A história de Jesus tem séculos. A de Jorge, também. Em matéria de visitas à Luz, o início é marcado em fevereiro 1993, a uma quarta-feira, dia 3. O Amora anda pelas ruas da amargura na 2.ª de Honra, em 17.º e penúltimo lugar. Valha-lhe a Taça de Portugal. O 11 de Jesus elimina sucessivamente Almada (1-0), U. Tomar (1-0) e Chaves (0-0, 2-1) até chegar aos quartos-de-final. Uau, dá para ir mais longe? Errrrrr.

O sorteio dá Boavista-Braga, Sporting-Alverca, Vitória SC-Estrela e Benfica-Amora. Que galo. Com o Benfica, invicto desde a entrada de Toni para o lugar de Ivic em Novembro, e, ainda por cima, na Luz. O Amora aguenta-se quase uma parte. Aos 43 minutos, Mostovoi faz o 1-0. Na segunda parte, um vendaval de golos, com dois penáltis incluídos, desfazem o Amora. Cortesia Pacheco (69’ gp), Yuran (75’ gp), Yuran (80’) e Paulo Sousa (81’).

Jesus continua no meio de nós e dá cartas no futebol até chegar à 1.ª divisão, pelo Felgueiras. Daí ao Benfica, é um passo. De 15 anos. Na Luz, o nome de Jesus ganha ressonância com a conquista do título de campeão na primeira época, em 2009-10. É aí que inicia a romaria dos dérbis. Ao todo, nove na Luz (sete para o campeonato, uma para a Taça de Portugal mais outro para a Taça da Liga) e cerca de zero derrotas. É muito jogo. Com início estipulado em dois-mil-e-dez, dia 13 de abril. É a 26.ª jornada do campeonato, o Benfica caminha firme para o título que lhe foge desde 2005. Durante uma hora e pouco, o Sporting de Carvalhal ainda sustém o líder. Aos 68 minutos, Cardozo apanha a bola a jeito e toma lá disto ò Patrício, 1-0. O avançado paraguaio sai no instante seguinte (entra Kardec) e é outro suplente (Aimar) quem assina o 2-0, aos 79’.

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Campeão em título, o Benfica começa francamente mal e acumula três derrotas nas quatro primeiras jornadas da liga (Académica em casa, Nacional na Madeira e Vitória em Guimarães). Vem aí o Sporting de Paulo Sérgio, e agora? Jesus mantém a aposta em Roberto na baliza e ganha o dérbi com bis de Cardozo (13’ e 49’), a 19 setembro 2010. É uma vitória justa para todos. Menos para Maniche, expulso por João Ferreira depois do jogo por atirar uma garrafa de água de plástico na direção dos adeptos do Benfica.

Agora é a Taça da Liga. Meia-final. Estamos a 2 março 2011 e o árbitro é Jorge Sousa. Sem erros nem sobressaltos. Postiga silencia o estádio com um golo aos 21’. Segue-se um silêncio maior ainda com a defesa de Rui Patrício a um penálti de Cardozo (33’). Pormenor: Cardozo empata na sequência desse canto. Bola extra: Javi García evita os penáltis. O Sporting de Couceiro é afastado da final em cima do minuto 90.

Quem? Javi García? Outra vez? É verdade, sí señor. O espanhol decide também o dérbi da 11.ª jornada 2011-12, no dia 26 Novembro. Capitaneado por Maxi, na ausência de Luisão, o Benfica ganha 1-0, cortesia você-sabe-muito-bem-quem (42’), e acaba com dez, por expulsão de Cardozo aos 63’ (duplo amarelo). Mesmo em vantagem numérica durante uma boa meia-hora, o Sporting ameaça pouco a baliza de Artur.

Assinale no calendário, 21 abril 2013. É dia de João Capela, o árbitro acusado pelos sportinguistas de enorme caseirismo por não assinalar três penáltis. Jesualdo também dá coro aos protestos, tanto na flash interview como na conferência de imprensa, ao que Jesus contrapõe com um “limpinho, limpinho”. Contam os golos de Salvio (36’) e Lima (75’).

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É o charme da Taça de Portugal, 16 avos-de-final. Memorize o dia, é importante: 9 novembro 2013. Durante 120 minutos (prolongamento allez allez), há futebol-espetáculo, com sete golos, três deles de Cardozo. Chiça, é o segundo hat-trick do paraguaio no dérbi, um em Alvalade, outro na Luz. Ah pois é, e este construído na primeira parte (12’, 42’ e 44’). O Sporting de Jardim marca por Capel (37’), Maurício (63’) e Slimani (90’). No prolongamento, Luisão cabeceia, Rui Patrício deixa a bola passar entre as pernas. É o vulgo frango, aos 97’.

Tudo a postos para o jogo da 18.ª jornada 2013-14. É domingo, 10 fevereiro. Às tantas, a ventania é tanta que o estádio começa a dar de si. Caem “cenas”. Afinal, é só lã de vidro. Seja. O jogo é adiado 24 horas e lá se vai o efeito-surpresa de Jardim de jogar com três no ataque (Slimani, Montero e Heldon). Na segunda-feira, o Benfica entra mais forte e resolve com dois golos do catano: Gaitán (27’) numa série de toques entre três jogadores sem deixar a bola cair; Enzo (76’) após deitar Dier à entrada da área.

Ao oitavo jogo, Jesus tropeça. A culpa nem é dele, embora só faça uma substituição (Derley por Talisca aos 85′). O homem com um xis marcado na testa é o guarda-redes Artur, cujo malabarismo desnecessário permite o 1-1 de Slimani, em resposta ao 1-0 de Gaitán. Acto contínuo, o Benfica contrata Júlio César, hoje suplente de Ederson.

Desculpem, é Júlio César a titular e Ederson no banco. É o que diz a ficha de jogo da noite de 25 outubro 2015, dia em que Jesus visita a Luz ao serviço do Sporting. No pontapé de saída, está 0-0 Ao intervalo, 0-3. É um festival de eficácia sem igual, com golos de Teo (9′), Slimani (21′) e Bryan (36′). O então invicto Sporting aproveita ainda o 0-0 do Porto vs Braga e passa para o primeiro lugar do campeonato, com sete pontos à maior do Benfica.

Zero pontos na hora ‘H’

Nove dérbis na Luz, oito vitórias e um empate: o Sporting tem um trunfo chamado Jesus. O problema é o fraco registo do Sporting na casa do Benfica na hora h (ou seja, quando o dérbi significa o primeiro lugar. Nunca, nunca, nunca mesmo, o Sporting ganha. Ou pontua sequer. Em cinco jogos, cinco derrotas. O primeiro caso é de 1935-36, na antepenúltima jornada. Nas Amoreiras, um hat-trick de Valadas (3-1) arruma o Sporting, então em igualdade pontual com o Benfica e só em desvantagem na questão dos golos.

Só em 1959-60 é que proporciona outro dérbi de olho no primeiro lugar. Na jornada anterior, o líder invicto Benfica deixara-se empatar 2-2 nas Antas, com 0-2 aos 86 minutos, e disso se aproveita o Sporting para reduzir a desvantagem através do inequívoco 5-0 ao Boavista, em Alvalade. Na Luz, com os rivais separados por um ponto, o Benfica dá um golpe de autoridade na primeira meia-hora (3-1 no marcador). No fim, 4-3 e o título de campeão a uma vitória de distância, na época de estreia do treinador húngaro Bela Guttmann.

Mais à frente, em 1972-73, Benfica e Sporting esgrimem argumentos na Luz para a 5.ª jornada. Tanto um como outro somam quatro vitórias, oito pontos. A diferença está nos golos. Marcados, atenção (ambos têm só um sofrido). O Benfica tem 22, o Sporting menos de metade (10). Naquela tarde de 8 outubro, a Luz enche como nunca e é a maior receita da história até então. Lá dentro, só dá Eusébio. Um-zero aos 25′, dois-zero aos 34′, três-um aos 86′ e quatro-um aos 89′ (pelo meio, Yazalde).

O dérbi só volta a ser tão palpitante na Luz a 18 dezembro 1993, novamente com Benfica e Sporting empatados (19 pontos). O estatuto de líder da equipa de Toni só é garantido por dois golos de diferença (30-14 vs 21-7). É Figo quem desbloqueia o 0-0, num cabeceamento na área de Neno. Os gritos de Cherba ecoam por todo o estádio, em jeito de descompressão de uma semana desgastante, atípica, a roçar a tragédia. O Benfica só reage na segunda parte, numa altura em que Jorge Coroado já expulsara o sportinguista Capucho com dois amarelos, aos 34 minutos. Yuran (50′) e Isaías (84′) garantem a reviravolta no marcador.

Vinte anos passam-se e, voilà, ei-los de novo a discutir o primeiro lugar como gente grande. O Benfica empata 1-1 em Barcelos no dia 1 fevereiro, o Sporting desaproveita em absoluto 24 horas depois, com 0-0 vs Académica de Conceição em Alvalade. Na semana seguinte, o Benfica recebe o Sporting com dois pontos de avanço, é a terceira jornada da segunda volta. A tal da lã de vidro. Ganha Jesus, 2-0. E lá voltamos nós ao mesmo. Jesus. Sempre ele.