Não foi exatamente um duelo em direto, mas quase. António Costa e Pedro Passos Coelho foram entrevistados com pouco mais de 48 horas de diferença. Sê-lo-iam em dias consecutivos, não fosse o jogo do Benfica contra o Estoril, que obrigou a reagendar a entrevista do líder do PSD à SIC para esta quinta-feira. Colocados perante (praticamente) os mesmos problemas responderam de forma oposta: as leituras sobre a estabilidade da banca, sobre a saúde da economia, sobre o curso política e até sobre a atuação de Marcelo Rebelo de Sousa não podiam ser mais diferentes.

Primeiro o défice e a saúde das contas públicas. Na Rádio Renascença, António Costa não podia estar mais satisfeito: com o “maior défice da história da democracia” no bolso, o primeiro-ministro mostrou-se confiante na saída do país do Procedimento dos Défices Excessivos. Sem lançar já os foguetes — até porque há um problema chamado Caixa Geral de Depósitos que pode baralhar as contas –, o líder socialista deixou escapar um wishful thinking: “Não vejo nenhuma razão para não sairmos do Procedimento dos Défices Excessivos. Estou certo de que fizemos tudo o que tínhamos a fazer”.

António Costa “tranquilo” com a banca. Problema do Montepio é “limitado”

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Pedro Passos Coelho não poderia ter sido mais diferente. O líder do PSD ainda admitiu estar “satisfeito” com o facto de o Governo ter conseguido um défice de 2,1%, mas apressou-se logo a colocar nuvens negras num quadro que António Costa se tem esforçado por pintar demasiado cor-de-rosa — pelo menos, é essa a convicção dos sociais-democratas. O ex-primeiro-ministro lembrou que o país cresceu “menos do que tinha crescido em 2015”, defendeu que o país anda está numa situação de “stresse” e recordou que “as taxas de juros” dispararam bem para lá do que acontece ali ao lado, em Espanha.

O social-democrata usaria ainda um argumento que o PSD tem agitado com frequência: o Governo só conseguiu atingir o défice que atingiu porque mudou de estratégia a meio do caminho. Caso contrário, a receita teria sido desastrosa: não fosse o flic-flac à retaguarda e alguns truques de tesouraria — corte no investimento, cativações, receitas extraordinárias e o tal plano B que Costa sempre negou que estivesse em curso — e o Governo teria acabado 2016 “com um défice de 3,2%”, argumentou Passos.

Passos: “Nunca me demitiria por causa de um resultado autárquico”

Ponto de situação neste duelo em particular? António Costa segue tranquilo a celebrar o que conseguiu em dois anos de mandato e desmentido as previsões mais catastróficas; Pedro Passos Coelho, por sua vez, vai denunciado as manobras do “grande ilusionista” — como o El País já lhe chamou — e garantindo que o Governo não vai conseguir repetir a façanha com os mesmos truques. Só no final se saberá quem tem razão.

Sistema financeiro: mais distantes era impossível

Mas há duelos “para além do défice”. Desta vez (mais uma vez) também banca a dividiu os dois líderes, nomeadamente o processo de venda do Novo Banco e a recapitalização do Caixa Geral de Depósitos. E ainda há o Montepio, ainda que Passos, na entrevista à SIC, não tenha sido questionado para se pronunciar sobre o caso.

Primeiro round: venda do Novo Banco. Aos microfones da Renascença, António Costa não deixou de admitir que a venda de apenas 75% do banco não foi a “ideal” — foi a possível. Ainda assim, o primeiro-ministro, a quem Marcelo Rebelo de Sousa colocou o libelo de “otimista irritante”, não deixou de ter uma tirada curiosa sobre a solução encontrada para o banco de transição: “Não vivemos na Alice no País das Maravilhas”.

Na mesma entrevista à Renascença, o socialista aproveitou por acrescentar alguns erros que na sua opinião foram cometidas por Passos: “O sistema financeiro estava há um ano numa situação dramática e ao longo deste ano fomos melhorando”. Mas tudo poderia ter sido melhor, argumentou Costa, se Portugal, como fizeram outros países, tivesse feito o “saneamento do sistema bancário” logo no início da crise.

Bola para Passos. Nos estúdios da SIC, e desafiado a comentar as críticas que têm sido apontadas à falta de empenho do Governo PSD/CDS na estabilização da banca, o líder social-democrata defendeu que o seu Executivo teve uma “intervenção importante” nessa matéria. E devolveu as críticas aos socialistas: os problemas atuais da banca “não são comparáveis” aos que o PSD herdou do Executivo de José Sócrates.

Do passado para o presente, Passos Coelho aproveitou a entrevista para criticar (mais uma vez) a forma como Costa geriu a venda do Novo Banco. Para Passos, António Costa falhou no essencial: não conseguiu vender o banco de transição na sua totalidade. Pelo caminho, ainda fez um perdão aos bancos, ao reduzir os juros e aumentar os prazos de pagamento do empréstimo concedido pelo Estado ao Fundo de Resolução. “Os bancos irão pagar de juro seguramente menos do que o Estado tem pagar para se financiar em igual montante”, acusou Passos.

Ainda na banca, e com a esquerda a acusar Governo PSD/CDS de nada ter feito para garantir a saúde da Caixa Geral de Depósitos, o social-democrata veio (novamente) dizer que considera “excessivo” o valor injetado no banco público (5 mil milhões de euros). Uma argumento antigo que prova uma coisa: nesta matéria, Passos e Costa nunca se vão se entender.

Costa faz jus ao otimismo. Passos nem por isso

O Presidente da República chama a Costa “otimista irritante” e tem razões para isso. O primeiro-ministro demonstrou ter os níveis de confiança bem altos. António Costa admitiu, na entrevista à Renascença, a hipótese de atingir uma maioria absoluta, ao mesmo tempo que Passos Coelho, à SIC, assume que precisa do CDS para governar. António Costa até disse que “não sonha com uma maioria absoluta” e até admite uma geringonça 2.0, mas coloca-a de fora uma coligação pré-eleitoral.

Quanto a um novo entendimento pós-eleitoral, Costa aproveitou para falar num cenário em que atinge a maioria o Parlamento: “Esta solução governativa é uma boa solução com maioria absoluta ou sem maioria absoluta. No final da legislatura, quando houver eleições, mesmo com maioria absoluta, da minha parte, havendo disponibilidade do BE, do PCP e do PEV para renovar este acordo, seria útil que isso acontecesse”.

Passos também não lançou todas as cartas para a mesa. Recusou-se a fazer “futurologia” quanto a uma coligação com o CDS, mas deixou escapar a ideia de que precisa dos centristas para voltar ao Governo. “O CDS é um partido importante para construir uma alternativa de Governo em Portugal”.

A visão que ambos têm de eleições antecipadas diverge ligeiramente. António Costa acredita que não vai haver eleições antecipadas. “O país viveu anos de enorme sacrifício, enorme ansiedade no dia-a-dia das pessoas. Se há coisa que as pessoas agradecem, é o país estar a viver em normalidade”. Já Passos recusa novamente consultar a bola de cristal, mas não é tão claro a considerar que não há legislativas antes de 2019. “Não vou fazer especulação sobre isso. Não há cenários que queira privilegiar”, explicou o líder do PSD. Passos acusou PCP e BE de fazerem uma “encenação muito grande” no apoio ao Governo, mas não faz previsões sobre se é uma aliança para durar: “Se se vão entender ou não, não é uma questão para a qual eu seja chamado”.

Enquanto Costa elogiava estabilidade criada pelo Presidente da República, Passos colocou o ónus da gestão de uma situação política insustentável nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa: “Se porventura, o país tiver uma crise política, o Presidente da República é que tem responsabilidade de decidir o que fazer”. Nas duas entrevistas, duas versões. Costa diz: não vai haver eleições antecipadas e Marcelo é responsável por essa estabilidade política. Passos diz: Se houver crise política, o problema é de Marcelo.

O aluno Costa seguiu o sumário; Passos arriscou falta de comportamento

Não é novidade: o Presidente Marcelo tem uma melhor relação (quer política, quer pessoal) com o seu antigo aluno António Costa do que com o líder do seu partido, Passos Coelho. E isso nota-se. Ficou claro nas entrevistas que o chefe de Governo e o líder da oposição concederam esta semana. O primeiro-ministro elogiou a forma como o Presidente da República tem contribuído para a estabilidade política — algo com que Passos Coelho concorda e até considera “normal” — mas o líder do PSD deixou um crítica direta ao Presidente.

Embora o tenha feito em várias ocasiões, Costa não se alongou a falar do Presidente na entrevista à Renascença. Um elogio, e ficou por ali. Já Passos Coelho até ensaiou uma defesa de Marcelo, dizendo que não está em Belém para “para desenvolver a estratégia do PSD, nem de qualquer partido” e que o chefe de Estado tem feito “cooperação ativa com o Governo, como lhe compete“. O líder do PSD disse mesmo que não acha “estranho” os elogios de Marcelo ao Governo de Costa. É claro que tem a sua opinião sobre se o Presidente “numa altura podia carregar mais ou menos nas tintas” ou ir mais ao menos “ao encontro dos que o elegeram”, mas deixa isso “para os comentadores.” Como era Marcelo.

No entanto, ao contrário de Costa — de quem não se conhecem ataques ao chefe de Estado — Passos lançou uma crítica clara a Marcelo Rebelo de Sousa: “Teria gostado de ver o Presidente da República defender a independência do Conselho de Finanças Públicas, e em particular a idoneidade da sua presidente Teodora Cardoso, quando foi atacada pelos partidos da maioria, pelo Governo e pelo próprio primeiro-ministro”. O líder do PSD teria preferido ver Marcelo a defender a independência da instituição. A comparação é simples e é o espelho do que se tem passado no último ano: Costa não faz críticas ao Presidente, enquanto Passos escolheu um ponto em que pudesse apontar reparos ao comportamento presidencial.