é possível confundir o Cohen com mais ninguém, essa é a marca de originalidade dele. Além disso, foi um grande poeta. O Nobel da Literatura foi atribuído ao Bob Dylan, e ainda bem, mas se tivesse ido para o Leonard Cohen, ou para o Paul Simon, também teria sido muito bem entregue”, conclui Tozé Brito.

Luís Represas entende que “caiu mais um pilar da nossa identidade, da nossa cultura, daquilo que veio sendo construído nos últimos 50 anos em termos de revolução de ideias, de estética, de humanismo”.

“Ele é um grande pilar da literatura cantada, com um peso muito maior da componente literária, não tanto da parte musical”, diz o músico Luís Represas, um dos fundadores da banda Trovante, em meados da década de 70.

“Uma das primeiras músicas que comecei a aprender a tocar na guitarra, teria 13 anos, foi ‘Story of Isaac’ [1969]. Lembro-me de achar a letra enorme. Na voragem da simplificação e facilitação em que vivemos, Cohen fica como um pilar.”

A escritora Ana Luísa Amaral, professora de literatura inglesa e americana na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, cruzou-se com a obra de Leonard Cohen sobretudo através das canções, a começar pelo álbum Songs of Love and Hate, de 1971.

Mais tarde, escutou o tema “Take This Waltz”, de 1986, baseado na obra do poeta andaluz Federico García Lorca, que viveu em Nova Iorque. “A letra teve impacto em mim e a música é lindíssima”, classifica a escritora.

“Ele tinha uma voz inconfundível, do ponto de vista físico, da voz do cantor, mas também a voz poética. Muitas vezes esquecemo-nos de que a base da poesia está na música, não épor acaso que ‘música’ e ‘musa’ têm a mesma origem etimológica”, explica Ana Luísa Amaral.

Alexandre Cortez, baixista dos Rádio Macau, soube da notícia ao nascer do dia e lembra que “por absoluta coincidência tinha um disco dele no leitor, que tinha ouvido há uns dias”. “Não sei se tenho a discografia completa, mas andarei lá próximo.”

O também produtor e empresário “tinha alguma esperança” de voltar a ver Cohen ao vivo. “É um ícone da música popular americana, apesar de ser canadiano, e sei que é uma referência para muitos músicos, incluindo para uma nova geração de cantautores portugueses. Lembro-me de Samuel Úria, que o cita como uma das suas influências”, diz Alexandre Cortez.

O radialista e crítico musical Ricardo Saló considera o último álbum de Cohen “absolutamente excecional”. “Este ano temos visto bastante gente na casa dos 70 anos a gravar discos, talvez com receio de não terem tempo de voltar a estúdio. É o caso de Iggy Pop, que gravou um grande disco, ou de Paul Simon, que sempre me pareceu ter uma certa tibieza na entrega final, no trabalho de estúdio, e que este ano tem um álbum brutal, quase parece Massive Attack no tempo de Blue Lines [1991].”

A primeira música de Cohen que Ricardo Saló se lembra de ouvir, quando teria 14 ou 15 anos, foi “The Partisan”. “Fiquei imediatamente atraído, havia qualquer coisa diferente de que eu não poderia ter consciência naquela idade.”

“Descobri Cohen e Bob Dylan quase em simultâneo. Não era grande apreciador de canções em que houvesse hegemonia do texto, mas eles eram diferentes de todos os outros, o próprio texto mexia na estrutura da música. Dylan tinha frases intermináveis, não havia métrica que chegasse, por isso ele alterou a estrutura das canções e isso influenciou muita gente”, analisa.

“Cohen foi um pouco pelo mesmo caminho, mas de forma mais estilizada, era um estilista imbatível. Tive paixões tremendas por canções dele, como ‘Famous Blue Raincoat’ [1971]. Eram temas de efeito hipnotizante, as frases podiam seguir uma linha muito repetitiva do ponto de vista melódico, mas iam sempre dar a algum lado”, recorda Ricardo Saló.