Há trinta e muitos anos, Sir Roger Moore veio a Lisboa promover um dos seus filmes como James Bond e aparecer na antestreia no Cinema São Jorge, onde os filmes de 007 passavam em exclusivo (Moore já cá tinha estado nos anos 60, no auge da popularidade da série “O Santo”, e voltaria na década de 90, para ser entrevistado por Herman José no seu programa “Parabéns”). Entrevistei-o nessa segunda visita e encontrei um homem de uma amabilidade e uma simpatia à prova de bala, sem sombra de peneiras e com a plena consciência das suas limitações como ator, a que aliava um saboroso sentido de humor: “Nunca mais me esqueço que quando eu era um jovem estudante de teatro, na Royal Academy of Dramatic Art, Noel Coward veio ver uma das nossas peças, e depois do espectáculo foi falar comigo e disse-me: ‘Meu rapaz, você tem um magnífico aspeto e uma devastadora falta de talento, por isso aconselho-o a aceitar logo qualquer papel que lhe ofereçam. E se lhe por acaso lhe oferecerem dois papéis ao mesmo tempo, aceite o que pagar melhor.’ E cá estou eu a fazer de James Bond”.

[“O Santo”]

Quando alguém lhe perguntava sobre o seu método de representação, Moore gostava de responder: “Tenho três expressões: sobrancelha esquerda levantada, sobrancelha direita levantada, e as duas levantadas ao mesmo tempo”. Sobre James Bond, diria, anos depois de ser ter despedido da personagem : “Foi absolutamente magnífico interpretá-lo, claro. Diverti-me imenso, fartei-me de jogar gamão nos intervalos das filmagens, roubei muita roupa e a minha conta bancária ficou muito agradecida. Mas nunca o levei muito a sério. O tipo é um agente secreto, mas toda a gente o conhece nos hotéis e nos bares do mundo inteiro, e quando aparece os vilões dizem sempre, ‘Ah, Sr. Bond, estávamos à sua espera.’ E todos sabem qual é a bebida favorita dele. Por isso, interpretei-o de forma ligeira e com sofisticação. Eu gosto muito do James Bond, mas não é para ser levado muito a sério. É uma banda desenhada em tamanho gigante.”

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[Homenagem a Sir Roger Moore como 007]

Roger Moore, que morreu na Suíça aos 89 anos, é um daqueles casos raros de um actor que deve a sua fama planetária a uma personagem que interpretou na televisão e a outra que personificou no cinema: Simon Templar, vulgo “O Santo”, no primeiro caso, entre 1962 e 1969, e James Bond, o agente 007, em sete filmes, de “007 — Vive e Deixa Morrer”, de 1973, a “007 — Alvo em Movimento”, de 1985. Sucedendo a Sean Connery no papel, e ao desastroso George Lazenby, que só durou um filme (“007 — Ao Serviço de Sua Majestade”, de 1969) , Moore usou o capital de experiência adquirido a fazer de Simon Templar em “O Santo” e do distinto lorde Brett Sinclair noutra série de televisão, “Os Persuasores” (1971-72), ao lado de Tony Curtis, para compor um James Bond diferente do de Connery: mais “british” e menos implacável, mais refinado, mais leve, com mais humor e beneficiando da crescente espectacularidade da série, que, na senda do sucesso de “Guerra das Estrelas”, chegou a levar o agente de Ian Fleming ao espaço sideral, em “007 — Aventura no Espaço” (1979). Mas o seu Bond também malhava forte e feio quando era preciso.

[“007 — Aventura no Espaço”]

Para alguns, Sir Roger Moore foi o pior James Bond do cinema, só ultrapassado pelo citado George Lazenby, mas para muitos outros, foi o melhor de todos. Precisamente por o ter interpretado de um forma tão vincadamente pessoal e sem se sentir no mínimo intimidado pela maneira como Sean Connery havia vivido a personagem antes dele. Era tudo uma questão de personalidade e de estilo, como explicou: “Eu sou uma pessoa totalmente diferente do Sean. Não consigo interpretar o 007 como um assassino frio, como ele faz. Por isso, interpretei-o mais para o lado da comédia. Basicamente, estava a dizer aos espectadores: ‘Estou a divertir-me imenso a fazer isto e espero que vocês estejam a gostar de me ver a divertir-me.” Moore foi também o 007 mais velho de todos, tendo estreado a personagem quando tinha 45 anos, e despedido dela aos 56. “Deixei Bond quando percebi que as mães das atrizes com quem contracenava eram mais novas do que eu”, comentou então.

[A lendária perseguição de “007 — O Homem da Pistola Dourada”]

Entre os filmes de 007, e depois deles, Sir Roger Moore protagonizou várias e sólidas fitas de guerra, de ação ou policiais, caso de “Armadilha Internacional”, de Peter Hunt (1976), “Os Gansos Selvagens” (1978), “Assalto no Alto Mar” (1980) e “Os Comandos de Sua Majestade” (1980), todos de Andrew V. McLaglen, “O Mistério de um Rapto”, de Bryan Forbes (1984) ou “Os Profissionais do Golpe” (1990), de Michael Winner, e foi Sherlock Holmes no telefilme “Sherlock Holmes em Nova Iorque” (1976), de Boris Sagal. O seu sentido de humor e a sua despretensão manifestam-se também nas páginas dos livros autobiográficos e de recordações do mundo do espectáculo que escreveu: “My Word is my Bond” (2009) e “Last Man Standing” (2014). Moore é ainda o autor de um muito bom e bastante completo livro sobre os filmes de 007, da perspetiva de quem o interpretou: “Bond on Bond” (2015).

[“Assalto no Alto Mar”]

“Nunca tive ilusões que seria um grande ator shakespeareano”, disse Sir Roger Moore numa entrevista dada há alguns anos. “Adoraria ser recordado por ter feito os melhores Lears ou os melhores Hamlets. Mas como isso nunca vai acontecer, fico muito feliz por ter feito o Bond.” E nós também, Sir Roger.