Os cursos de dança e ergonomia da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), em Lisboa, podem ter os dias contados. São cursos que só existem nesta escola, ao nível técnico e científico. Depois de uma manifestação esta segunda-feira e um abaixo-assinado, a reunião para discutir o futuro destes dois cursos vai ter lugar esta quarta-feira.

O Observador teve acesso à convocatória com a ordem de trabalhos para a reunião onde é dito, no ponto dois, que vai ser especificamente discutida a “extinção dos cursos de 1º Ciclo de Ergonomia e de Dança”, como uma continuação da reunião de 28 fevereiro.

Os alunos dizem que a extinção dos cursos é falada há sensivelmente dois anos, mas a direção da Universidade, nomeadamente a vice-presidente da faculdade, Maria Filomena Carnide, diz que aquilo que está a acontecer é uma “revisão curricular em todos os cursos da faculdade”, algo que costuma acontecer “desde que os cursos existem”. E não responde claramente sobre se é verdade que os cursos podem acabar.

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“A faculdade está a numa fase de revisão curricular há dois anos, numa discussão onde se fazem representar docentes e alunos (…) e ainda não foi tomada qualquer decisão sobre este tema, pelo que vamos aguardar com serenidade o fim do processo”, referiu ao Observador Maria Filomena Carnide. Um processo que classifica de “longo” e que obedece à análise de “múltiplos indicadores”.

A reitoria da Universidade de Lisboa, por seu turno, diz que a Faculdade de Motricidade Humana tem autonomia para escolher que cursos quer manter, ou não, em vigor para cada ano letivo. Em declarações ao Observador, o assessor António Sobral afirmou que tinha “conhecimento da situação” mas que ainda não tinha recebido qualquer proposta formal.

Já o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior respondeu citando a lei que refere que “a autonomia pedagógica confere às instituições de ensino superior públicas a capacidade para elaborar os planos de estudos e definir o objeto das unidades curriculares”. Diz portanto o Ministério que “compete a cada instituição deliberar a criação, transformação ou extinção de ciclos de estudos sendo que, no caso em apreço, não existe previsão de qualquer intervenção da tutela”. Ou seja, a tutela lava completamente as mãos de qualquer que seja a decisão da FMH.

Esta segunda-feira os alunos em representação de todos os cursos manifestaram-se pacificamente à porta da faculdade, cantando contra a extinção dos cursos, depois de terem reunido duas horas com o Presidente da FMH, professor Alves Dinis. Além das manifestações, os alunos fizeram um abaixo-assinado, que neste momento já conta com perto de 3400 assinaturas.

Esta quarta-feira, dia da reunião, está marcada uma outra manifestação nos mesmos moldes e à mesma hora. Para a vice-presidente, a manifestação dos alunos à porta da faculdade e através das redes sociais é uma “forma sensacionalista” de tratar o problema, o que “não está correto”.

“Algumas pessoas optaram por participar de forma sensacionalista neste processo ao invés de participar internamente naquilo que é o futuro da oferta formativa da FMH”, acrescentou Maria Filomena Carnide, que vai mais longe e acrescenta que “os alunos nunca mostraram interesse por este assunto até agora”.

Presidente acusa colegas de instigarem estudantes

Perante as movimentações que acabaram por tornar este assunto público, o Presidente da Faculdade enviou esta terça-feiras às 13h00 um email aos professores e funcionários daquele estabelecimento de ensino no qual fala de uma “campanha de desinformação e intoxicação que está a ser levada a cabo por algumas e alguns colegas instigando estudantes a agir em seu nome, em vez de utilizarem os meios diretos que os sistema de gestão lhes confere no Ensino Universitário”.

E acrescenta: “faço por isso um apelo para que terminem com a campanha que estão a desenvolver, pois as consequências podem ser bastante negativas para a imagem da FMH em geral e em particular para os cursos que pretensamente dizem estar a defender”. O email a que o Observador teve acesso é assinado por José Alves Dinis.

A única justificação dada aos alunos para o alegado do fim dos cursos — ainda a decidir  — é financeira, segundo os mesmos.

O curso de ergonomia é único no país, e não há outra faculdade que o tenha. Já o de dança, embora exista também no Instituto Politécnico de Lisboa, é diferente daquele que existe na Faculdade de Motricidade Humana.

“Em termos de licenciatura, a dança existe também na Escola Superior de Dança, mas é mais focado para os alunos se formarem enquanto bailarinos e professores, já na FMH existe uma forte componente científico-pedagógica, com objetivo de intervir na comunidade”, explica Fábio Azêdo, ex-presidente da Associação de Estudantes.

Ambos são cursos para os quais a direção da faculdade diz que tem faltado verba, ano após ano, segundo explicou. “A dança, por exemplo, é um curso artístico, e por isso mesmo acaba por receber uma verba maior por parte do Estado, e precisar de mais financiamento.” Mas Fábio Azêdo vai mais longe e diz ainda que se o curso não está a ter o retorno desejado é porque o desinvestimento tem sido “progressivo”.

“Houve cortes no curso de dança ao nível das aulas: havia um percussionista a acompanhar as aulas e já não há, e as alunas também não recebem nada para terem de se deslocar a um outro sítio no final do ano para fazerem a avaliação final do curso”, refere.

No entanto, ambos os cursos têm empregabilidade comprovada. No site da faculdade, é possível ler que tanto os cursos de dança como de ergonomia  têm um nível de empregabilidade acima dos 85% em apenas um ano depois de terem concluído os estudos (88% para os alunos que terminam o curso de dança, e 100% para os que se licenciam em ergonomia).

Uma discussão que se arrasta há anos

Estudar dança e ergonomia na faculdade localizada na Cruz Quebrada é possível há cerca de 30 anos, o tempo em que sempre esteve também em discussão a validade dos cursos. Nos últimos dois anos, a discussão tem-se intensificado, assim como a intenção dos órgãos de gestão da faculdade em acabar com os estudos em dança e ergonomia.

Fábio Azêdo conta ao Observador que os problemas começaram há algum tempo dentro do Conselho de Escola (CE), um órgão estratégico que conta com alunos, professores, e pessoal não docente da faculdade.

Em 2013 foram a eleições para o CE,  e foram eleitas duas alunas. No entanto, por falta de comparência das duas em algumas reuniões e por não terem sido convocadas para outras, “80% do mandato foi feito sem decisões dos representantes dos alunos”, explica Fábio, que pediu ao Presidente da Faculdade que voltassem a ser feitas eleições para integrar os alunos nesse mesmo Conselho. Mas esse processo demorou mais de um ano.

“Em março do ano passado fomos eleitos para a o Conselho de Escola, mas só fomos empossados em julho. Depois fomos convocados para uma reunião do CE apenas no dia 28 de fevereiro do mês passado”, acrescenta.

Na reunião que foi realizada em fevereiro, segundo conta Fábio Azêdo e outras fontes da Faculdade de Motricidade Humana, já se dava conta da possibilidade de extinção dos cursos de dança e ergonomia em breve, mas não foi tomada nenhuma decisão definitiva, porque, segundo sublinha Fábio, “faltava o parecer do Conselho Científico da Escola e do Conselho Pedagógico”.  Um mês depois, a reunião desta quarta-feira, onde, alegadamente, se pode acabar com os dois cursos, já vai ter o parecer do órgão em falta.

(Artigo corrigido às 19:00 de dia 27, com a alteração dos termos “pianista” para “percussionista”, e de, no penúltimo parágrafo, “Associação de Estudantes” para “Conselho de Escola”)