O modelo foi inovador. Uma sala do pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, uma mesa oval com oradores e jornalistas, Santana Lopes à cabeça. Em cima da mesa, um livrinho em formato A5 com 221 propostas para o país que vão servir de base ao programa que, caso vença a corrida interna, Santana Lopes vai apresentar ao PSD como proposta de programa eleitoral. Ainda nada é definitivo, como realçou várias vezes o candidato, mas todas as 221 medidas do “Portugal em Ideias” são vinculadas ao candidato. Uma delas, que aparece apenas referida em contornos gerais, é a abertura de Santana para a realização de um referendo à despenalização da eutanásia, ainda que não concorde com ela.

“Eu sou católico de formação e crente, sabem qual é a posição da religião que professo”, começou por dizer Santana Lopes na sequência de um apelo feito há dias pelo ex-líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, para que os candidatos à liderança esclarecessem qual era a sua posição sobre a realização de um referendo sobre o tema fraturante. Mas logo a seguir daria um passo em frente, no sentido da realização do referendo. “Não me choca nem tenho nenhuma posição de repúdio por essa proposta. No entanto, a minha posição de princípio é a defesa da luta pela vida”, disse.

A questão é relevante uma vez que vai dominar a agenda parlamentar no primeiro trimestre de 2018, numa altura em que o PSD já vai ter um novo líder, seja Santana Lopes seja Rui Rio. Em cima da mesa vai estar um projeto de lei do Bloco de Esquerda para legalizar a eutanásia e o suicídio assistido, assim como iniciativas já conhecidas do PAN e d’Os Verdes. Pedro Passos Coelho, que admite o cenário de referendo, já tinha decidido dar liberdade de voto aos deputados sobre esta matéria, mas chegou mesmo a apelar à coragem dos deputados para terem, individualmente, uma posição oficial sobre o tema. A posição de Rui Rio é conhecida, sendo a favor da despenalização da eutanásia, e tendo mesmo assinado uma petição nesse sentido.

A mesa oval com a inscrição do lema da candidatura serviu para falar de vários outros temas — pelo menos em linhas gerais. Numa palavra, Santana resumiria a proposta de programa em “inovação“, e passaria a palavra aos oradores destacados para falar de cada eixo específico. Até porque, defendeu Santana, “os líderes partidários não devem falar todos os dias e todas as semanas, devem ser constituídos líderes por áreas específicas”.

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Consensos com PS: só na próxima legislatura

Consensos, sim; acordos de regime, sim. Tanto na área fiscal como na Segurança Social, na descentralização, na revisão constitucional ou nas grandes obras públicas (tal como apelou o primeiro-ministro António Costa). Santana Lopes defende tudo isso, mas não já. “A parte final da legislatura é sempre má conselheira”. Portanto, só a partir da próxima legislatura, em 2019.

“Estamos a pouco mais de ano e meio de legislativas, nunca é boa altura para a celebração desses acordos, depois com a nova legislatura veremos”, disse. Uma eventual revisão constitucional, que é defendida pelo candidato, nomeadamente sobre a reforma do sistema político, nunca será, portanto, para o médio prazo. “Acho muito difícil nesta fase”, disse. E acrescentou: “Oxalá houvesse ambiente político nacional para fazermos estas reformas. Mas os líderes partidários devem saber quando é melhor para o país que os acordos sejam levados a cabo”.

Reforma do sistema político e financiamento privado dos partidos

“Atendendo ao afastamento crescente entre os partidos políticos e os cidadãos com implicações negativas para o próprio sistema democrático, é urgente iniciar um processo de reflexão sobre o nosso sistema político e possíveis reformas para o aperfeiçoar (…) Os cidadãos devem fazer parte do sistema político e contribuir para o seu desenvolvimento”. É isto que se lê no capítulo da proposta de programa dedicado ao tema da reforma do sistema político, mas Santana Lopes explicaria melhor: defende um sistema eleitoral baseado em círculos uninominais, onde a proporcionalidade pode ser conseguida através de círculos regionais, em vez do habitual círculo nacional, mas em todo o caso, a discussão não se pode pôr já em cima da mesa.

Mais uma vez, Santana realçou que qualquer reforma deste nível não pode ser feita nesta legislatura, que já está a caminhar para o fim — em 2019.

Ainda sobre o sistema político, Santana defendeu o financiamento privado dos partidos, a par da subvenção pública. Na proposta de programa lê-se especificamente que deve haver uma “desoneração progressiva do Estado com o financiamento dos partidos”, devendo haver “regras claras e transparentes” de como os donativos privados devem ser feitos aos partidos e às candidaturas. O lema é “menos Estado, melhor Estado”, com Santana a sublinhar que quem defende apenas financiamento público é porque parte do pressuposto de que as pessoas são “mal formadas e têm má índole”. “O Estado deve fazer essa ponderação”, disse.

“Ousadia” na política fiscal: prioridade ao IRC

Um crescimento económico que supere a meta dos 3% é o objetivo final, mas para isso Santana quer “ousadia” na política fiscal. O primeiro passo, explicou, vai ser o IRC. “Para já quero concentrar-me no IRC, é aquele que eu assumo. Não vou sacrificar tudo ao investimento, mas a criação de condições de confiança para o investimento é ponto essencial deste programa”, defendeu, sublinhando, num registo semelhante ao do ainda líder do PSD, Pedro Passos Coelho, que o país ganhará mais com a criação de emprego gerada pelo investimento do que com algumas devoluções de rendimentos.

Para isso, Santana defende benefícios fiscais em sede de IRC para todas as empresas que exportarem mais, que forem mais amigas do ambiente ou que se fixarem no interior do país com vista ao combate à desertificação do interior.

“Criar uma política fiscal atrativa para o investimento e fixação de empresas, com incidência especial no IRC, por forma a captar investimento estrangeiro e a contrariar o êxodo de grandes grupos económicos portugueses para outros países da Europa na procura de condições fi scais mais vantajosas. Nesse âmbito, a taxa de IRC deve ser reduzida para as empresas que exportam mais, que são mais inovadoras, que empregam mais, que são mais amigas do ambiente, que se fixam e investem em zonas mais despovoadas”, lê-se neste ponto do programa.

Santana Lopes manifestou-se também contra qualquer alteração à legislação laboral aprovada pelo anterior Governo do PSD/CDS, relacionando as alterações legislativas de 2012 com a acentuada queda do desemprego que se veio a verificar a partir daí. “A reforma de 2012 foi feita e o desemprego baixou desde aí significativamente, por um conjunto de fatores conjunturais, claro, mas é importante que essa reforma não seja mexida”, disse, defendendo o legado de Passos Coelho.

Em matéria de Segurança Social, a proposta de programa aponta para a necessidade de “reformar os sistemas contributivos de proteção social”, com o candidato à liderança do PSD a considerar que manter a sustentabilidade do sistema “é dos maiores desafios que se coloca a quem governa”. “Em Portugal, qualquer hipótese de debate de algum sistema complementar ao sistema público de previdência ganha logo uma carga ideológica nociva a bons resultados”, lamentou, apontando outros países europeus onde os cidadãos descontam, de forma facultativa ou obrigatória, para sistemas privados de Segurança Social, sem deixarem de dar primazia ao sistema público.

A “elevação” do debate: o sobe e desce, e o exemplo de Costa

Numa altura em que, com a aproximação da época festiva, sobram poucos dias para fazer campanha interna até 13 de janeiro, Santana Lopes não se poupou em críticas veladas ao adversário, Rui Rio, que este domingo deu uma entrevista ao Diário de Notícias e TSF a criticar as “trapalhadas” de Santana semelhantes às de 2004. Santana não se ficou.

Enquanto uns baixam o nível no que dizem e no que fazem, nós subimos. Apresentamos aqui, hoje, o que tínhamos dito que íamos apresentar, e apresentamos no dia em que anunciámos e com a preocupação de conteúdo mobilizador que dissemos que íamos ter”, afirmou, admitindo depois que por vezes dá por si a pesquisar na internet como era a “elevação” (ou não) das anteriores campanhas internas nos partidos.

Questionado sobre se conseguirá “unir o partido”, como diz o lema da sua candidatura, depois de uma campanha interna com trocas de acusações tão duras, Santana deixou escapar que em “comparação com outras”, esta campanha nem está a ser assim tão dura ao nível das acusações. “Não nos devemos guiar por maus exemplos, claro, mas…”, disse, explicando que se estava a referir particularmente à anterior campanha do Partido Socialista, entre António Costa e António José Seguro que teve “um elevado tom de acusações”. Ou seja, Costa serve de exemplo a Santana para dar nota de que uma campanha interna dura não conduz necessariamente a um partido desunido no final.

Com o calendário a apertar, e ainda sem acordo à vista para a realização de debates entre os dois candidatos, Santana Lopes afirmou que já tem a sua moção de estratégia global “praticamente pronta”. O prazo para os candidatos à liderança entregarem as moções ao presidente da mesa do congresso é dia 2 de janeiro, mas Santana diz que podia apresentá-la “já para a semana”. Só não o fará, diz, porque se mete o Natal e a passagem de ano. De qualquer forma, o tempo já não é muito: as eleições para escolher o sucessor de Passos Coelho são dia 13 de janeiro, e o congresso será em Lisboa entre 16 e 18 de fevereiro.