Assunção Cristas, prémio “Adelaide Ferreira no papel principal”

“Quem perdeu, foste tu só tu e nunca eu. Afinal, hoje o papel principal é meu, e só meu”.

Assim canta Adelaide Ferreira, e, se não fosse uma balada tão melancólica e dramática, poderia muito bem ser a canção perfeita para Assunção Cristas. Mas Cristas é mais adepta de Shawn Mendes. Depois de ter sido eleita presidente do CDS há dois anos, com muita gente reticente, Assunção sai do congresso de Lamego com a liderança consolidada. A imagem do encerramento do Congresso é disso prova: depois de chamados todos os dirigentes ao palco, um a um, o speaker anuncia a entrada da “presidente do partido e próxima primeira-ministra de Portugal”. E Cristas aparece: vinda do fundo da sala, vestida de cor de rosa literalmente dos pés à cabeça, ao som de uma música muito pouco conservadora. “There’s Nothing Holding Me Back”, de Shawn Mendes. A sala rebenta em aplausos e bandeiras ao alto.

A frieza dos números, contudo, diz que perdeu algum gás. Há dois anos, a direção de Cristas obteve 95,59% dos votos no Congresso de Gondomar, quando sucedeu a Paulo Portas. Já este domingo em Lamego, também como candidata única, a líder perdeu mais de seis pontos percentuais: obteve 89,26% dos votos (o que significa que existiram 10,74% de votos brancos). No Conselho Nacional,  Cristas também perdeu três conselheiros, mais por culpa da entrada de uma tendência nas contas do que por crescimento do seu crítico Filipe Lobo d’Ávila, que também perdeu três conselheiros.

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[Veja aqui o best of do Carpool com Assunção Cristas]

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Em todo o caso, Cristas deixou bem claro que quer ficar com o papel principal na oposição ao governo das esquerdas. E empurrou Rui Rio para um canto secundário. “Nós é que temos liderado a oposição no Parlamento”, diria. “Quem não quer o PS só tem uma escolha: nós”, repetiria. “Quero ser a primeira escolha”, insistiria. E não saiu do mesmo. Só faltou mesmo citar Adelaide Ferreira. Valeu Francisco “Chicão” Rodrigues dos Santos, que citou Rute Marlene para dizer que o PSD olha para a esquerda e para a direita e “pisca, pisca”. Mas bom, não é bem a mesma coisa.

Adolfo Mesquita Nunes, prémio “Espelho meu, Espelho meu”

“Espelho meu, espelho meu, há alguém mais liberal que eu?”. A brincadeira evocativa da bruxa da Branca de Neve foi feita pelo deputado António Carlos Monteiro, mas onde se lê liberal deve ler-se democrata-cristão. O propósito era fazer ver aos congressistas que, ao contrário do que se dizia por aí, o pragmatismo de Cristas não leva ao esquecimento da orientação democrata-cristã do partido. A dicotomia pragmatismo/ideologia esteve presente em todo o congresso, com Adolfo Mesquita Nunes a representar a ala pragmática e liberal em contraponto com os tradicionalistas — embora tenha sublinhado que “não há duas linhas no CDS” e que o CDS é “a grande casa da direita”, onde liberais e democratas-cristãos convivem perfeitamente.

[Veja aqui o best of do Carpool com Adolfo Mesquita Nunes]

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A verdade é que Adolfo — para os amigos –, é o espelho de Assunção Cristas. Vice-presidente do partido e agora coordenador do grupo que vai desenhar o programa eleitoral do CDS, é um dos mais próximos conselheiros de Assunção Cristas, e ajudante no que toca à elaboração dos discursos.

No final do Congresso, quando já todos abandonavam a sala, foi ver Adolfo subir ao palco (já vazio) e erguer o telemóvel com a câmara frontal à altura do rosto. Esteve nessa posição vários minutos. Espelho meu? Afinal, estava só a fazer transmissões em direto para a sua página pessoal de Facebook, a fazer comentários sobre o balanço do Congresso. Espelho meu, espelho meu…

Rui Rio, prémio “Melhor Ator Secundário”

Ainda tentou pisar o palco no final do Congresso, mas este palco não era o seu. E no que depender do CDS, não haverá sequer palco para o PSD. Se houvesse um filme da direita portuguesa produzido e realizado pelo CDS, Rui Rio era certamente um ator secundário — mesmo sendo líder do maior partido da oposição. Foi a essa categoria que os centristas o quiseram remeter durante todo o congresso deste fim de semana, com críticas e cotoveladas em jeito de ‘chega para lá que nós queremos passar’. Cristas passou os dois dias a apregoar que o CDS vai ser a “primeira escolha” do centro-direita, e a pedir aos centristas que acreditem que o CDS pode mesmo ficar à frente do PSD e jogar na “primeira liga” porque “o CDS já provou que não há impossíveis”.

A ambição do CDS e as 14 cotoveladas no PSD

As críticas maiores ouviram-se no sábado, mas mesmo no domingo, com Rui Rio presente na sala, Cristas não o poupou: “Quem não quer o PS só tem uma escolha: nós”. Rio, que foi acompanhado de Salvador Malheiro e do líder parlamentar Fernando Negrão, responderia depois aos jornalistas a dizer que a ambição de Cristas não é mais do que “o seu papel”. “Já viu se a líder do CDS viesse dizer que não estava apta a governar? Tem naturalmente de dizer isso, tem de cumprir o seu papel”. Acontece que, a avaliar pelo número de vezes que Cristas repetiu a mesma ideia de vitória, esse papel pode mesmo vir a ser o principal, e Rio lá terá de ficar com o secundário. E mesmo assim, não é certo que leve o Óscar. Pode ficar só pela nomeação…

“Chicão”, prémio “Melhor Vilãozinho”

Francisco Rodrigues dos Santos, ou “Chicão” como é habitualmente tratado, foi uma das estrelas do 27º Congresso do CDS. O líder da Juventude Popular (JP) levou um pequeno exército de jotinhas para a reunião magna do partido e acabou por monopolizar grande parte das intervenções. De tal forma que obrigou o conclave democrata-cristão a arrastar-se até para lá das 3 da manhã, mesmo depois de a mesa do Congresso ter tentado interromper os trabalhos. Foi tantas, tantas, vezes invocado, louvado, celebrado, elogiado, glorificado, que se um marciano aterrasse este fim-de-semana em Lamego ficaria convencido de que Chicão era o verdadeiro líder do partido.

Ainda não é, mas deve ganhar um assento de deputado. Os jotinhas subiram ao palco, um a um (e foram tantos) para exigir que Francisco Rodrigues dos Santos ganhasse um lugar no Parlamento. A determinada altura, próximos de Assunção Cristas não escondiam o desconforto. “Este não é o congresso da JP…”, ouviu o Observador. E se há vencedor do Congresso é mesmo ele: terminou com Adolfo Mesquita Nunes, apontado como futuro rival na sucessão de Assunção Cristas, a apostar que “Chicão” ia ser eleito deputado.

[Veja aqui o duelo de discursos entre Chicão e Adolfo]

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Não se pode dizer que seja opositor de Assunção Cristas. Não ainda, pelo menos. Mas nem assim deixou de ter um momento “Luís Montenegro”. Em entrevista ao Observador, “Chicão” foi claro: “Se algum dia tiver motivação e apelo [para avançar para a liderança do CDS] não peço autorização a ninguém“, avisou. Assim mesmo, sem rodriguinhos.

Para já, só está a marcar o terreno. O rosto mais carismático da nova ala conservadora do CDS foi ao Congresso exigir que o partido não esqueça a sua matriz democrata-cristã em função de um pragmatismo que lhe granjeie mais votos. “Queremos votos para as nossas ideias e não ideias para os nossos votos“, alertou Chicão. Cristas, que está convicta de que pode ser maior, tem uma espada sobre a cabeça: os resultados das legislativas de 2019 serão determinantes para a sua continuidade. E “Chicão” estará atento.

Nuno Melo, prémio “Melhor Sequela”

Sei que desiludirei muita gente. Se esse for o custo que eu tiver de pagar para garantir que o CDS não se balcanizará, se eu puder ser, como quero, um factor de unidade, assim será”. Há dois anos, foi assim que Nuno Melo afastou a hipótese de se candidatar à liderança do CDS, recuando depois de ter feito contactos e de ter recebido muitos apoios para avançar. O partido, órfão de Paulo Portas, suspirava por ele; mas Melo preferiu continuar a respirar o ar de Bruxelas.

Neste Congresso, surgiu ao lado de Assunção Cristas, como tem estado sempre desde a eleição da ex-ministra do Mar. Fez uma intervenção muito centrada nas questões europeias e acabou reconfirmado como cabeça-de-lista do partido às próximas eleições europeias. O gesto de Cristas, a mais de um ano das eleições, premiou a lealdade e o compromisso de Melo. O partido, esse, continua a vibrar a cada soundbite do eurodeputado, um dos mais aplaudidos de todo o Congresso. Mas Nuno Melo tem a cabeça nos corredores de Bruxelas.

[Veja aqui as 22 cenas mais insólitas do congresso ups, a queda de Melo…]

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Em 2016, apareceu em Gondomar para reforçar a posição de Cristas e serenar a ala mais conservadora, que não morria de amores por Assunção Cristas. Mas, dessa vez, subiu ao palco para marcar também uma posição: estava ao lado de Cristas, mas atento ao percurso do partido.

Agora, apareceu em Lamego para legitimar a atual liderança. “Assunção, se no último congresso foste eleita presidente do partido, neste congresso serás consagrada líder“, afirmou o eurodeputado, alimentando uma narrativa bem mais favorável para Cristas do que a do anterior Congresso. A sucessão de Paulo Portas fica consumada nesta sequela: Assunção, a inesperada, assumiu o trono; Melo, o desejado, passou a vez. Com ascensão de figuras como Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Rodrigues dos Santos, terá perdido esse comboio?

Pedro Mota Soares, prémio “Melhor do que Nada”

Foi uma das surpresas do Congresso. No discurso de encerramento, já depois de ter anunciado que Nuno Melo ia ser novamente o cabeça de lista às Europeias, Assunção Cristas anunciou outros três nomes que vão integrar a lista. Um deles surpreendeu: Luís Pedro Mota Soares, o ex-ministro do Trabalho do Governo PSD/CDS, que atualmente é “apenas” deputado à Assembleia da República e vogal da comissão executiva do CDS, e que assim leva um “bom bom”, ainda que meio agridoce, já que não vai como cabeça de lista. A par de Mota Soares, Cristas avançou também os nomes de Raquel Vaz Pinto e Vasco Weinberg: anunciou-os nesta ordem mas não especificou se Mota Soares seria exatamente o número dois.

É que, segundo a proposta de alteração à lei da paridade que foi aprovada na semana passada em Conselho de Ministros, os partidos terão de passar a fazer as listas para todas as eleições  de modo a assegurar a representação mínima de 40% de cada um dos sexos. A lei ainda tem de passar pela Assembleia da República, e ser aprovada por maioria simples, o que não é difícil. Se assim for, Raquel Vaz Pinto, mulher, pode ter de passar para o segundo lugar, à frente de Mota Soares. Também é certo que o CDS sozinho, e gozando desta maré crescente, pode eleger mais eurodeputados do que atualmente. Mas três é ambicioso. Em 2009, quando concorreu sozinho, o CDS elegeu Nuno Melo e Diogo Feio; em 2013, coligado com o PSD, ficou-se por Nuno Melo. Veremos se é ou não um presente para Mota Soares. Por agora, é melhor do que nada.

António Pires de Lima, prémio “Reality Check”

Num congresso em que todos os militantes subiram ao palco para sugerir (ou dizer abertamente) que chegou a hora de o CDS ultrapassar o PSD como o grande partido da direita e do centro-direita, foi a Pires de Lima quem coube a ingrata tarefa de ser o “estraga-festas”. A voz da consciência de um partido que não se deve deixar levar pela ambição.

O ex-ministro da Economia interveio para lembrar os congressistas, barões e militantes de base, que a vontade de ser maior que o PSD é muito mobilizadora, claro, mas que o CDS não pode, nem deve esquecer uma coisa: a melhor estratégia não é hostilizar o PSD; é concentrar todas as energias em derrotar o PS. E se tiver de ser aliado minoritário do PSD, será.

“Não nos devemos desfocar. O nosso adversário não é o PSD, um partido amigo e com quem queremos voltar a governar. É o PS. E o objetivo é que não seja um Governo socialista a governar Portugal”, afirmou Pires de Lima. Uma voz isolada num Congresso em que o CDS se quis emancipar do PSD.

João Almeida, prémio “Stranger Things”

Uma dimensão alternativa que existe num mundo paralelo ao nosso. Muito, muito, muito diferente da realidade, conhecida como “The Upside Down”. O mundo ao contrário, numa tradução mais livre, povoado pelo desconhecido. É este basicamente o enredo da série norte-americana “Stranger Things”. Se tivéssemos de apostar, diríamos que João Almeida, deputado e porta-voz do CDS, é um grande fã da série.

Ok, o 27º Congresso do partido foi uma espécie de “grito do Ipiranga” do CDS em relação ao PSD. Os democratas-cristãos sentem  que pode ser primeiros, que podem subir à primeira liga, acabar com o bipartidarismo e com a noção de voto útil. Acreditam que podem, finalmente, suplantar o PSD.

Mas se este exercício já é ambicioso, o de João Almeida foi digno de registo. O ex-líder da JP subiu ao palco para dizer que se o CDS tivesse tido mais força no anterior Governo PSD/CDS, a coligação Portugal à Frente teria vencido as eleições de 2015 com maioria absoluta. “O país, na altura, ansiava por uma mudança que o CDS propunha”, afirmou João Almeida. Assim mesmo, com todas as letras.

Bem, é uma leitura possível. Mas é preciso recordar que da última vez que foi a votos sozinho numas eleições legislativas conseguiu apenas 11,7% dos votos. O PSD, em contrapartida, nunca teve menos que 20% em eleições nacionais. Se essa relação de forças se alterar, João Almeida terá lugar seguro na equipa de guionistas de “Stranger Things”.

Filipe Lobo d’Ávila, prémio “Vou andar por aí”

Há dois anos, foi o único crítico direto de Assunção Cristas, que preferia ver antes Nuno Melo na presidência. Subiu ao palco do Congresso em Gondomar com um tom crítico e surpreendeu todos, conseguindo 20% dos votos para o Conselho Nacional, elegendo 16 conselheiros. Durante dois anos fez oposição leal, mas firme. Questionou sempre o excesso de protagonismo de Cristas e a falta de definição ideológica do CDS. Neste Congresso, subiu ao palco e aproveitou para anunciar a saída do Parlamento. Em entrevista ao Observador, explicou que saía porque não se sentia ouvido pela atual direção. Ainda apresentou uma lista ao Conselho Nacional do CDS, mantendo 16 dos 19 membros que elegera em 2016, mantendo influência no partido.

[Veja aqui o Best of do Carpool com Filipe Lobo d’Ávila]

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Na hora de despedida, preferiu não abrir feridas. “Desenganem-se os nossos adversários, porque os erros do passado não se repetem: aqui não há cisões, aqui não há birras, aqui há paz interior e aqui ninguém atira a toalha ao chão. Aqui somos já um partido de primeira liga. Aqui tem de continuar a haver pluralismo e diversidade, e para esse combate estarei sempre disponível”. Acabou aplaudido de pé e elogiado por todos. Agora, longe da Assembleia, ficará à espera de nova oportunidade?

Adriano Moreira, prémio “Paulo Portas”

Seria de esperar que o prémio carreira fosse para Paulo Portas — o líder adorado que deixou há dois anos a liderança do partido. Mas Paulo Portas não foi mais do que uma miragem no Congresso da consagração de Assunção Cristas. Não esteve presente, por motivos de agenda profissional, e apareceu através de uma mensagem de vídeo logo no arranque dos trabalhos. A mensagem, contudo, estava inserida na homenagem que foi feita ao ex-presidente Adriano Moreira, pelo que Portas acabou “ofuscado” pelo histórico ex-presidente do partido, agora com 95 anos.

Tanto Portas como Adriano Moreira vão passar a integrar o Senado do partido — um órgão consultivo que engloba os ex-presidentes do partido que ainda militam no CDS, assim como representantes mais “experientes” (leia-se, mais velhos) das várias estruturas distritais — mas foi Adriano Moreira quem foi homenageado. O congresso levantou-se para o aplaudir, sobretudo quando disse que “o CDS não mudou de matriz”, arrumando de vez a questão que se levantava sobre se Cristas estava a fugir da matriz democrata-cristã. E Cristas “emocionou-se” quando o histórico centrista e ex-ministro de Salazar elogiou no palco “a nossa presidente”. Adriano Moreira leva assim o prémio carreira, que podia ter ido para Paulo Portas, mas não foi.

[Veja aqui o melhor do discurso de Adriano Moreira]

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