Joaquim Quintino Aires está de novo nas notícias por uma intervenção no passado dia 14 de junho, no seu espaço de comentário no programa Você na TV!, transmitido na TVI, por ter dito que “75% das pessoas que consomem cannabis têm comportamentos homossexuais”. Os comentários voltaram a chocar alguns telespectadores que, até agora, já fizeram chegar à Entidade Reguladora da Comunicação Social nove queixas sobre o sucedido, adiantou o regulador ao Observador.

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) ainda tem um processo a correr na justiça pelo afastamento temporário do psicólogo, mas não tem planos para o afastar da profissão, confirmou ao Observador fonte do gabinete de comunicação do organismo. “Importa esclarecer que a OPP jamais terá como objetivo ‘que um determinado membro deixe de exercer’ e não faz qualquer tipo de sentido afirmar que pretendemos que um determinado membro ‘deixe de partilhar opiniões na categoria de psicólogo'”, reforça o organismo.

Manifestando a sua oposição à legalização das drogas, Quintino Aires perguntou, de forma retórica, aos apresentadores do “Você na Tv!”: “Acha que sem a cannabis 75% das pessoas se envolveriam sexualmente com pessoas do mesmo sexo?” Citando um estudo científico que nunca nomeia, o psicólogo diretor clínico do Instituto Vegotsky, teceu uma ligação direta entre a homossexualidade e o consumo de cannabis e classificou esta opção sexual como uma “alteração da consciência”.

O estudo citado pelo psicólogo parece partir de uma mensagem publicada (linguagem extremamente explícita) na página Reddit, onde um utilizador assume sentir-se atraído por homens apenas quando fuma cannabis. Depois disso, outros artigos surgiram onde pessoas falavam das várias sensações “não comuns” que as assaltavam quando tomavam certas drogas, mas nunca existiu um estudo com origem académica que ligasse o consumo de cannabis às escolhas sexuais.

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Várias pessoas se mostraram perplexas através das redes sociais e coube também ao humor fazer a sua parte .

Ciganos “invadem escolas e hospitais”

Menos piada tiveram, para a Ordem dos Psicólogos Portugueses e para as associações contra o racismo, as generalizações de Quintino Aires sobre os cidadãos de etnia cigana. Em julho do ano passado, enquanto comentava uma notícia sobre um grupo de ciganos que terá danificado um quartel e agredido bombeiros, o psicólogo disse que “a etnia cigana não está integrada em Portugal”, e que “não respeita as normas do país onde vive”, considerando que os seus membros “invadem as escolas, invadem os hospitais e respeitam regra absolutamente nenhuma”.

Na altura, 14 associações e três eleitos pelas associações ciganas para o Grupo Consultivo para a Integração das Comunidades Ciganas subscreveram um comunicado onde consideravam as declarações “inadmissíveis”, já que reproduzem “preconceitos e estereótipos e promovem posições racistas”.

[O vídeo reproduzido em baixo está publicado no YouTube e inclui comentários opinativos da pessoa que o colocou na internet.]

https://www.youtube.com/watch?v=3IHGCP_I11Q

Manuel Luís Goucha alertou, na altura, o seu convidado, para os perigos da generalização e referiu o sucesso da integração de vários membros da comunidade cigana, mas o comentador contestou: “Raríssimos. Não, não. A maioria vive dos subsídios ou trafica droga e não trabalha. Diga-me a lista dos trabalhos dos ciganos”.

“Acho esse discurso muito perigoso.”, contrapôs o apresentador. E Quintino persistiu: “Não é perigoso. O perigoso é nós não resolvermos o problema, porque estamos aqui com falinhas mansas a enfrentar as situações”. Manuel Luís Goucha ainda voltou a tentar, alegando que “há elementos maus em todas as comunidades”, mas o psicólogo interrompeu-o: “Sim, mas maioritariamente nos ciganos”.

Quintino Aires acrescentou ainda que os ciganos são violentos. “Quando chegam à Segurança Social, querem subsídios para todos e ainda batem nas pessoas se não estão lá”, finalizou.

À Ordem dos Psicológicos Portugueses já chegaram várias queixas contra o comentador. E nas petições online, já constam mais de 2.400 nomes de pessoas que consideram que a TVI deve assumir responsabilidade.

A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) disse ao Observador que “não moveu cinco processos contra o dr. Quintino Aires”, como chegou a ser noticiado. “Foi tornado público que a anterior Direção da OPP (houve eleições entretanto) decidiu enviar uma situação ao Conselho Jurisdicional da OPP (CJ) após comentários nos quais aquela Direção da OPP não se reviu, cabendo ao CJ a decisão de analisar o teor destas afirmações e instaurar um processo ou arquivar. Em relação aos outros processos, e como resulta da ação do CJ, tiveram origem em queixas e/ou denúncias efetuadas pelos nossos membros e/ou outras pessoas que sentiram que as declarações ou práticas contrariam o código de ética e deontologia dos Psicólogos”, disse ainda a OPP através do seu gabinete de comunicação.

A OPP diz que não quer, nem pode, personalizar, mas refere que “as declarações públicas prestadas nos mais diversos âmbitos, incluindo programas de rádio e televisão, artigos em jornais ou revistas, conferências e internet, devem pautar-se no mais estrito respeito das regras deontológicas da profissão e de acordo com o disposto no Código Deontológico (CD)”.

O Observador tentou contactar Quintino Aires três vezes, tanto através dos vários consultórios onde exerce como através das redes sociais que mantém, sem ter, até agora, obtido uma resposta.

De acordo com o artigo 8 do Código Deontológico, “os psicólogos reconhecem o impacto das suas declarações junto do público, em função da credibilidade da ciência que representam. Este facto aumenta a sua responsabilidade em relação às suas afirmações, uma vez que os psicólogos representam uma classe profissional”. Paralelamente, refere ainda o gabinete de comunicação da OPP, “os psicólogos devem abster-se de fazer declarações falsas ou sem fundamentação científica e limitar as suas declarações públicas apenas a temas para os quais têm formação e experiência específicas”. E mais: “Os psicólogos têm a obrigação de reconhecer o impacto das suas declarações junto do público, em função da credibilidade da ciência que representam. Este facto aumenta a sua responsabilidade em relação às suas afirmações, uma vez que, nestes contextos, representam uma classe profissional”.

ERC: “Os antecedentes de reincidências da TVI vão ser tidos em conta”

Luísa Roseira, vogal do conselho regulador da ERC disse ao Observador que “sem ouvir a TVI é impossível saber o sentido da sanção, ou se haverá sanção”, mas garante que “os antecedentes de reincidência da TVI vão ser tidos em conta pela ERC para analisar este caso”. A questão, admite a vogal, é “complexa” porque “envolve o limite entre opinião livre e o limite de tudo o que pode incitar ao ódio”.

Se os comentários tecidos sobre a etnia cigana não levaram ao acionamento das sanções graves, Luísa Roseira considera “muito difícil” que os mais recentes, sobre a ligação da homossexualidade ao consumo de drogas, resulte numa punição. “São com certeza comentários desagradáveis mas daí até serem vistos como uma incitação ao ódio, que é a única coisa que a lei da televisão pune neste campo, ainda é preciso esticar um pouco”.

Porém, e como já houve “decisão anterior de sensibilização do mesmo serviço de televisão, do mesmo programa com o mesmo comentador, os antecedentes terão obrigatoriamente de ser tidos em conta”, disse ainda a responsável. A incitação ao ódio e à discriminação é punida pela lei da televisão com multas que podem irem até aos 350 mil euros.

Num despacho de janeiro deste ano, a ERC aconselha a TVI a “garantir, de futuro, uma proteção cabal e constante da dignidade dos cidadãos e a não transmitir conteúdos que, de alguma forma, contribuam para a estigmatização de grupos sociais, em particular em função da sua etnia”.

A ERC inclui no documento, e detalha, algumas das queixas que chegaram ao regulador: Priménio Ferreira considera que a TVI “associou todo o tipo de características estereotipadas e pejorativas às pessoas ciganas de forma generalista” e a telespectadora Paula Machado dos Santos refere que “as declarações do Dr. Quintino Aires são um atentado à Declaração dos Direitos Humanos e vão contra a legislação portuguesa”. O psicólogo, não provando o que afirma, “deverá, no mínimo, fazer um pedido de desculpas a todos os portugueses”. Esta queixosa entende ainda que “a TVI deveria considerar a qualidade e pertinência dos comentadores que convida”.

Em sua defesa, a TVI invoca, maioritariamente, razões formais sobre a forma como a ERC conduziu o processo (queixando-se, por exemplo, de não saber de onde provêm as queixas, sendo que as queixas vêm dos próprios consumidores de conteúdos como acontece na maioria das vezes com este regulador) e disse que “as participações em causa não gozam de legitimidade”, pedindo o arquivamento sumário do processo.

“Virgindade é um problema de saúde pública”

A OPP confirma que existem três processos com penas já aplicadas ao psicólogo: a pena aplicada a 1 de setembro de 2013 (pena de repreensão registada) foi por violação de normas do Código Deontológico da Ordem dos Psicólogos Portugueses relativas a declarações públicas; já a 27 de outubro de 2014, foi aplicada uma nova pena de repreensão, também por violação de normas do Código Deontológico relativas a declarações públicas, assim como uma pena de suspensão pelo prazo de três meses por violação de normas do Código Deontológico relativas à prática profissional.

Quintino Aires requereu, então, nos tribunais administrativos, a suspensão de eficácia das referidas deliberações, e a anulação das mencionadas decisões; o processo cautelar não foi aplicado, mas o processo principal mantém-se pendente, a aguardar decisão. Relativamente à pena de suspensão pelo prazo de três meses, detalha ainda o gabinete de comunicação, “Quintino Aires requereu, mais uma vez, nos tribunais administrativos a suspensão de eficácia da referida deliberação e a anulação da mencionada decisão. A suspensão provisória da pena foi determinada pelo Tribunal, mas o processo principal mantém-se pendente, a aguardar decisão.”

Caso a pena venha a ser aplicada, durante o período de suspensão, o Quintino Aires estará impedido de exercer Psicologia e de praticar os atos próprios da profissão.

Mas as declarações polémicas não se ficaram por aí. À própria OPP, o psicólogo chamou “pacóvia” e “provinciana”, comentou que quem imigra é cobarde, como os “ratos que abandonam o barco”. Criticou também quem é contra a adoção por pessoas do mesmo sexo, “uma coisa que acontece aos que pensam demasiado em sexo entre crianças e adultos”.

Em janeiro de 2014, no programa “A Hora do Sexo”, na Antena 3, Quintino Aires voltou a chocar quando equiparou ser-se virgem aos 26 anos a um “problema de saúde pública”, dizendo ainda que isso era uma doença que era preciso tratar. “Mais chocante ainda, porque quem está doente muitas vezes não tem a noção, foi ver os outros a darem-lhe os parabéns. Não se dá os parabéns a alguém com 26 anos que ainda não iniciou a vida sexual. Se tem um problema, trata-se”, afirmou o psicólogo, aconselhando os ouvintes a dizerem “não” a estas “patologias sociais”.

Numa entrevista à revista feminina Happy Woman, em 2014, afirmou: “Fazer sexo com animais aumenta a ligação entre o ser humano e a natureza. Pelo que está claro que não devemos considerar a zoofilia uma perversão, mas sim uma celebração das nossas origens. No fundo somos todos animais”.