Era o primeiro Conselho Nacional de Rui Rio e a cidade escolhida para acolher a reunião dos sociais-democratas tinha sido a cidade do Porto. O hotel inicialmente pensado era o Sheraton, onde Rui Rio celebrou a noite da vitória eleitoral a 13 de janeiro, mas… não seria aí. Um pequeno contratempo fez com que, na nota enviada à comunicação social na véspera da reunião, o hotel assinalado fosse outro: o Crowne Plaza, que fica literalmente ao lado do primeiro. A mudança passou despercebida e o tamanho da sala serviu de justificação. Mas a justificação pode muito bem ter tido outro nome, e um nome próprio: Marcelo.

Eram perto das 23h quando, entre os jornalistas, corre a informação de que o Presidente da República tinha sido avistado à porta, na rua entre os dois hotéis. À Antena 1, Marcelo viria mesmo a confirmar a “coincidência”. Estava no Porto, hospedado no Sheraton, para ir esta quarta-feira visitar um estabelecimento prisional em Matosinhos, e justificou a passagem à porta do hotel onde decorre o Conselho Nacional do PSD como “o passeio do costume”. Coincidência? Diz-se que em política não há coincidências, mas Marcelo diria que “neste caso foi”.

O facto é que cada um ficou no seu hotel, ainda que a escassos metros de distância. O que não foi coincidência foi a presença de Pedro Santana Lopes no seu espaço de comentário na SIC entre as 21h30 e as 22h, precisamente à mesma hora em que Rui Rio estava a fazer a sua intervenção de fundo aos conselheiros nacionais. Santana Lopes tem assento naquele órgão, tendo inclusive encabeçado a lista de Rui Rio, mas trocou o órgão próprio de discussão do partido pelo palco televisivo. Questionado sobre essa “troca” no final dos trabalhos, já depois das 2h da manhã, Rui Rio recusou-se a comentar, limitando-se a sorrir. Paulo Mota Pinto, contudo, falou aos jornalistas enquanto presidente da mesa do Conselho Nacional e esclareceria que não fora avisado por Santana Lopes da sua ausência. “Se [Santana] deu alguma explicação para não vir? A mim e à Mesa do Congresso não”, disse apenas, recusando-se igualmente a fazer “interpretações” sobre o assunto.

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Certo é que, a partir de Carnaxide, Santana poupou-se (desta vez) nas críticas ao líder do partido. Pediu que fossem dadas condições a Rui Rio para explicar o projeto que tem para o PSD e o país, e comparou-o a Cavaco Silva por se querer “distanciar do modelo tradicional de funcionamento partidário, daquilo a que chama de corte de Lisboa. Está a querer demonstrar que o país não é só Lisboa, e ainda bem”, disse. O elogio passou, mas nem por isso Santana Lopes foi ao Porto ocupar o seu lugar de conselheiro.

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Nem Santana Lopes, nem Luís Montenegro (que ainda é deputado, pelo que podia ter participado na reunião), nem tão pouco Hugo Soares. Os críticos não se ouviram naquele que foi o primeiro momento de “análise da situação política” de Rui Rio. Hugo Soares, o ex-líder parlamentar preterido pelo novo líder do partido, até foi à reunião no Porto, mas não se inscreveu para falar: saiu antes do final dos trabalhos, justificando que ainda tinha de ir para Lisboa. É que para esta quarta-feira à noite está marcado o jantar de despedida de Luís Montenegro, que vai abandonar o Parlamento ficando apenas no espaço mediático como comentador, e esse sim será o Conselho Nacional dos críticos.

O verdadeiro Conselho Nacional vai ser amanhã ao jantar”, comentava ao Observador um participante no encontro, desalinhado com a atual direção, que descreveu a intervenção do presidente do partido como “básica”, “sem nada de novo”, mostrando um Rui Rio “cheio de certezas sobre si mesmo”. Críticas feitas, contudo, em surdina, porque, dentro de portas, a única voz apontada como tendo feito “sugestões de ajustes na tática” foi a de Paulo Rangel.

Segundo relatos feitos ao Observador, o eurodeputado que foi eleito conselheiro nacional pela lista de Rio e Santana não levantou muito a voz mas pediu que o PSD marcasse a diferença face ao PS. Pediu mais oposição, “uma oposição mais dura”; disse que o PSD “devia criticar mais” e “aparecer mais” e pediu que o partido, depois de ter manifestado “uma postura aberta e construtiva” face aos assuntos de “interesse nacional”, partisse agora para uma segunda fase, de maior ataque.

A postura de credibilidade e de oposição construtiva já passou para a opinião pública, agora temos de divergir mais”, disse Paulo Rangel segundo fontes ouvidas pelo Observador, elegendo a saúde, a segurança e proteção civil e a habitação como temas prioritários para centrar o ataque ao Governo. Temas não muito diferentes dos escolhidos por Rui Rio: incêndios, saúde e o negócio Montepio/Santa Casa, que, não sendo unânime, é um tema que Rio não vai abdicar. Quanto à forma como estes temas vão ser trabalhados, Rio elegeu o grupo parlamentar como o local por excelência para a oposição engrossar a voz.

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”Clara manifestação de unidade”

O discurso de Rio aos conselheiros, de resto, foi descrito ao Observador como tendo sido uma compilação de tudo o que tem dito nas últimas semanas nos vários fóruns: defendeu o ex-secretário-geral Feliciano Barreiras Duarte, disse que as eleições só se ganham se outros as perderem, apontou fragilidades do Governo naquelas três áreas principais e afastou uma vez mais a ideia de um bloco central. “Credibilidade” é a palavra-chave de Rio para fazer boa figura junto dos eleitores.

Sobre o tão falado Conselho Estratégico Nacional, Rio não levou novidades aos conselheiros. Nem tão pouco confirmou os nomes que nos últimos dias têm sido avançados pela comunicação social — limitou-se a lembrar que os únicos nomes certos são aqueles que foram anunciados pela sua própria voz: David Justino, o presidente, e Arlindo Cunha, para a Agricultura. “Ninguém fez nenhuma intervenção a questionar qualquer nome”, garantiu o presidente da mesa, Mota Pinto, aos jornalistas. Nomes como Ângelo Correia, Silva Peneda, Correia de Jesus ou Luís Filipe Pereira, estão a ser dados como certos, tendo alguns sido confirmados pelos próprios, mas “não foram discutidos nem debatidos”. Pelo menos dentro de portas e a viva voz, porque nos corredores, várias eram as vozes críticas que questionavam a “imagem” que passava a ausência de renovação, e o ressuscitar de figuras muito próximas do cavaquismo.

Mas nem isso, segundo Mota Pinto e outras fontes contactadas pelo Observador, foi motivo de discussão acesa. Já perto das 2h da manhã, Mota Pinto descreveria o espírito da reunião como “uma clara manifestação de unidade”. “Foi um debate com muitas ideias e contributos, com um elevado nível, houve muitas intervenções no sentido de dar conselhos, mas tudo no espírito de grande unidade”, disse.

A verdade é que o ambiente na sala “Guimarães” do hotel Crowne Plaza, vizinho do Sheraton, também não era propício a confrontação. É que, “pela primeira vez”, segundo relatou um participante, a sala foi dividida fisicamente em três setores: os membros eleitos, com poder de voto, os participantes (onde se incluem as inerências, como é o caso dos deputados), e os observadores. À chegada cada um era conduzido para a porta respetiva, estando os três setores separados por uma corda vermelha. “Caiu muito mal”, dizia ao Observador um participante desalinhado.

No final, depois de quase cinco horas de debate interno, os rioistas respiraram de alívio. Paulo Mota Pinto sublinharia várias vezes aos jornalistas que houve uma “clara manifestação de unidade”, mesmo entre os que não apoiaram Rio nas diretas, e que houve conselhos e sugestões dadas pelos intervenientes, mas “sempre no espírito construtivo”. “Registo o elevado nível dos contributos dados”, insistiria Mota Pinto na declaração final aos jornalistas, sublinhando a mesma ideia de formas diferentes: “Não houve nenhum tema de cisão”, “houve muitos contributos”, mas “uma grande unidade na estratégia do partido”. Rui Rio, por sua vez, ainda deixou que os jornalistas se aproximassem para pedir umas declarações finais de balanço do seu primeiro Conselho Nacional, mas acabaria por não dizer nada aos microfones. A primeira pergunta foi sobre a ausência de Santana, mas a resposta seria apenas um sorriso e, já está: “Não vou comentar”.

À saída, outra fonte comentava em surdina o tom pacífico em que tinha decorrido a primeira grande reunião do PSD da era Rio: “Eles sabem que não vale a pena… têm de ser construtivos”. Eles? Os críticos. Mas para esses, o Conselho Nacional segue dentro de momentos. Ao jantar, em Lisboa.