Agarremos no exemplo da Liga das Nações, a mais recente prova de futebol de seleções da UEFA (que muita gente ainda não percebeu ao certo como será, mas aqui fica a explicação): há quatro ligas, cada um com três ou quatro grupos, e no final teremos por certo mais do que uma equipa em festa (por objetivos distintos), seja ela Portugal, Alemanha e Espanha ou Bielorrússia, Macedónia e Azerbaijão. É assim, com o espirito olímpico da ocasião, que devemos enquadrar a prova de 15km de esqui cross-country, que se realizou esta manhã (hora portuguesa) em PyeongChang, na Coreia do Sul.

15 minutos depois do primeiro classificado ter cortado a linha da meta, 110 atletas já tinham concluído a sua prova e havia ainda três que já estavam fora (o italiano Dietmar Nöckler e o espanhol Martí Vigo del Arco tinham desistido, a que se juntou o desqualificado Wang Quiang, da China). Quantos faltavam? Cinco. E durante dez minutos, foram os protagonistas daquilo que hoje entendemos como principal símbolo do espírito olímpico. Entre eles estava o português Kequyen Lam.

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O luso-macaense radicado no Canadá e com uma história de vida de superação que é um exemplo terminou a competição no 113.º lugar com o tempo de 54.34,1, a quase 21 minutos do vencedor, sendo o segundo do supracitado grupo atrás do equatoriano Klaus Jungbluth. Seguiram-se Pita Taufatofua, do Tonga; Sebastián Uprimny, da Colômbia; e German Madrazo, do México. E com uma particularidade: quando o último cortou a meta, os restantes quatro esperavam em clima de festa pelo companheiro, seguindo-se uma série de abraços pelo objetivo cumprido de chegarem ao fim da prova.

No caso de Kequyen, e passando ao lado do chavão das “vitórias morais”, a verdade é que o atleta nacional teve no terminar da competição a sua “medalha”. Aos 38 anos, o farmacêutico que passou a ter nacionalidade portuguesa em 2006 depois de uma vida que dava um filme (os pais, chineses, viviam no Vietname, tiveram de fugir de barco para Macau durante a guerra, estiveram num centro de acolhimento para refugiados e mudaram-se depois para o Canadá) teve de adaptar-se a todas as diferenças entre o snowboard, modalidade em que sempre competiu, e o esqui de fundo, para onde se mudou a partir de 2015 com o sonho de chegar aos Jogos Olímpicos de Inverno. Conseguiu. E, mesmo ficando longe de melhorar os resultados de Danny Silva em 2006 (Torino) e 2010 (Vancouver), marcou presença num momento que não passou ao lado.

Todos acabaram por fazer a “sua” história. Jungbluth, um estudante de Psicologia na Universidade de Sunshine Coast, na Austrália (depois de já ter tirado bacharelatos e mestrados em Fisioterapia e Fisiologia em Praga e Trondheim, onde passou a gostar dos desportos de neve), foi o primeiro e único representante do Equador em PyeongChang depois de ter tomado a iniciativa de criar uma Federação de Esqui no país com a ajuda do Comité Olímpico nacional. Madrazo, um empresário mexicano radicado nos Estados Unidos que está habituado a fazer provas de Ironman, decidiu arriscar uma aventura no esqui de fundo depois de ler um artigo onde se dizia que era a modalidade mais difícil de todas. Afinal, mesmo acabando em último, ele é o atleta que aprendeu a esquiar aos 42 anos, como destaca o El País. Depois, há Pita Taufatofua.

O atleta do Tonga que deu nas vistas nos Jogos Olímpicos de Verão do Rio de Janeiro, em 2016, por ter entrado na cerimónia de abertura de tronco nu, trocou o taekwondo pelo esqui de fundo e ganhou o desafio, sendo um dos atletas mais mediáticos na Coreia do Sul por ter voltado a desfilar quase sem roupa… numa temperatura com dois graus negativos. E numa reportagem feita pela BBC, já tinha deixado uma promessa: não desistir, por mais que lhe custasse. Cumpriu, na íntegra.

PyeongChang. Atleta de Tonga novamente em tronco nu na cerimónia de abertura dos Jogos

“Como é que cheguei aqui? Rezei muito. Foi um milagre ter conseguido a qualificação com tão pouco tempo de trabalho. Acordava às quatro da manhã, colocava os esquis e ia treinar com muita gente a apoiar-me. Não posso desiludir essas pessoas. Sei que nunca vou ganhar, mas 12 semanas depois de ter pela primeira vez estado na neve cheguei aqui e faço isto porque quero que a minha história sirva de inspiração, nas coisas boas e nas coisas más para que percebam que não tenho uma vida perfeita”, assumiu, completando: “Todas as corridas são uma luta. Em todas as corridas quero desistir, quero parar na primeira volta, mas acabo sempre por terminar”. Mais uma vez, essa capacidade de superação ganhou ao resto.

Dario Cologna foi o grande vencedor da prova de 15km livres de esqui cross country, somando mais um ouro aos três que já tinha de 2010, em Vancouver, e de 2014, em Sochi, onde venceu também nos 30km skiathlon. O suíço concluiu o percurso em 33.43,9, à frente do norueguês Simen Hegstad Krüger (34.02,2) e do russo Denis Spitsov (34.06,9). Os também noruegueses Martin Johnsrud Sundby e Hans Christer Holund, apontados como candidatos ao pódio, ficaram no quarto e sexto lugares, respectivamente. Arthur Hanse, o outro português na Coreia do Sul, vai competir no slalom e no slalom gigante.