Francisca Van Dunem decidiu adiar a visita oficial de três dias a Angola a pedido das autoridades angolanas. A informação chegou às redações através de um comunicado do Ministério Justiça que contém apenas duas linhas:

A visita da ministra da Justiça foi adiada, a pedido das autoridades angolanas, aguardando-se o seu reagendamento”.

O comunicado surgiu horas antes de Francisca Van Dunem embarcar no Aeroporto da Portela rumo a Luanda. A ministra da Justiça deveria aterrar na capital de Angola na próxima madrugada, iniciando a sua visita oficial de três dias na quarta-feira.

O adiamento surge cinco dias após o Ministério Público ter acusado formalmente Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, da alegada prática dos crimes de corrupção ativa na forma qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documento. Em causa, está alegada entrega de cerca de 800 mil euros ao procurador Orlando Figueira em troca do arquivamento de dois inquéritos criminais que tinham sido abertos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

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Os motivos oficiais para a suspensão da vista de Van Dunem ainda não são conhecidos. Contactado pelo Observador, fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) repete que a “viagem foi suspensa a pedido das autoridades angolanas”. Já quanto às razões da suspensão nada mais é dito e perante a questão “quais os motivos invocados” pelas autoridades angolanas, o MNE responde apenas com “a necessidade de ponderar o reagendamento” da visita.

Em declarações aos jornalistas, Francisca Van Dunem também não quis adiantar as razões invocadas pelas autoridades angolanas. “O Ministério da Justiça emitiu um comunicado sobre essa matéria que será totalmente auto-explicativo Não há muito mais a dizer. Como o comunicado explicita, a viagem foi adiada e vai haver o reagendamento”, disse a ministra.

Recorde-se que Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, visitou Luanda há duas semanas para iniciar os preparativos para uma visita oficial de António Costa ainda em 2017. Georges Chikoti, o homólogo angolano de Santos Silva, tinha afirmado a 17 de março de 2016, em Lisboa, que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e o primeiro-ministro visitariam oficialmente Angola “em breve”, em datas que seriam tratadas pela via diplomática.

O que levou à acusação de corrupção contra Manuel Vicente?

A visita de Van Dunem, por outro lado, teria um forte simbolismo, devido ao facto de se tratar de uma cidadã luso-angolana, cuja família tem importantes raízes no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) — partido que lidera o Governo de Angola desde a independência em 1976.

MP pode emitir mandado de detenção internacional para Vicente

O adiamento da visita indicia já uma tensão diplomática crescente entre Angola e Portugal — que pode não ficar por aqui. O adiamento da visita também surge após a Procuradoria-Geral da República de Angola ter sido notificada de uma nova carta rogatória expedida pelo DCIAP. Em causa, está um pedido formal de auxilio judiciário para que a a PGR de Angola notifique Manuel Vicente do despacho de acusação que foi emitido contra si.

O advogado português do n.º 2 do Governo angolano (Rui Patrício do escritório Morais Leitão, Galvão Teles & Associados) já foi notificado da acusação em Lisboa.

Manuel Vicente foi acusado pelo DCIAP sem ter sido ouvido — o que a lei portuguesa permite. As procuradoras responsáveis pela investigação enviaram uma carta rogatória para Angola para que Vicente fosse constituído arguido e interrogado. Mas a PGR Angola, liderada pelo general João Maria de Sousa, recusou-se a cumprir tal carta rogatória, já que o visado era o vice-Presidente de Angola.

Tal como o Observador noticiou esta tarde num Especial sobre a acusação contra Manuel Vicente, caso as autoridades angolanas recusem cumprir esta segunda carta rogatória poderá ser emitido um mandado de detenção internacional com o nome do vice-Presidente de Angola. A concretizar-se a emissão de tal mandado, Manuel Vicente poderá ser detido em qualquer país que aceite cumprir o pedido de auxílio internacional.

Essa intenção ficou em aberto no despacho de acusação emitido no dia 16 de fevereiro. Ao contrário do que fizeram com todos os arguidos, as procuradoras responsáveis pela acusação não quiseram tomar nenhuma posição sobre as medidas de coação que devem ser aplicadas pelo Tribunal de Instrução Criminal a Manuel Vicente enquanto arguido formalmente acusado dos crimes de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

Oportunamente nos pronunciaremos assim que for recebida resposta à carta rogatória expedida às autoridades judiciárias angolanas a solicitar notificação do despacho de acusação ou no caso de não vir a ser dada resposta à mesma”, lê-se no documento consultado pelo Observador.

Esse pode ser o próximo episódio a incrementar a tensão diplomática que já existe entre Portugal e Angola a propósito da acusação emitida na quinta-feira, dia 16, e divulgada em primeira mão pelo Observador, contra Manuel Vicente, o procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e Armindo Pires (amigo e representante de Vicente).