Foi numa sala cheia da Alfândega do Porto que o dia do Porto Tech Hub (PTH) começou. Logo pela manhã, as primeiras palestras foram das mais concorridas, numa edição que contou com mais de 800 pessoas, segundo números da organização. Entre os participantes que vinham sozinhos ou acompanhados, não faltaram computadores, telemóveis e os mais variados dispositivos móveis — quase como fiéis instrumentos de trabalho e lazer, indispensáveis para fazer um tweet, escrever uma linha de código ou tirar uma fotografia.

Numa plateia maioritariamente masculina, muitos usavam t-shirts com os logótipos das empresas que representavam. Qual mancha encarnada ou azul, moviam-se em grupo e escutavam atentamente o que se passava em palco. “Este ano tentamos diversificar e ter dois tipos de público: um mais leigo e não tão técnico e outro mais geek, que quer ouvir falar de código e de inovação ao nível de segurança”, explica Paula Gomes da Costa, presidente da associação Porto Tech Hub, ao Observador.

A associação que dá nome à conferência foi fundada pelas empresas Farfetch (comércio eletrónico de marcas de luxo), Blip (direcionada para aplicações web) e Critical Software (desenvolvimento de sistemas de informação). A estas juntaram-se entretanto mais 14 empresas portuguesas.

Apesar da diversidade dos setores das empresas, o evento que tem como objetivo posicionar o Porto na rota da tecnologia, ainda não atingiu uma igual proporção entre o sexo feminino e masculino, nem nas faixas etárias – a maioria dos participantes são jovens adultos. A justificação está no próprio mercado de trabalho.

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“Não há tantas mulheres como homens na área das novas tecnologias e em Portugal, infelizmente isso ainda se nota”, diz a presidente do PTH.

Mais homens do que mulheres participaram no Porto Tech Hub. © André Henriques/Porto Tech Hub

O número de alunas que escolhem cursos superiores vocacionados para tecnologia ainda é reduzido quando comparado com os colegas rapazes. Porém, já foi pior: “Quando amigos meus entraram na faculdade havia duas ou três raparigas. Hoje, a percentagem é de cerca de 30% mulheres. Mas os resultados só se vão manifestar daqui a cinco anos”, afirma Paula Gomes da Costa.

Mais do que uma conferência, uma troca de ideias

Depois das boas-vindas da secretária de Estado da Indústria, Ana Lehmann, aos participantes, a primeira palestra estava reservada a David Carvalhão, um português que tem ajudado várias startups a dar o próximo salto, ou melhor, a serem bem-sucedidas no mercado, através da empresa Vigil365. Num palco que se assemelhava a uma passerelle – não fosse a Alfândega, a “casa” do Portugal Fashion nas últimas edições – quatro ecrãs gigantes e um orador em pé vaticinavam as suas opiniões, reflexões e conhecimentos. David deu o mote e poderá ter assustado alguns: “O teu computador vai usar-te” era o título da intervenção.

De uma Revolução Industrial que começou a automatizar os processos laborais até à futura dependência face às máquinas, aos robôs e aos computadores para várias (senão todas as) práticas do dia-a-dia vão muitos anos de espera. No entanto, David Carvalhão acredita que a novidade não chegará sem causar estragos.

“A nossa sociedade não está pronta para isto”. Mais do que conselhos práticos, o orador preferiu concentrar-se nas questões éticas que poderão advir destes processos de mudança. “Como será a nossa identidade social quando a tecnologia se expandir e tiver capacidade humana?”, questionou.

O cenário do filme “Matrix” não ficaria totalmente descabido deste futuro dominado por inteligência artificial, onde o humano ficaria todo o dia a apanhar sol, enquanto a máquina trabalhava por si. Mas os ânimos foram resfriados e seguiu-se Ricardo Costa, professor universitário e perito em cibersegurança. A maior reflexão da sua palestra? A forma como nos autenticamos em algumas plataformas, apenas com o username e um login estão muito ultrapassadas.

E nem o reconhecimento facial — o novo iPhone X permite esta técnica — ou de um dos polegares será suficiente para travar os hackers (piratas informáticos). Há quem já tenha conseguido copiar sem erros a íris do olho de Angela Merkel, chanceler alemã, através de um cartaz de propaganda. Isto tudo porque “estamos constantemente a validar-nos”, diz Ricardo Costa.

Linhas de código, para que vos quero

As “casas inteligentes”, onde ligamos/desligamos a luz de uma divisão através do smartphone ou com um despertador que nos faz café assim que o alarme toca, podem parecer quase inacessíveis, mas o futuro é imprevisível e a tecnologia também. Beniamino Guida, investigador universitário e presidente executivo da startup Aeromechs, mostrou que o conceito de “Internet das Coisas” (vários objetos que comunicam entre si e armazenam dados) “é apenas a ponta do iceberg” do que está para vir.

Beniamino Guida apresentou o conceito de “Internet das Coisas”. © André Henriques/Porto Tech Hub

Para quem se lembrar da série de desenhos animados “Os Jetsons”, onde a cidade, as casas e os carros eram automatizados e a família vivia pacificamente num ambiente de era espacial, poderá ter uma antevisão do que a “Internet das Coisas” poderia permitir no futuro. Beniamino prevê que, em 2020, 50 biliões de dispositivos estarão conectados entre si, ou seja, a efetuar tarefas juntos e com reduzida intervenção humana.

No entanto, apesar de aparentemente idílico, nem todos preferiram antever os próximos tempos de forma tão drástica. As palestras mais técnicas e com ensinamentos de código de programação informática tiveram significativa adesão. Fosse com Simona Cotin, programador da Google, ou Benjamin Fuentes da IBM, vários participantes aproveitavam para ligarem os seus computadores Apple e escreverem algumas linhas de código.

“É expectável que venham ao Porto Tech Hub, empresas conhecer outras empresas e fazer contactos. Também é normal que venha o programador que está todo o dia de auscultadores a escrever código e discutir ideias com outro programador”, adianta a presidente do PTH.

Depois de passar pelo Teatro Rivoli, pelo Hard Club, o Porto Tech Hub encontrou poiso na Alfândega do Porto na terceira edição. Tudo indica que haja uma próxima para o ano.