Não era difícil adivinhar os dois temas que mais marcariam o debate quinzenal com o primeiro-ministro depois da última semana. Só não se esperava que arrancasse logo por aí, com o PSD a ir direito ao assunto sem rodeios. José Sócrates incomoda o PS? Quanto? Porque é que só se demarcarem agora? Já a esquerda preferiu abordar o mesmo tema por outra via, o da necessidade de combater a corrupção.

Também não se esperava que fosse como António Costa e não como primeiro-ministro que o líder socialista falasse sobre o caso Sócrates, quando foi questionado diretamente, logo a abrir o debate, por Fernando Negrão. Não disse mais do que já dissera sobre o assunto, tal como também não acrescentou mais do que o ministro da Administração Interna no dia anterior sobre a falta de meios e as dúvidas quanto à preparação do país para o combate aos fogos no próximo verão. O que ficou do debate quinzenal desta quarta-feira?

PSD vai direto ao assunto: “Por que demorou três anos a demarcar-se de Sócrates?”

As perguntas de Negrão sobre o caso Sócrates. Desta vez não houve cerimónias, o PSD entrou no debate direto ao assunto mais quente do momento político: José Sócrates. No arranque do quinzenal, ainda mal António Costa se ajeitava na cadeira e já o líder parlamentar do PSD soltava o nome que os socialistas — primeiro-ministro incluído — menos querem ter de ouvir no confronto político. “Por que razão o PS demorou mais de três anos a demarcar-se de José Sócrates e do seu comportamento?”. O bruaá da bancada socialista rompeu de imediato, Negrão continuou com o “conjunto de perguntas muito claras e objetivas” que acredita estarem “na cabeça e no pensamento” da população portuguesa. As outras perguntas? “O PS tem medo de ser contaminado?”; “O que é mais importante, são os votos e as eleições ou os princípios e convicções?”.

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Falar como António Costa. O primeiro-ministro levantou-se para responder, enquanto na bancada do seu partido alguns deputados lhe diziam para não dar resposta a Negrão. Costa optou por responder, sem responder. Começou por dizer que podia atirar a responsabilidade das respostas para o secretário-geral do PS, mas que não o faria. Responderia então em que qualidade? “Não vou responder como secretário-geral ou primeiro-ministro, mas como António Costa.” O debate quinzenal com o primeiro-ministro virou, por instantes, debate quinzenal com António Costa, que se refugiou nas declarações feitas na quinta-feira passada pelo primeiro-ministro quando visitava o Canadá. ““Nunca devemos trazer para o debate público aquilo que é discutido nos tribunais.” Ainda garantiu que “não mudou em nada” a posição inicial que tinha sobre a matéria.

A “deslealdade” do PSD. Costa não deixou de sublinhar que a intervenção inicial de Negrão, de rasgada à entrada do debate, tinha sido uma “manifesta deslealdade parlamentar”. Os socialistas aplaudiram em bloco e o debate não tardava muito a azedar, com Costa a referir que facto de Fernando Negrão “ter sido um ilustre magistrado e por ter sido parte em processo crime em outras situações”, sabe que “ninguém tem direito a julgar ninguém, a não ser um magistrado de acordo com o processo penal”. Negrão respondeu com outro ataque: “Não foi o PSD que trouxe para a ribalta pública o caso Sócrates”, mas os dirigentes socialistas. “Não é a primeira vez que o PS traz isto para a cena pública. Em 2014, António José Seguro acusou-o de ser apoiado por um partido invisível que mistura negócios e política”, atirou o líder parlamentar do PSD ao primeiro-ministro e líder do PS, referindo-se a uma declaração do ex-líder socialista, com quem Costa disputou o partido em 2014. A tensão subiu ao máximo logo na primeira meia hora de debate, com muitos protestos e pateada nas bancadas parlamentares dos dois maiores partidos — depois, desceu.

CDS ataca via Pinho. Só no CDS se voltou a falar diretamente dos casos de justiça que têm atormentado o PS, mas por via do caso Manuel Pinho, “um ex-ministro da Economia suspeito de receber verbas de instituições privadas “, dizia a líder Assunção Cristas. A pergunta para Costa era sobre “o que é que o senhor primeiro-ministro está a fazer no seu governo” para aumentar o “escrutínio interno de fiscalização ou prevenção para que aquilo que se passou com o seu governo não aconteça agora também?” . Costa respondeu que não, que desconhece que “em relação a qualquer membro do atual governo exista qualquer situação igual a outra situação que alegadamente aconteceu com outro governo de que também fiz parte”. E que o caso de Pinho “deixou toda a gente surpreendida, como deixariam notícias que envolvessem qualquer membro do seu Governo”. Não deixou Cristas satisfeita, já que a líder do CDS esperava, pelo menos, o anúncio de uma “sindicância, uma auditoria” ao Ministério da Economia.

Esquerda. A outra forma de chegar a Sócrates sem falar dele

Esquerda chega a Sócrates pela corrupção. À esquerda, os casos de Justiça que queimam o PS foram abordados por outra via: a necessidade de ter mais meios para combater a corrupção. Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, aproveitou para colocar na agenda a redução do sigilo bancário. “Oportuno é alterar a lei do sigilo bancário. É esse o desafio que eu quero deixar aqui hoje. Para o Bloco de Esquerda, não devemos aguardar mais”. Caso houvesse dúvidas sobre quem se pretende atingir com esta alteração, a líder do BE ainda atirou que “só tem razão para temer quem tenha dinheiro sujo ou queira fugir ao fisco”.

Marcelo ouviu o debate. Um decreto do Governo, que pretendia levantar o sigilo bancário de contas acima de 50 mil euros, foi vetado em outubro de 2016 e António Costa aproveitou a deixa para atirar a questão para as mão de Marcelo Rebelo de Sousa, pedindo ao Bloco “ajuda” para convencer o Presidente a permitir a alteração à lei. A dinâmica entre o parceiro do Governo e o Governo resultou numa nota da Presidência, horas depois de terminar o debate, com Marcelo a abrir a porta ao assunto que, há dois anos, só vetou por causa da crise no sector bancário.

Marcelo abre a porta a redução de sigilo bancário

PCP diaboliza privatizações. No PCP, Jerónimo de Sousa também manifestou preocupações com a corrupção, “um problema que continua a surgir ciclicamente”, atirando sobretudo aos processos de privatização, concessão ou PPP’s. E exemplificou com o “caso das rendas de energia que envolve Manuel Pinho” e que “é o mais recente a acrescentar a um longo rol. São exemplos de privatizações, concessões e PPP’s que se enquadram em processos de favorecimento de grandes grupos económicos”. Ainda atirou a Costa: “Gente séria há em todos os partidos, mas esta promiscuidade está na raiz do problema em termos de corrupção. Qual a disponibilidade do Governo para que se avance nesta matéria?”. Costa disse apenas que a disponibilidade é “total”.

Incêndios. António Costa sem respostas para aliados e adversários

Preparação para a época de incêndios: take 2, os mesmos resultados. Na terça-feira, Eduardo Cabrita esteve no Parlamento para ser confrontado com a demissão do agora ex-comandante da Proteção Civil, António Paixão, e com os atrasos na contratação dos meios aéreos. Mesmo depois de sete horas de audição, o ministro da Administração Interna conseguiu não responder a qualquer pergunta dos deputados, optando pela resposta evasiva e pela indignação perante o comportamento de PSD e CDS. Esta quarta-feira, foi a vez de António Costa. O PSD perguntou, o CDS indagou, o Bloco inquiriu, o PCP interpelou, o PEV questionou e o PAN pediu para saber mais. O primeiro-ministro ouviu e optou por uma de três respostas: ora disse que a oposição está a aproveitar o tema para fazer chicana política; ora tranquilizou a esquerda, garantido que tudo está “nas melhores condições possíveis”; ora jurou que o Governo está “sereno”, embora alerta. As questões, essas, ficaram por responder.

Os meios aéreos “estão cá”. Estão? Foi outro dos momentos do debate: a determinada altura, confrontado por Catarina Martins, António Costa garantiu que “os meios aéreos estão cá [no país]”, prontos a voar em caso de emergência e isso “era o essencial”. No entanto, tal como Eduardo Cabrita fizera na véspera, o primeiro-ministro não disse onde estão, quantos são e quais são. Em teoria, existem 42 aeronaves já contratadas (das 50 previstas). No entanto, grande parte desses contratos ainda tem de ser validada pelo Tribunal de Contas. O Governo tem vindo a garantir que, mesmo assim, há elasticidade para empenhar os meios em situações excepcionais. Mas quantos estão nessas condições? Quantos estão fisicamente em Portugal? Na terça-feira, Eduardo Cabrita admitiu que seriam “dez”, mais três helicópteros ligeiros que pertencem ao Estado. Mas não deu mais detalhes. Esta quarta-feira, António Costa não acrescentou mais. A verdade é que, de acordo com o calendário definido pelo próprio Governo, a 1 de maio o Estado português já deveria ter 20 meios aéreos. Em rigor, não os tem. A menos que alguma coisa tenha mudado e o Governo não o transmita.