Título: “O Meu Nome é Lucy Barton”
Autora: Elizabeth Strout
Editora: Alfaguara
Páginas: 176

Uma mulher recorda, à distância, as nove semanas que passou internada em Manhattan, por causa de uma remoção do apêndice que correu mal. O marido não gosta de hospitais, as filhas são demasiado novas para visitá-la e a maior companhia disponível é o batalhão de pessoal médico a quem dá alcunhas em segredo e as luzes do Edifício Chrysler que vê da janela. Essa mulher, Lucy Barton, está sozinha. Mas esse é um estado no qual já é doutorada, o seu maior tratado emocional.

“O Meu Nome é Lucy Barton” é um livro sobre a solidão, a relação entre mãe e filha e a exclusão social. É o primeiro livro de Elizabeth Strout escrito na primeira pessoa, mas percebe-se de imediato a escolha narrativa: é um livro intimamente pessoal, narrado com saltos temporais, hesitações, repetições e falhas de memória — às vezes de uma forma quase atabalhoada — em capítulos muito curtos, como quem se confessa ou tenta perceber a sua história à medida que a conta e recorda.

Elizabeth Strout tem 61 anos, publicou o primeiro livro em 1998, quase com 43, mas escreve desde a adolescência. Com textos publicados na The New Yorker, em 2009 ganhou o Pulitzer de ficção com “Olive Kitteridge” (Casa das Letras, 2010), uma coleção de histórias passadas na costa do Maine, nos Estados Unidos, de onde é natural. As histórias estão ligadas entre si e acabaram por ser adaptadas pela HBO, numa série protagonizada por Frances McDermond.

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Elizabeth Strout na estreia da série “Olive Kitteridge”, em outubro de 2014. © Jemal Countess/Getty Images

Lucy Barton, a sua protagonista, é também escritora. Aproximou-se dos livros por causa da solidão e do passado de pobreza extrema e abuso familiar. Até aos 11 anos viveu com a família numa garagem numa pequena vila do Illinóis. Ficava na escola o máximo de tempo possível, para estar quente. Foi aí que começou a gostar muito de ler. “Os livros trouxeram-me coisas. É aqui que quero chegar. Fizeram-me sentir menos só”, escreve Lucy.

Um dia, no hospital, a mãe vai visitá-la. São os anos 80, há ecos da Sida por todo o lado e sempre que sai do quarto Lucy vê os pacientes de olhos fixos no infinito, prestes a morrer. A mãe chega de repente e senta-se numa cadeira ao lado da cama, de onde não sai nem para dormir. Trata-a pelo diminutivo e partilha histórias dos vizinhos e dos irmãos, até da infância. “Talvez fosse da escuridão, apenas com a fresta de luz pálida que entrava pela porta e a constelação do magnífico Edifício Chrysler mesmo ao nosso lado aquilo que nos permitia falar de um modo como nunca antes havíamos falado”, recorda Lucy. A mãe é uma mulher austera incapaz de um gesto de afeto. Nunca lhe deu um beijo, sempre lhe disse que não podia chorar. Chegou a deixá-la fechada numa carrinha quando tinha cinco anos e a bater-lhe vigorosamente (assim como o pai, traumatizado da guerra ao ponto de não aceitar o marido da filha por ser alemão), mas Lucy nunca a confronta e procura sempre uma aproximação qualquer. Uma fofoca sobre as meninas promissoras da vila caídas em desgraça é suficiente.

Muitos anos depois do episódio do hospital, uma escritora que incentiva Barton a publicar um livro diz-lhe que todos os autores só têm uma história, história essa que podem tentar escrever de várias maneiras. A de Lucy é uma história de solidão e de um amor absolutamente imperfeito, concentrada numa mãe que não só não soube ensiná-la a mastigar de boca fechada como, muito pior, falhou na criação dos mais profundos e fundadores laços afetivos. Por causa disso, Lucy escreve. Mas escreve sem auto-comiseração, até com um certo fascínio pela vida e as pessoas, sobretudo intrigada com o que nos faz sentir superiores ou inferiores a alguém. É uma mulher vulnerável que consegue alcançar uma grande força narrativa precisamente por não ter medo de mostrar a sua vulnerabilidade, como se esta fosse algo quase normal. E é impossível esquecer o seu nome. Ela faz questão de repeti-lo no título e no final: “O meu nome é Lucy Barton”.