Dois meses de reuniões, 39 participantes, 50 páginas de relatório. É este o resultado final produzido pelo grupo de trabalho criado pela Comissão Europeia para combater a disseminação das fake news, apresentado esta segunda-feira, que já foi acusado de falta de ambição — e que não contou com a assinatura de um dos organismos participantes.

Tendo como pano de fundo a realização de eleições europeias em maio de 2019, o grupo apresentou uma espécie de código de auto-regulação que inspirará a comissária europeia da Economia Digital, Mariya Gabriel, a apresentar novas medidas no dia 25 de abril, direcionadas sobretudo às redes sociais. Gabriel já deixou claro que irá ter em conta as recomendações do grupo, mas não se comprometeu a segui-lo à risca, como explica o site Euractiv.

“Esta é a estratégia a que temos de nos cingir: nada de legislação neste momento. Vamos tentar identificar o problema, instituir uma série de medidas, monitorizar a aplicação dessas medidas. E depois a Comissão reserva-se o direito de decidir o que fazer no futuro“, disse a comissária.

O relatório apresenta uma série de recomendações, resumidas em cinco pontos pelo El Espãnol: usar o termo “desinformação” em vez de “fake news“, focar sobretudo na auto-regulação do sector, exigir às empresas transparência sobre os seus algoritmos, equacionar o financiamento público do jornalismo de qualidade e apostar na alfabetização mediática. Vejamos cada uma destas recomendações, ponto a ponto:

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“Desinformação” em vez de “fake news

O grupo recomenda, primeiro que tudo, que o termo fake news não seja utilizado, porque considera que não ilustra bem a realidade, que por vezes mistura factos reais com dados falsos. Em vez disso, sugere que se use o termo “desinformação”, que engloba informações falsas ou inexatas, criadas para obter um benefício específico ou para prejudicar publicamente alguém ou algo.

Foco na auto-regulação

Em vez de alterações legislativas — como a que foi feita pelo Governo alemão, que prevê multas para as empresas de redes sociais que não combatam a xenofobia, as notícias falsas ou conteúdos terroristas –, o grupo propõe antes um código de conduta subscrito pelas empresas presentes no comité (como Twitter, Facebook e Google), numa espécie de auto-regulação do sector.

Transparência nos algoritmos

O grupo sugere que as empresas se comprometam com um aumento da transparência, nomeadamente através da explicação dos alogritmos usados para selecionar as notícias que são apresentadas ao utilizador ou das técnicas escolhidas para a publicidade direcionada. Esta medida, recorda o EU Observer, será difícil de aplicar, já que as receitas de empresas como o Facebook ou a Google estão muitas vezes dependentes da forma como captam a atenção do utilizador.

Financiamento público para o jornalismo de qualidade

É necessário garantir a sustentabilidade dos meios de comunicação social de qualidade face aos que são menos fiáveis, diz o comité. Para isso, em vez de propor uma lista negra dos media menos recomendáveis, o grupo aconselha antes que a União Europeia ajude a financiar o jornalismo de qualidade, através de medidas como a extinção de IVA ou o financiamento da Inovação na área.

Mais alfabetização mediática

Por fim, o grupo recomenda que os professores tenham um reforço na formação sobre a literacia mediática, que os currículos escolares sejam reforçados nesta área e que o nível dos alunos nesta matéria  seja medido através dos testes PISA.

Relatório alvo de críticas externas e internas

Estas propostas mereceram, contudo, reparos. Marietje Schaake, eurodeputada holandesa, considera que a proposta não ataca de frente o problemas das grandes empresas tecnológicas que promovem “intencionalmente conteúdo sensacionalista nos feeds de notícias”. “Temos de lidar com este elefante na sala se queremos ser sérios no que toca à desinformação”, disse, citada pelo Financial Times.

Também Olaf Steenfadt dos Repórteres Sem Fronteiras — que estiveram representados no comité — disse ao mesmo jornal que “as plataformas conseguiram comprar algum tempo com isto e parecem estar muito felizes”.

As críticas também surgiram dentro do próprio grupo. A certa altura, disse uma fonte do grupo ao EU Observer, as reuniões “deterioram-se até parecerem uma wish-list dos lóbis”.

A Organização Europeia do Consumidor, que estava presente nas conversações, acabou por se recusar a assinar o documento final. “Plataformas como a Google ou a Facebook beneficiam em massa do facto de os utilizadores lerem e partilharem artigos de fake news que contêm anúncios publicitários. Mas este grupo decidiu ignorar o facto de que este é o modelo de negócio deles”, resumiu Monique Goyens, diretora do grupo. “Os consumidores estão a ser trancados em caixas de ressonância, em parte por causa destes modelos de click-bait.”