Falar de League of Legends (LoL) é falar de milhões. Seja dos milhões de jogadores em todo o mundo, e que o tornam num dos jogos mais jogados dos últimos anos (e possivelmente o que mais seguidores tem no nosso território), dos milhões de euros anuais em prémios ou dos milhões de espectadores que tem em streaming ou presencialmente nos estádios onde decorrem as competições. Este é um jogo gratuito que ajudou a moldar e a definir os eSports, mantendo-se até hoje nos lugares cimeiros dos jogos com competições mais fortes e com maiores prémios.

Greg Street, o diretor de design da Riot Games, a empresa criadora do LoL foi um dos convidados da SINFO 25 do IST. O histórico game developer veio a Lisboa falar dos seus vinte anos de carreira e aproveitámos a oportunidade para conversar sobre o sucesso do LoL, o que são hoje os eSports, a competitividade e massificação dos desportos eletrónicos.

Há um grande caminho percorrido desde os primeiros dias do League of Legends (LoL) até ao lugar onde o jogo está hoje. Como tem sido esta viagem?
Não estava cá na início, mas acho que ninguém na empresa fazia ideia do quão grande o jogo se tornaria. Estavam apenas a tentar criar o estilo de jogo que queriam jogar, tinham um caminho muito claro que queriam seguir, mas nunca foi intenção ser mainstream, sempre foi suposto ser um jogo de nicho. Por piada, gostamos de dizer que o nicho é que se tornou muito maior do que esperávamos.

Quando lançaram o LoL, a ideia que temos hoje de eSport ainda não existia. Como é que a equipa da Riot Games vê a responsabilidade de serem parte da criação do conceito?
Acho que os eSports sempre fizeram parte dos planos desde o início. A equipa viu o que aconteceu com Starcraft na Coreia e pensou “isto pode ser um fenómeno global, não há nada único nisto para ser só na península coreana”. Desde logo, pensaram “vamos fazer uns torneios” se não me engano, o primeiro foi num centro comercial ou qualquer coisa assim e foi fantástico ver isto crescer de uma dúzia de jogadores num shopping para milhares ou milhões de pessoas num estádio de futebol na Coreia ou China ou a ver em streaming no mundo todo. Acho que em breve deixaremos de chamar eSports e será chamado só desporto como todos os outros.

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Já alguma vez teve a experiência de ter que explicar a ideia de eSports a alguém completamente ausente do ambiente de gaming, e mostrar-lhes imagens impressionantes dos estádios cheios nas finais de League of Legends?
Sim, ocasionalmente apanhamos analistas ou comentadores de desportos tradicionais como Futebol Americano ou Baseball, que dizem que aquilo não é um desporto e que os jogadores nem atletas são, que são apenas uns miúdos sentados em frente a um monitor. Mas quando vêem a emoção do público, a dor da derrota é tal e qual como nos desportos que eles gostam. Mas isto é algo novo, portanto têm alguma dificuldade em aceitar, mas as gerações mais novas entendem isso perfeitamente.

O mercado está em constante mudança, mesmo nos eSports. Acredita que os jogos mais famosos de hoje têm prazo de validade?
Acho que é difícil criar um jogo single player que dure muito tempo. Os jogadores tendencialmente tiram o que o jogo tem para oferecer e partem para outro, e é assim que o mercado está desenhado. Jogos multiplayer podem existir para sempre ou por muito tempo. Jogos com mais de 10 anos ainda são jogados e muito populares.

Desenhámos o League of Legends não para ser o único jogo que vão jogar, mas para ser algo que vão continuar a revisitar, mesmo quando sai algo novo. É o que acontece comigo e com os meus amigos: aparece um jogo novo e jogamos tudo o que ele tem para oferecer, mas quando acaba, o LoL está ali instalado no computador, é grátis e acabamos por lá voltar.

Jogo LoL há mais de 7 anos. Têm de ideia se há muitos jogadores com esse nível de fidelidade para com o vosso jogo?
Sim, encontramos muitos jogadores que estão connosco há muitos anos, é quase um modo de vida para eles, mas também encontramos outros que jogavam intensamente mas que agora, por causa do trabalho, vida ou escola não podem jogar tanto como antes. É aí que os eSports e o streaming entram, permitindo que continuem a fazer parte da comunidade, mesmo que eles não possam fazer login e jogar.

Sentem que há uma regeneração de jogadores?
Sim, idealmente quereríamos ter um jogo que fosse passado de geração para geração, usamos muitas vezes o Futebol Americano como uma analogia: pessoas que crescem com isso e depois têm filhos, que podem participar no que nos Estados Unidos chamamos as little leagues. Mesmo que essa modalidade não faça parte da sua vida ativa, continuam a segui-la como espectadores no circuito profissional.

Sim, mas há uma diferença muito grande, sendo eu um fã de Futebol. Temos algo muito importante nessa passagem de testemunho, que é o clube que apoiamos. Isso não acontece em eSports porque os “clubes” e equipas não são tão estáveis como noutras modalidades.
Quer dizer, temos equipas com plantéis mais pequenos do que as de futebol e que não têm a identidade geográfica que os clubes têm porque são formadas por razões diferentes. Por exemplo, Overwatch (um jogo pertencente à gigante Blizzard) está a tentar uma focalização geográfica muito restrita, será interessante ver se o público terá a mesma aceitação nesse modelo de “adepto” como com um clube de Futebol Americano, por exemplo.

Anualmente, fazem mudanças estruturais no modo como acham que LoL deve ser jogado. Acham que isso é uma maneira de manter os jogadores interessados e desafiados para o continuar a jogar?
Sim, absolutamente. Parte da nossa visão para o LoL é que seja um jogo em evolução constante. Quando o jogo foi criado, a equipa original ficava muito frustrada com jogos que eram “resolvidos”. Ia-se online e havia pessoas a dizer “tens que jogar assim, usar esta estratégia, é a única maneira de ganhar” e irritava que os developers não fizessem nada acerca disso. Portanto desde o inicio que fazíamos patches a cada duas semanas, não só para problemas de equilíbrio mecânico. Por exemplo, se os gráficos começarem a parecer datados os jogadores podem pensar em desistir do jogo por ele ser velho. Mas se fizermos updates gráficos, o jogador vai pensar “os developers continuam a investir no jogo, continuam a dar-me coisas novas e eu quero continuar a jogar”.

A Riot Games tem progressivamente instalado uma mão mais forte no ambiente de jogo “regrando” como os jogadores se devem comportar num ambiente desportivo, reduzindo a agressividade e bullying que são característicos num jogo multiplayer.
Fazemos um esforço consciente para que os jogadores se comportem como deve ser, porque pode ser um jogo muito frustrante. É fácil ter um momento irritante e reagir como é normal para uma pessoa. A maior parte das vezes quando encontramos mau comportamento no jogo é por isso mesmo, é um jogador que adora o jogo, é um bom jogador mas de vez em quando rebenta. E aí chamamos a atenção do estilo “o que estás a fazer agora está a impedir que outros jogadores tenham uma boa experiência”.

Por outro lado fizeram um esforço para permitir que os jogadores experimentassem personagens em posições diferentes no “campo”.
Queremos ver os jogadores experimentarem várias coisas em termos competitivos. Percebemos que cria um fardo quando alguém tenta algo como “vou jogar com este personagem de uma forma invulgar, conheço bem a sua forma de jogar e tenho um palpite que esta estratégia vai funcionar, portanto quero testar isso”.

Em termos de criatividade: estão a repensar alguns champions, os personagens do jogo mais antigos, e até alguns mais recentes que estão menos ajustados à ideia de League of Legends de hoje?
Estamos melhores a criar champions do que no passado. Antes tínhamos duas semanas para criar um champion na totalidade, não tínhamos os artistas que temos disponíveis agora. Agora temos uma ideia muito mais consistente do que faz um bom personagem. Quando olhamos para os que criámos na Temporada era de 2012/13 percebemos que não têm a profundidade que os mais recentes têm, portanto esses são perfeitos para um update.

Porque é que abrandaram o lançamento de champions? Antigamente saía um a cada 15 dias, ainda nem se tinha aprendido a jogar como deve ser com um e já tínhamos outro para comprar. Foi uma decisão consciente lançá-los com um ritmo mais lento?
Foi parcialmente consciente. O que aconteceu foi que conforme o standard de qualidade dos champions foi subindo precisávamos de mais tempo para os criar. Parte da razão pela qual a qualidade foi subindo foi porque tínhamos que dar algo mais aos jogadores. Eles já tinham visto um mage, já tinham visto um tank, portanto quando aparecia um novo tinha que fazer algo diferente. Tinha que ser excitante para o jogador o querer testar. E agora que temos 140 e tal champions no jogo, acho que os jogadores não querem 12 novos por ano, é muito disruptor. O lançamento de um novo personagem deve ser algo especial e não queremos parar de o fazer. Talvez haja um número que vamos parar de criar mas acho que ainda estamos longe.

Entrevista: Ricardo Correia
Tradução: João Machado, Rubber Chicken