Henry Kissinger, um dos mais influentes estrategas da política externa norte-americana nos últimos 50 anos, também ficou para a história pela chamada “realpolitik”, que se pode resumir com esta frase: “A América não tem amigos nem inimigos permanentes, apenas interesses”. Para Michael C. Maibach — apoiante do presidente-eleito dos EUA, e que presidiu ao European-American Business Council –, “Donald Trump será o presidente anti-Kissinger”. O que quer isto dizer? Que será ainda mais focado nos interesses dos Estados Unidos, mas sem subordinar as relações bilaterais entre os EUA e os outros países a uma estratégia geral. Só o pragmatismo conta.

Embora ainda não se conheça o nome do futuro secretário de Estado da nova administração, a expectativa, segundo Maibach, é que Trump faça uma abordagem às relações diplomáticas semelhante à de um homem de negócios e até se referiu ao livro “The Art Deal” para ilustrar a atitude do presidente eleito: “Que relação quero ter com a Rússia? O que querem eles e o que é que eu quero?” A diplomacia norte-americana “será o somatório deste tipo de relações bilaterais”, afirmou Michael Maibach, agora diretor do James Wilson Institute on Natural Rights & American Founding. O republicano participava num seminário realizado esta terça-feira, em Bruxelas, sobre as eleições presidenciais norte-americanas, organizado pelo eurodeputado português Paulo Rangel através do European Ideias Network, um think tank ligado ao Partido Popular Europeu (PPE).

O italiano Giovanni Grevi, do European Policy Centre, concordou com o norte-americano, embora com uma perspetiva crítica: “Será uma abordagem ao estilo de um homem de negócios. Com ênfase no nacionalismo e uma abordagem ao comércio essencialmente com nuances protecionistas”.

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Mais moderado, Peter Chase — do German Marshall Fund — que disse ter dois autocolantes de Obama no carro, acredita que este será o modus operandi de Trump na política global, mas recomenda prudência no uso das palavras. Não acha, contudo que devido a todas as incertezas geradas pela vitória do novo presidente, o mundo se esteja a tornar mais perigoso.

Para Peter Chase, se Kissinger representa a grande estratégia, Trump é sinónimo do contrário. “Será mais focado nas transações” com os interlocutores, explica ao Observador. “Irá a países diferente e dirá: ‘O que é que este líder quer, o que é que eu quero?’ E cria um acordo. É a forma oposta de começar a trabalhar a partir de uma grande estratégia”.

Este diplomata, que já chegou a trabalhar na embaixada dos EUA em Lisboa, faz ressalvas importantes, que têm a ver com a forma de pôr em prática a diplomacia. Que por vezes pode não ser muito diplomática. “Na política externa as palavras contam. E tenho medo que, por vezes, as palavras que o senhor Trump usa sem pensar nas consequências, possam ter efeitos que não foram antecipados”. Como, por exemplo, o facto de Trump ter criado um embaraço diplomático com a China, ao atender um telefonema da presidente de Taiwan. Ou por ter proposto o nacionalista britânico Nigel Farage para embaixador do Reino Unido nos EUA. “Um aspeto é a parte transacional da política, que pode ser útil. Outro aspeto será a cautela em ter a certeza de que está a dizer as palavras certas”, diz Peter Chase.

“Kissinger e outras pessoas como ele têm grandes estratégias sobre o mundo e grandes pensamentos sobre política externa”, começou por explicar ao Observador Michael Maibach. “Penso que Trump, estou a supor, começará por pensar: ‘Como é que é esta relação bilateral com o Canadá, o Japão ou a Rússia e o que quero fazer para melhorar os nossos interesses?’ Os outros países terão as mesmas questões. Acho que a sua política externa será a soma das suas relações bilaterais, mais do que tentar encaixar a sua relação bilateral numa estratégia.

O eurodeputado português Paulo Rangel é mais pessimista do que os dois norte-americanos. “Quando Trump recebe Farage” — mesmo antes de receber a primeira-ministra Theresa May — “e o propõe para embaixador, ou quando é revelado um telefonema para Taiwan, isso cria algumas ansiedades”, disse aos jornalistas portugueses numa conversa no fim da conferência.

O mundo fica mais inseguro com tantas incertezas?

Com estratégia ou sem estratégia, com mais ou menos doses de “realpolitik”, Donald Trump vai influenciar o mundo sobretudo por um aspeto, que também faz dele um anti-Kissinger. O perfil psicológico do novo presidente dos Estados Unidos: “Há outros fatores que podem determinar a política externa. Quem sabe o que acontecerá e qual vai ser a reação desta administração?”, questionou-se Giovanni Grevi durante o seminário. “As coisas mudam muito depressa com fatores imprevisíveis. Fatores como a personalidade e a atitude do presidente”, apontou.

Desde que foi conhecido o resultado das eleições nos Estados Unidos que o mundo parece ter mergulhado numa profunda incerteza, uma vez que Donald Trump já disse que quer sair de uma série de acordos de comércio internacional, seja com os seus parceiros no Pacífico, com o Canadá, com o México, ou até ao nível militar, com a NATO. “Infelizmente já cá ando há muitos anos e sempre tivemos incerteza”, diz ao Observador Peter Chase, que já foi diretor do gabinete da União Europeia no Departamento de Estado. “Há essa tendência, particularmente na Europa nos últimos quatros anos, onde tem havido uma grande dose de incertezas.”

O especialista norte-americano em Política Externa até acredita que as tensões possam reduzir-se com a nova abordagem ao estilo de um homem de negócios: “Pode ser uma coisa que torne o mundo mais seguro. Se, de facto, ao lidar com Putin ou com a China, ele disser quero isto, vocês querem aquilo, qual é o acordo? Talvez as tensões se reduzam.

No entanto, para continuar a elogiar Trump, Michael Maibach coloca todo o enfoque das relações internacionais nos “interesses”, como se a relação entre países fosse igual a uma relação entre empresas: “Acho que o mundo ficará mais seguro. Considero que as relações baseadas em interesses mútuos são como as relações nos negócios, embora mais complicadas. Quando a IBM e a Intel têm um acordo, fazem um bom acordo. Mas se alguém força a Intel a fazer um acordo com a IBM para ajudar a General Electric, a Intel não ficará muito satisfeita”. Portanto, quaisquer idealismos estão afastados desta equação.

Para identificar o que mudou, Maibach olha para o tempo da Guerra Fria como uma época sem grandes zonas cinzentas dentro de cada bloco. “Todas as alianças que tínhamos eram para resolver um problema bilateral: a União Soviética contra o Ocidente. Agora, ironicamente, num mundo multilateral, são precisas soluções bilaterais. Não é o Ocidente contra a URSS ou a China. O mundo tornou-se muito complicado e cheio de nuances”.

Paulo Rangel pensa exatamente o contrário dos dois norte-americanos: “Este é o início de uma era mais instável, com tendências isolacionistas e populistas. Não é o fim de nada, mas preocupa-me”. Os efeitos da eleição de Trump e o eventual afrouxamento dos compromissos com a NATO já começam a fazer sentir-se, segundo o eurodeputado português:

Onde sinto no Parlamento Europeu maior desconforto é na questão militar, nos países bálticos. E também na Roménia e na Polónia em particular. Sentem um certo bullying que Putin faz na fronteira.”

Para lá desta questão, o social-democrata menciona o “efeito de imitação perigoso nas forças populistas que estão muito fortes na Europa e que podem ganhar um grande estímulo”.

O problema da NATO e os riscos do défice americano

Uma das maiores incógnitas, neste momento, é como vai Donald Trump relacionar-se com a NATO. Como candidato, o republicano tinha a mesma abordagem empresarial às questões militares e estratégicas. Considerava que, se os países da Aliança Atlântica queriam a proteção do arsenal militar norte-americano, então tinham de pagar. Não podiam ter a sua defesa garantida de forma gratuita, à custa dos contribuintes americanos. Michael Maibach concorda com Trump e justifica os argumentos: “Há anos que a NATO disse que toda a gente devia gastar 2% do PIB em Defesa. Mas só três países estão a corresponder: o Reino Unido, a Holanda e talvez a França”.

Estamos a gastar 2% a 3% do PIB em Defesa e vocês [europeus] estão a gastar 1,5% em média. Vocês têm de cumprir as vossas obrigações. Se querem estar numa aliança com o país mais importante do mundo têm de fazer mais.”

Para o conservador, a solução para aumentar os gastos com Defesa passa por reduzir os gastos com o Estado, sobretudo com programas sociais: “Só podem financiar a NATO se baixarem o valor do PIB gasto com programas do Governo, o que significa que vão ter de trabalhar mais e não podem ir para a reforma aos 57 anos para depois terem 30 anos de pensão”, argumenta ao Observador.

Apesar de defender este tipo de “austeridade” para pagar as despesas militares, Michael Maibach diz que Trump é contra as políticas restritivas. “Como é que vocês lhes chamam? Ah, sim, austerity”. Quando o Observador pergunta se a redução acentuada de impostos defendida por Trump, conjugada com o aumento do investimento do Estado em infraestruturas, vai gerar mais défice e dívida — o que pode criar mais uma crise das dívidas soberanas –, o norte-americano fala em jogo de risco.

“Trump está a jogar alto porque a parada é alta.” E depois usa a palavra “gamble“, que traduzida à letra significa jogar a dinheiro ou num casino. “Ele não acredita na austeridade. Ele crê no crescimento e na prosperidade. Ele aposta que a maior economia do mundo está encalhada por causa da regulação e dos impostos. Vai fazer as infraestruturas para pôr os ‘colarinhos azuis’ a trabalhar, a construir estradas e pontes”. Como vai pagar? “Através de Public-Private Partnerships (PPP), por isso muitas dessas coisas vão pagar-se a si próprias”.

Na Europa isso não correu muito bem, sabia? “É um jogo, um ‘gamble’“, responde “Mas bem-vindos à vida”, desafia. E acrescenta, para concluir: “Daqui a um ano vamos falar e vamos ver se funcionou. Se não funcionar temos um grande, um enorme problema“.