Quando Scribblenauts foi originalmente lançado em 2009 para a Nintendo DS, a sua abordagem era completamente inesperada e diferente de qualquer coisa feita até então. O estúdio 5thCell criou um jogo de puzzle com níveis objetivos, que consistiam em apanhar uma pequena estrela colocada em locais e situações aparentemente inacessíveis. Para isso, o protagonista Maxwell tinha à sua disposição um bloco de notas especial que lhe permitia materializar milhares de palavras. Resolver cada puzzle passava então a ser um momento de riso com as nossas tentativas, num claro exemplo de que o caminho é mais interessante do que o fim.

Lembro-me das primeiras horas de contacto com este jogo e de perceber o quão aberto era. Precisava de chegar a um local alto então escrevi “ladder” e um escadote apareceu. E se escrever “bycicle”? “Monster”? E “God”? E tudo isto se foi materializando no traço infantil característico de Scribblenauts e apanhar a pequena estrela passava então para segundo plano. Toda a diversão de experimentar as palavras mais tresloucadas superava largamente os puzzles, mas era fácil de perceber que a intenção original dos criadores era mesma essa: dar-nos uma plataforma divertida para tentarmos a conjugação de palavras mais estranha de que nos lembrássemos.

O mais recente jogo, Scribblenauts Showdown, foi lançado para PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch com um preço de aproximadamente 39,99 euros. Este tenta desesperadamente levar este conceito de draw-to-life aplicados aos jogos de festa, conseguindo não só falhar em casar as duas ideias, como fazer algo de interessante sem a soma das partes.

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Retirada a ideia de puzzle game com progressão de níveis, Scribblenauts Showdown quer ocupar o espaço dos party games, algo óbvio nos modos que dispõe. O primeiro de todos é o Versus que nos permite desafiar um amigo (ou o computador) para um número pré-definido de mini-jogos dentro dos 25 disponíveis. Entre estes contam-se aqueles que necessitam de utilização de palavras ou outro mais simples e gestuais (similares aos de 1-2-3 Switch), que podem ser jogados praticamente por todos. Os que mais joguei com o meu filho (que ainda não sabe ler) foram os segundos mas, ainda que estes sejam divertidos, nada têm que nos lembre de Scribblenauts e das qualidades que fazem deste jogo verdadeiramente único no mercado.

O modo principal deste novo Scribblenauts acaba por ser aquele que lhe dá nome. Showdown segue o hábito de tantos outros party games (dos quais Mario Party é um dos precursores) e cria um jogo de tabuleiro em que cada casa é um mini-jogo competitivo que determina os passos dos jogadores. Como party game é perfeitamente banal e não consegue aplicar os melhores exemplos que já existem de jogos de grupo ou incorporar da melhor forma os elementos únicos de Scribblenauts. O resultado é mediano.

O modo mais fiel aos princípios da série é mesmo o modo Sandbox, que pode ser jogado em cooperação com outro jogador e que nos permite utilizar uma das 35 mil palavras disponíveis no jogo para ultrapassarmos o cenário pré-definido, que pode ser terminado em menos de uma hora. Um modo que é na prática uma versão aligeirada dos divertidos e narrativos puzzles dos jogos anteriores, que nos puxavam pela imaginação e pela criatividade.

Scribblenauts Showdown é o parente pobre de uma série que não tem comparação no mercado de videojogos. Um conceito algo louco mas cuja abertura da tradução entre palavras e objectos se transformou num dos jogos mais únicos do mercado recente. Esta transposição para party game banalizou-o, transformando-o em mais um exemplo mediano de um mercado pejado de melhores exemplos de jogos de festa. Percebe-se algum desnorte da Warner Bros., proprietária da série, ao ter entregue o desenvolvimento deste jogo a um novo estúdio depois da “falência” da empresa 5th Cell, que desenvolveu e criou quase todos o Scribblenauts. O primeiro jogo desenvolvido pelo estúdio Shiver Entertainment é assim a pior iteração da história da marca, que na tentativa de se abrir para o mercado das consolas domésticas acabou por perder tudo aquilo que lhe dava identidade.

Ricardo Correia, Rubber Chicken