A carreira nos media começou cedo: aos 16 anos já escrevia críticas de cinema para jornais brasileiros, quando se apercebeu de que desta forma não pagaria bilhete para ver os filmes. O jovem de 21 anos do interior de Araraquara mudava-se em 1957 para a cidade grande de São Paulo, para trabalhar como repórter no jornal Última Hora. Depois, seguiram-se outros cargos como o de editor na Revista Planeta e de diretor na revista Vogue Brasil. Desde 2005, é cronista no jornal O Estado de S. Paulo.

Em 1965, chegou o primeiro livro (de contos) Depois do Sol. No entanto, seria com o romance Zero em 1975 que alcançaria mais reconhecimento. O livro foi rejeitado por várias editorias brasileiras e censurado pelo Ministério da Justiça que proibiu a sua venda em 1976 –, o que levou Ignacio a publicá-lo primeiro na Itália.

A história passava-se durante a ditadura militar do Brasil e contava as peripécias de um casal, que se odiava e desejava simultaneamente. Zero foi considerado um atentado aos bons costumes devido às imagens sexualmente explícitas que transmitia, mas também aos valores de liberdade a que aspirava.

Dos vários livros que publicou destacam-se ainda os relatos de viagem com Cuba de Fidel: viagem à ilha proibida (1978) e Acordei em Woodstock: viagem, memórias, perplexidades (2011); e por fim, as autobiografias, sobretudo Veia bailarina (1997), onde Ignacio de Loyola Brandão explica os momentos que passou quando descobriu que tinha um aneurisma cerebral.

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Se for pra chorar que seja de alegria é o mais recente livro do escritor e jornalista brasileiro, de 80 anos. Sempre com o otimismo normal, de quem não esquece os dias de trabalho, mas lembra sobretudo os de folga.

A capa do mais recente livro de Ignácio de Loyola Brandão

A literatura e o mundo das artes parecem ter assumido um papel muito importante na carreira do Ignácio. Foram uma forma de escapar ao jornalismo?
Não. Foram uma forma de eu me entender e de me saber situar no mundo. Eu descobri, desde os tempos de escola, que contar e criar histórias era uma coisa interessante. Foi a minha salvação. Caso contrário, eu não sei o que teria sido. Sabe Deus o que eu teria sido. Já passei dificuldades e a literatura salvou-me. A literatura e as artes salvam as pessoas — desde que cada um se empenhe e acredite nisso. Não é uma questão de ganhar dinheiro ou de ser famoso. É uma questão de estarmos em paz connosco e de levarmos aos outros mundos melhores, diferentes deste onde vivemos. É tentar sobreviver, no fundo.

Podemos dizer que o romance Zero foi um ponto de viragem?
Foi um ponto de viragem, porque até Zero eu era apenas um autor. A partir de Zero, eu tornei-me um autor nacional e internacional. Foi um grande trampolim. Zero tornou-se definitivo na minha carreira. Eu corri o risco de não conseguir publicá-lo. Ele foi publicado primeiro na Itália: a editora traduziu-o e mandou-me uma carta a dizer o seguinte: “Durante a ditadura [militar no Brasil], pode ser muito perigoso publicar este livro fora do país”. Fiquei dias e dias a pensar naquilo, “publico, não publico?”. Sabia que podia ser preso e que o meu editor podia ser preso também. Mil coisas podiam acontecer. Mas eu decidi publicar. Se tivesse dito “não”, não estava aqui hoje. Não sei dizer o que seria a minha vida sem Zero.

Na mesma altura, em 1974/75, Portugal estava também de mãos dadas com um processo revolucionário. Em tempos de repressão, a literatura e as artes podem ser uma arma?
Tanto a literatura como todas as outras artes têm o papel de manter as pessoas conscientes. Muita gente diz que a repressão estimula a criação e não é verdade. Se alguém tem alguma coisa para dizer, diz em qualquer regime. Principalmente em liberdade. Num regime forte corre-se o perigo de se estar apenas focado a combatê-lo, esquecendo outros momentos e essências importantes. Quem tem de escrever, escreve em qualquer regime. Durante a ditadura [no Brasil], muita gente dizia: “Eu tenho dois livros prontos, só não publico por causa da censura”. Era tudo mentira. As pessoas não tinham nada, só posavam. Eu repito: se alguém tem de escrever, escreve em qualquer altura e em qualquer lado.

“Zero”, o romance que mudou o percurso de Loyola de Brandão

O romance Zero foi rejeitado por muitas editoras brasileiras…
Treze.

Quais as razões que as editoras lhe apontavam para esta rejeição?
Eles diziam uma coisa que eu já sabia: que era um romance difícil. O Zero não é fácil. Diziam que era um romance de estrutura complexa e completamente diferente do publicado até então. E até hoje, devo dizer. Só teve o Zero no Brasil. É nisto que eu fico admirado, não sei se fico triste ou alegre: ninguém copiou, fez escola ou tentou traçar uma linha com este romance. As pessoas sabiam que ao publicarem aquele livro podiam ter de fechar as editoras e ser presas. Podia ser tudo muito complicado.

O Brasil tem estado na mira dos media internacionais com o impeachment de Dilma Rousseff e a presidência de Michel Temer. Como é que vê este Brasil, depois ter assistido a vários momentos históricos no seu país?
Eu já vivi muita coisa. Mas uma revolução feita em nome da Constituição, um golpe de Estado — que é o nome correto do que aconteceu — da direita, foi a primeira vez que eu vi. A ditadura militar era algo que as pessoas tinham noção do que estava a acontecer e sabíamos o que pretendiam. Mas isto não. Foram manobrando as regras e chegaram ao poder, naquilo a que muitos advogados chamam de “ditadura do judiciário” — da qual é muito mais difícil escapar, porque são eles que fazem as regras. O Brasil está num momento de extrema vulnerabilidade e medo. Toca-se numa pessoa com um dedo e essa pessoa bate na outra que lhe tocou. Nunca vi o país tão polarizado. Não se sabe com quem se está a falar, o que é que o nosso interlocutor pensa. Qualquer coisa que alguém fale é motivo para uma discussão. Resumindo: está toda a gente no limite para estourar. E estoura apenas com um grito ou a voz de uma pessoa ao nosso lado.

O Ignácio foi jornalista, qual deve ser o papel do jornalismo brasileiro?
Tem de ser como o documentário, tem de mostrar a verdade. Porém, sabe-se que a verdade em jornalismo é muito subjetiva e depende muito dos interesses do grupo que comanda o jornal. Alguns jornais brasileiros estão a favor do golpe – não se pode dizer “golpe” nos media porque pode-se ser processado – e outros jornais combatem-no e já dizem mal do que aconteceu. O presidente [Michel Temer] é uma pessoa muito incompetente e está cercado de pessoas aproveitadoras. É um bando de corruptos que tentar salvar a sua própria pele e que tenta terminar com a única coisa importante no Brasil: o Lavajato. A Dilma permitiu que o processo da Lavajato se instalasse e foi por essa razão que ela também foi derrubada. Eu não votei na Dilma para presidente, mas que ela foi traída, foi. E pelas próprias pessoas que a apoiavam. Ninguém sabe o que é que o povo brasileiro pensa disto, porque só protestou na rua e não nas urnas. É muito difícil explicar o que se passa no Brasil, porque nem os próprios brasileiros conseguem entender. É uma pena, num instante tudo mudou.

“Eu descobri, desde os tempos de escola, que contar e criar histórias era uma coisa interessante. Foi a minha salvação. Caso contrário, eu não sei o que teria sido”

Numa entrevista disse que receava que a sua obra fosse esquecida. Não acredita que os escritores gozam do direito da eternidade?
Os escritores gostariam de não ser esquecidos. Não eu, o escritor, mas a minha obra. Não depende de nós, mas do que produzimos. Quem sabe se o que é bom hoje vai ser bom amanhã? Quando o escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald morreu, ele estava completamente esquecido, cheio de dívidas e não vendia nenhum livro. Hoje, vende 100 mil por ano e é considerado o maior autor da sua geração, superior ao Hemingway. Neste ofício, existe o purgatório, o inferno e o limbo. Às vezes fica-se no limbo, que é o pior que pode acontecer, porque daí nunca se sai. Quando o purgatório enche, passa-se pelo inferno e sobe-se até ao céu. Eu gostaria que os meus livros não fossem esquecidos. Quanto ao meu nome, estou-me a lixar. No entanto, não posso determinar a posteridade.

O último livro que escreveu tem o título Se for pra chorar, que seja de alegria. Vê-se como um otimista?
O que é um pessimista? Um pessimista é um otimista em experiência. Isto foi-me dito pelo meu tradutor na Alemanha, que já morreu há alguns anos, quando olhavam para o meu romance Não Verás País Nenhum [1981] como uma obra pessimista. Foi nesse momento que ele me disse aquela frase.

A determinada altura na sua vida, houve uma “veia bailarina”. O aneurisma permitiu-lhe encarar de forma diferente os anos seguintes e ter uma vida mais sentida?
Sim, permitiu. Foi fundamental. Eu estava a passar por um período em que nada me interessava. Não era depressão. Eu achava inclusive que não ia escrever mais nenhum livro e de repente, acontece essa veia bailarina. Eu terminei a cirurgia e constatei que estava vivo. Uma cirurgia enorme de 13 ou 14 horas, delicada, em que se abre a cabeça. Eu depois até vi o filme da operação na televisão, com o médico a mostrar todos os passos. Nessa operação, não se costura nada, é apenas um clip que segura o aneurisma. O aneurisma é uma bolha, não é uma doença. Se explode, xau. Aliás, chama-se “assassino silencioso” pelos médicos. Não tem sintomas, quando acontece, a pessoa morre. Sobrevivi e foi aí que comecei a escrever um livro cheio de piedade de mim mesmo. Mas pensei: “Estou vivo”. E fiz o contrário, escrevi um livro cheio de vida. A minha vida mudou, no sentido em que os sabores, as cores, as palavras e a relação com as pessoas mudaram. Eu nunca tirava férias: trabalhava sábados, domingos e feriados. Acabou tudo. O meu dia de folga é o meu dia de folga. Eu sou um profissional, tenho prazos e também tenho a angústia de os ter. Mas deixei de achar isso importante. A comida é outra coisa, a luz tornou-se diferente. É difícil explicar a uma pessoa que não passou pelo mesmo. Eu estava prestes a ultrapassar a linha da morte, mas não dei o passo. Viver é isso, é existir.

O menino que vendia abacates para comprar bilhetes para o cinema ainda nutre a mesma paixão pela sétima arte?
Sim, claro. Sei que nunca vou fazer cinema, mas o meu filho mais novo está a fazer. Estudou engenharia, acabou por fazer fotografia e agora está no cinema. Está a fazer o que eu deveria ter feito. Um continua no outro.