O evento estava marcado para ser (só) o lançamento de um livro, mas foi uma conferência de imprensa de balanço de um ano desde a eleição para Belém. O Presidente da República aproveitou esta terça-feira, na antiga sede campanha, em Lisboa, para se defender de todas as críticas da entrevista que deu à SIC: desde “levar o Governo ao colo” até à ideia de que se substitui ao primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar que o Governo dure uma legislatura, mas admitiu dar posse a outro se o atual “falhar”. Afinal, o PSD é uma oposição forte e se o primeiro-ministro fosse Passos Coelho o esforço de colaboração “seria exatamente o mesmo”.

Marcelo Rebelo de Sousa quis rebater as críticas de que não é equidistante em relação ao PS de António Costa.

Quando se diz que levo o Governo ao colo, não é verdade. Só fiz aquilo que o Presidente tem de fazer: criar condições para que o Governo, governe. E se o Governo tivesse outra composição ia fazer exatamente o mesmo.”

O chefe de Estado garantiu que lhe é indiferente “se o primeiro-ministro se chama Passos Coelho ou António Costa”. Marcelo admite até trocar de Governo até ao fim da legislatura, se for necessário. Avisa que “nada é eterno. Não há Presidentes eternos. Não há primeiros-ministros eternos. Não há governos eternos“. Por isso “enquanto durar o mandato do Presidente da República, quem quer que seja Governo e quem quer que seja oposição, o Presidente vai sempre criar condições para que o Governo seja forte e para que a oposição seja forte.”

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O Presidente volta a dizer que “só ganha em ter duas soluções possíveis” de governação enquanto estiver em Belém pois se “uma falhar” tem outra. Isso é, para Marcelo, uma riqueza. E Passos é essa alternativa? Desta vez, Marcelo disse de forma quase taxativa que sim, tentando controlar a ira da parte “passista” do partido que já começa a ficar impaciente com o que pensa ser um favorecimento ao Governo socialista. E afirmou mesmo:

O Presidente não pode criar simpatias, nem antipatias. O Presidente tem um compromisso constitucional, que é o de colaboração com o Governo em funções. Qualquer que ele seja: hoje é o Governo de António Costa, amanhã é o Governo de Passos Coelho, depois de amanhã é o Governo de António Costa, só para escolher dois nomes de líderes respetivamente do Governo e do principal partido da oposição.”

O chefe de Estado diz, no entanto, que não vê nenhuma razão “para achar que o Governo não tem força para chegar ao fim da legislatura ou que a oposição não tem força para chegar ao fim da legislatura”. Acrescentou depois esperar que os partidos de Governo não o “contradigam criando situações de impasse que hoje não existem” e igualmente, que “a oposição, no seu seio, também não crie situações que hoje não existem“. Ou seja: considera que o Governo (mas também Passos) estão sólidos.

Numa intervenção quase tão longa como a entrevista que deu à SIC (teve cerca de meia hora), Marcelo voltou a rebater os que o acusam de excesso de intervenção. Garante que interveio no último ano, mas “nunca pisando as competências ou poderes de outros órgãos, dentro dos poderes que a Constituição lhe dá, como seria de esperar de um professor de Direito Constitucional”.

O Presidente acrescentou ainda que fez um uso moderado dos “vetos”, que respeitou o Governo e o Parlamento e que apenas deu um “sinal amarelo” a um ou outro quando considerou necessário. Marcelo considerou no entanto que o Presidente deve exercer os seus poderes “sem complexos”, lembrando que o sistema político em Portugal não é “nem parlamentarista, nem presidencialista.” E, na mesma medida, “o Presidente não é presidencialista, não se substitui ao poder executivo”.

Lembrou ainda que tem mantido contactos permanentes com todos os partidos (Passos já faltou a duas audiências do Presidente com o PSD) e parceiros sociais. Marcelo admitiu ainda que as relações pessoais favorecem a política, mas sugeriu que trata todos de igual forma e que não favorece António Costa (que foi seu aluno).

Conheço os líderes partidários há muito tempo e dou-me muito bem com eles”, disse o Presidente.

Donativos para carrinha e laboratório. E indireta a Trump

Marcelo aproveitou passar um ano da sua eleição (foi a 24 de janeiro de 2016) para lançar o livro “Um ano depois”, que contém 149 fotos e 19 textos (que incluem as principais intervenções quer na campanha, quer no mandato como Presidente), numa obra que está disponibilizada gratuitamente online aqui.

O Presidente aproveitou também para anunciar como irá distribuir os cerca de 45 mil euros que sobraram da campanha. Serão distribuídos por duas entidade: a Associação de Solidariedade de Nespereira, no município de Cinfães, vai receber 20 mil euros para comprar uma carrinha de apoio domiciliário; os restantes 25 mil euros serão doados à Escola Básica e Secundária do Mogadouro — que está nos últimos lugares do ranking das escolas – de forma a que possa ser dotada de um laboratório de física e química.

Sobre o mandato (o que falta e o que já passou), Marcelo diz que está hoje “ainda mais motivado” porque percebeu que “os portugueses são ainda melhores do que pensava”. O Presidente diz que há um ano “não sonhava que o último ano” fosse tão bom. “Ninguém acreditaria que António Guterres fosse secretário-geral da ONU, ninguém acreditaria que Portugal fosse campeão europeu, a não ser Fernando Santos, que tanta gente viesse a uma conferência tecnológica [websummit] em Portugal”, exemplificou o Presidente.

Marcelo já escolheu o slogan para o segundo ano de mandato: “Mais e melhor”. Quanto ao que não correu tão bem em 2016, ao que há a melhorar, Marcelo não tem dúvidas: “O que pode correr melhor é haver mais crescimento económico. Precisamos de muito mais crescimento económico. E muito mais não é crescer 0,1%. É preciso mais exportações, mais investimento”.

O Presidente defendeu ainda, na sua antiga sede, no 528 da Rua da Junqueira (antiga Chique de Belém, atual Versailles) que é preciso “mais poupança” e uma maior “consolidação do sistema bancário”. Marcelo optou, neste balanço, por não levar todo o protocolo habitual, com entidades da Casa Civil. Ainda tentou que não existissem seguranças, mas sem êxito, numa indireta ao novo presidente norte-americano, Donald Trump:

Estão ali os seguranças. Não os consegui dispensar. Têm a mania sempre de considerar os jornalistas perigosos. Não é a minha como sabem. Mas agora está muito na moda”.

Já antes Marcelo tinha lembrado os novos desafios na cena internacional, falando do “novo relacionamento com os EUA, em virtude da eleição da nova administração norte-americana”.