“O último sítio da Terra onde eu quereria ir.” Donald Trump, muito antes de sonhar que um dia seria Presidente dos Estados Unidos escreveu que a Coreia do Norte seria o último lugar da terra onde gostaria de ir. A afirmação, no Twitter, surgia a propósito de Dennis Rodman, a antiga estrela da NBA que visitara Pyongyang. Rodman dizia na altura que Trump queria estar ali, no país de Kim Jong-un, com ele. “Maluco Dennis Rodman”, escreveu Trump. E a conversa ficou por ali.

Quatro anos depois deste tweet, é com espanto que o mundo inteiro assiste ao anúncio de um encontro entre os dois líderes. A surpresa não tem a ver com aquela publicação de 2014, da qual já ninguém se lembra. A questão é que não há outros dois chefes de Estado que tenham trocado um rol tão extenso de insultos públicos como fizeram Trump e Kim Jong-un nos últimos meses.

“Maníaco”. “Mentalmente instável”. “Tirano”. “Velho senil”. “Gordo e baixo”. “Rocket man“. Insano. Estes são só alguns dos adjectivos escolhidos quer por Trump quer por Kim Jong-un para se brindarem um ao outro. A guerra de palavras não é bonita, mas por si só não seria suficiente para pôr as Nações Unidas de sobreaviso. À escala de animosidade juntaram-se testes nucleares, mísseis balísticos, exercícios militares à porta de casa do inimigo e muitas ameaças de destruição total.

[Veja no vídeo os insultos que Donald Trump e Kim Jong-un trocaram nos últimos meses]

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Como é que tudo começou? A viagem no tempo começa na campanha presidencial norte-americana, em 2016, quando a comunidade internacional ainda não acreditava que o próximo ocupante da Casa Branca ia ser um homem.

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“Maníaco.” Foi assim, durante um discurso em Ottumwa, em janeiro de 2016, que Trump se referiu ao líder da Coreia do Norte. No mês seguinte, num programa da CBS dizia que o norte-coreano era um tipo mau e que não devia ser subestimado. O tempo passou e as eleições norte-americanas aconteceram. Trump foi eleito.

Andrew Harrer-Pool/Getty Images

A 2 de janeiro de 2017, dias antes da tomada de posse, Donald Trump afirmava que a Coreia do Norte nunca iria conseguir desenvolver uma arma nuclear capaz de alcançar o território americano. “Nunca vai acontecer.” Esta era a sua resposta ao discurso de ano novo de Kim Jong-un e à sua promessa de lançar o seu primeiro míssil anticontintental.

Apesar de a obsessão de Kim Jong-un de tornar a Coreia do Norte uma potência nuclear tenha ganho novo ânimo com a chegada de Trump ao poder, a sua primeira mostra de força acontecera em 2006. Depois desse primeiro teste, os ensaios nucleares sucederam-se. Em 2017, já com Trump na presidência, a Coreia do Norte faria o sexto e mais potente teste nuclear até então.

Mas um passo de cada vez. Em fevereiro de 2017, com Trump acabado de instalar-se na Casa Branca, Kim Jong-Un lança um míssil balístico em direção ao mar do Japão. A mais importante reacção não foi dos Estados Unidos mas da União Europeia que impôs sanções ao regime quer às importações quer às exportações. As missões diplomáticas de Pyongyang foram ainda proibidas de ter contas bancárias na região.

Donald Trump e Kim Jong-un vão reunir-se em maio para cimeira nuclear

As ameaças de nada serviram e os testes continuaram. No início de março, Pyongyang lança novos quatro mísseis balísticos e afirma tratar-se de um exercício para atingir as bases norte-americanas no Japão. A resposta da administração de Trump chega em Abril. São enviados porta-aviões e tropas para as bases que os EUA têm na região. O Pentágono justifica: os exercícios militares são uma “medida prudente para manter a disposição e a presença no Pacífico”.

Não demora muito até que surja um novo pico de tensão. Em maio, a Coreia lança novo míssil, o mais potente até ao momento: antes de desaparecer em águas japonesas, percorre 700 quilómetros. Os analistas acreditam que a sua capacidade de alcance chegará aos 4500 quilómetros.

Novo mês, novo míssil. Julho começa com um projétil norte-coreano a percorrer 930 quilómetros. A sua capacidade de alcance é cada vez maior (6700 quilómetros) e os analistas consideram que este poderia chegar ao Alasca. Trump reage. No Twitter — onde mais? “A Coreia do Norte lançou outro míssil. Este tipo não tem nada melhor para fazer com a sua vida?”

Era o início de um verão quente e inquietante. O pior, muito pior, ainda estava para vir. A 28 de julho de 2017, Pyongyang lança um míssil com alcance dez mil quilómetros. Qual a importância deste lançamento? Que poderia facilmente atingir os Estados Unidos.

“Fogo e fúria como o mundo nunca viu”

Agosto foi o mês em que a comunidade internacional começou realmente a temer pelo futuro. A resposta do Presidente dos Estados Unidos foi icónica e acabaria por ser também o título da sua biografia, escrita por Michael Wolff. “É melhor a Coreia do Norte não fazer mais ameaças aos Estados Unidos. Eles terão como resposta fogo e fúria como o mundo nunca viu.”

Começam aqui as ameaças militares com um novo nível de agressividade. Pyongyang responde ao aviso com outro aviso: um ataque que envolveria em fogo a ilha de Guam, território norte-americano onde se situa uma importante base naval do Pacífico. Dali, nos últimos meses, e em jeito de demonstração de força, saíram vários aviões norte-americanos para sobrevoar a Península Coreana.

A bola está do lado da Coreia do Norte que, obviamente, responde em tom balístico. “Será que apenas os EUA têm uma opção chamada guerra preventiva? É um sonho para os EUA pensar que o seu continente é um reino celestial invulnerável.”

O ataque a Guam nunca aconteceria e, pela primeira vez em vários meses, Donald Trump dirige palavras a Kim Jong-Un que não são insultuosas. Estávamos a 16 de agosto. “Kim Jong-un tomou uma decisão sábia bem fundamentada. A alternativa seria catastrófica e inaceitável.”

Isso mudou alguma coisa? Nada. A loucura e o sabor a guerra iminente intensificam-se no final de agosto. No dia 26, são disparados três mísseis balísticos de curto alcance, três dias depois um míssil norte-coreano terá sobrevoado o Japão antes de desaparecer no Pacífico. Um novo recorde: 2700 quilómetros percorridos.

“Todas as opções estão sobre a mesa”

Será agora que o homem mais poderoso do mundo vai pôr água na fervura e tentar avançar para a diplomacia? “O mundo percebeu claramente a última mensagem da Coreia do Norte: este regime demonstrou o seu desprezo pelos vizinhos, por todos os membros das Nações Unidas e pelos padrões mínimos de comportamento diplomático aceitável”, escreve o Presidente dos Estados Unidos em comunicado. A última frase é de gelar a espinha: “Todas as opções estão sobre a mesa.”

Neste momento, já é difícil acreditar que o pingue-pongue termine. Ambos os lados parecem incansáveis. “O meu país tem todas as razões para responder com contramedidas firmes, exercendo o seu direito à autodefesa”, diz, nas Nações Unidas, o embaixador da Coreia do Norte na ONU. Pyongyang “continuará a reforçar as suas capacidades de defesa com o poder nuclear enquanto os Estados Unidos mantiverem a sua ameaça nuclear e as manobras militares. Os Estados Unidos devem ser responsabilizados pelas consequências catastróficas que daí decorrerão.”

TOSHIFUMI KITAMURA/AFP/Getty Images

Por esta altura, já muita da imprensa internacional tem analistas a comentar a possibilidade uma Terceira Guerra Mundial e todas as consequências que poderiam advir de um confronto bélico entre as duas nações são analisadas por comentadores e opinion makers.

Tentando acalmar os ânimos, o general norte-americano Joseph Dunford faz um périplo pelos países aliados da Ásia e garante que os Estados Unidos só usarão a força se a diplomacia falhar.

É agora que as coisas vão acalmar? Não. O que acontece é exatamente o contrário. Chegamos a setembro e a Coreia do Norte faz o seu sexto ensaio atómico, o mais poderoso de todos os que o antecederam.

“Kim Jong-un está a implorar por uma guerra”

A discussão está agora nas Nações Unidas. A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas pede ao Conselho de Segurança da ONU que adote as medidas mais fortes possíveis. “Já chega!”, diz Nikki Haley. “Kim Jong-un está a implorar por uma guerra.”, enfatiza a embaixadora, acrescentando de seguida: “Guerra é algo que os Estados Unidos nunca querem. Nós não queremos. Mas a nossa paciência tem limites“, defende a embaixadora. “Apesar dos nossos esforços, o programa nuclear da Coreia do Norte está mais avançado e perigoso do que nunca.”

Quando tempo demora até a Coreia do Norte lançar novas achas para a fogueira? Dois dias. “As recentes medidas de autodefesa do meu país são um presente dirigido apenas aos Estados Unidos. Eles vão receber mais presentes do meu país caso mantenham as provocações imprudentes e as inúteis tentativas de pressionar a Coreia do Norte”, disse o embaixador norte-coreano das Nações Unidas, Han Tae-Song.

Ok. Tudo parece estar perdido. A guerra está iminente. Ou não está? Pelo sim, pelo não, os Estados Unidos impõe novas sanções à Coreia do Norte e o comércio entre os dois países fica restringido a quase nada. E os bombardeiros norte-americanos são enviados por Trump para sobrevoar a zona desmilitarizada entre as duas Coreias.

“Rocket Man está numa missão suicida”

O que é que falta para tudo pegar fogo? Um ameaça de destruição total. Quem a faz? Donald Trump. O palco escolhido? A Assembleia das Nações Unidas onde, a 19 de setembro, faz o seu primeiro discurso de sempre. “Os Estados Unidos têm grande força e paciência, mas se forem forçados a defenderem-se ou aos seus aliados, não teremos escolha senão destruir totalmente a Coreia do Norte. O Rocket Man está numa missão suicida, para si e para o seu regime.”

Com isto, Trump conseguiu algo de inédito. Uma resposta de Kim Jong-un em pessoa, um longo comunicado, que o próprio leu durante uma transmissão televisão. Desde o início da guerra diplomática, as respostas do lado norte-coreano chegavam sempre através de ministros ou de outros altos responsáveis do seu regime. Por vezes, eram simplesmente lidas por uma pivot na televisão estatal. Mas desta vez, é Kim Jong-un quem está nos ecrãs televisivos para atacar Trump como nunca. É nesta declaração que o intitula de dotard — o termo que lançou o caos nas redes sociais, porque ninguém sabia o que queria dizer. Veio a descobrir-se rapidamente: velho senil.

Nas palavras do líder da Coreia do Norte, Donald Trump é um “criminoso e um gangster que gosta de brincar com o fogo”, é “impróprio para se manter ao comando supremo de um país”, é um “velho senil mentalmente perturbado” e ele, Kim, fará tudo para que  “o homem à frente do comando supremo nos Estados Unidos pague caro pelo discurso onde pediu a destruição total da Coreia do Norte”.

“Agora que Trump negou a existência e me insultou a mim e ao meu país nos olhos do mundo e fez a declaração mais feroz de guerra na história (…) consideraremos com seriedade responder com o mais alto nível de contramedida.”

Horas depois, a resposta de Trump no sítio do costume e em menos de 140 caracteres: Kim Jong-Un “é obviamente um louco” e será testado como nunca foi até então.

O verão acabou e outubro e novembro não trazem grandes novidades porque por esta altura o mundo já viu e ouviu de tudo. Pyongyang volta a ameaçar atacar Guam porque os Estados Unidos e a Coreia do Sul andam a fazer exercícios navais conjuntos na península. Trump tenta reunir apoio global para travar o programa nuclear da Coreia do Norte e visita a Ásia durante cinco dias.

Velho lunático versus baixo e gordo

No seu discurso na Coreia do Sul chama tirano a Kim Jong-un. Ele responde que Trump é um velho lunático.

Por esta altura os argumentos e os insultos estão ao nível de uma discussão de liceu e todos os apresentadores de late night shows norte-americanos andam de olho no que é dito. Ou melhor, no que é twitado. E não é para menos. A resposta de Trump a este novo insulto ganha novos contornos de loucura. “Porque é que Kim Jong-Un me insulta, chamando-me velho, quando eu nunca o chamaria de baixo e gordo? Bom, eu tentei ser seu amigo — e talvez um dia aconteça.”

O fim de 2017 aproxima-se e para o início de 2018 Kim tem preparada uma mensagem de ano novo muito especial e que levará à discussão sobre quem tem o maior e melhor botão nuclear.

“Alcançámos o objectivo de completar o estado de força nuclear em 2017”, diz o líder norte-coreano. “Precisamos de produzir em massa ogivas nucleares e mísseis balísticos e acelerar a mobilização das armas. (…) Os EUA devem sabem que o botão para as armas nucleares está na minha secretária. Isto não é chantagem, é a realidade”, argumenta. “Toda a área continental dos Estados Unidos está dentro do alcance dos nossos ataques nucleares”, por isso, “nunca poderão começar uma guerra contra mim e contra o nosso país”. Mas adverte: como líder de uma nação responsável, as  armas só serão usadas se a segurança do seu regime for ameaçada.

A resposta de Trump? “O líder norte-coreano Kim Jong-un acabou de dizer que o ‘Botão Nuclear está sempre na sua secretaria’. Pode alguém do seu regime destruído e esfomeado dizer-lhe que eu também tenho um botão nuclear, mas o meu é muito maior e mais poderoso que o dele. E o meu botão funciona!”

JUNG YEON-JE/AFP/Getty Images

Quando tudo parece descarrilhado para sempre, entrámos em janeiro e alguma coisa parece começar a mudar. Para melhor. Numa entrevista ao The Wall Street Journal, Trump diz acreditar que desenvolveu uma relação positiva com o norte-coreano, apesar dos insultos públicos que atiram um ao outro. “Eu provavelmente tenho uma relação muito boa com Kim Jong-un.”

A boa notícia seguinte chega em fevereiro quando a linha de comunicação entre as duas Coreias é reaberta e dois responsáveis falam ao telefone durante alguns minutos. Estava fechada há dois anos por iniciativa de Pyongyang. O resultado imediato é uma aproximação diplomática entre as duas Coreias com efeitos visíveis durante os Jogos Olímpicos de Inverno.

Trump aproveita o balanço e diz que também quer conversar. “Queremos conversar também mas apenas nas condições certas. Caso contrário, não estamos a conversar”.

E assim chegamos a março, com as Coreias a fazerem o que parece ser um esforço sério de diplomacia. Há dois dias, Trump escrevia no Twitter: “Estão a ser feitos possíveis progressos nas conversações com a Coreia do Norte. Pela primeira vez em vários anos, todas as partes interessadas estão a fazer um esforço sério. O mundo está a ver e à espera! Talvez seja uma falsa esperança, mas os EUA estão preparados para ir em força na direcção certa.”

Na madrugada de quinta para sexta-feira, o mundo ficou a saber que Donald Trump aceitou encontrar-se com Kim Jong-un em maio, para discutir a desnuclearização da Coreia do Norte. Até lá, mantém-se as sanções e não poderão haver testes de mísseis. Será desta? Como disse Trump, o mundo está a ver. E está à espera.