Se Portugal é o país que tem mais treinadores de bancada por metro quadrado do que qualquer outro, o mesmo acontece nos EUA com os comediantes de stand-up. Dá-se um pontapé numa pedra e sai um lá de baixo. Alguns deles, muito poucos, conseguem chegar ao topo e ter uma série ou um programa de televisão, e até mesmo ir fazer filmes em Hollywood para os grandes estúdios. Amy Schumer é uma dessas comediantes de stand-up que conseguiu vingar. Em 2013, o Comedy Central deu-lhe uma série com o seu nome, “Inside Amy Schumer”, e em 2015, após ter aparecido em papéis menores em duas ou três produções “indie”, entrou no seu primeiro filme de destaque: “Descarrilada”, de Judd Apatow, de que também escreveu o argumento.

[Veja um excerto de “Inside Amy Schumer”:]

A figura de Schumer neste filme, uma jornalista amiga da paródia, promíscua na cama e com pavor de se comprometer sentimentalmente por causa dos pais se terem divorciado quando ela era miúda, importava algumas das características da persona de palco da comediante, partilhando do seu tipo de humor auto-depreciativo, algo desbocado e bebendo nas experiências de ser mulher nas sociedades massificadas e permissivas contemporâneas. O que não se repetiu na fita seguinte, “Olha Que Duas”, de Jonathan Levine, uma comédia feminina esparvoaçada e feita por formulário do princípio ao fim, onde Amy Schumer abdicou de participar na escrita e contracena com Goldie Hawn, uma das suas atrizes favoritas, interpretando mãe e filha.

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[Veja o “trailer” de “Sou Sexy, Eu Sei!”]

“Sou Sexy, Eu Sei!”, o novo filme de Amy Schumer, escrito e realizado pelos estreantes Marc Silverstein e Abby Kohn, autores de comédias românticas regadas a água de rosas, é ainda mais confrangedor. Schumer interpreta Renee Bennett, uma mulher “normal”, sem namorado, com um grande problema de autoestima (agravado pela frequência de um ginásio que parece ter apenas top models como sócias) e um emprego anónimo numa empresa de cosméticos de luxo de Nova Iorque. Uma noite, em desespero, e depois de ver “Big” na televisão, Renee vai pedir um desejo a uma fonte. Na manhã seguinte, cai da bicicleta no ginásio, bate com a cabeça e desmaia. E quando acorda, convence-se que está transformada numa mulher lindíssima e “sexy” e começa a viver nessa ilusão. Consegue arranjar um namorado, embora pelas razões erradas, mas acaba por alienar as suas melhores amigas.

[Veja a entrevista com Amy Schumer:]

A comédia em “Sou Sexy, Eu Sei!” deveria nascer do contraste entre o aspeto real e as inseguranças de Renee, e a forma afirmativa e confiante como ela se comporta por julgar ter-se transformado numa vencedora do concurso de Miss EUA. O problema é que, não sendo nenhuma “brasa”, Amy Schumer nem é feia de quebrar espelhos e assustar criancinhas, nem morbidamente obesa, como aquelas americanas que roçam a disformidade e aparecem nos concursos tipo “The Biggest Loser”. Por isso, nada funciona no filme, que pretende ser “inspirador” (“Não importa o aspecto que temos, o que importa é sermos nós mesmos” e outro lixo de baboseiras sorridentes) mas tresanda a hipocrisia e a lugares-comuns reconfortantes e tão postiços como a voz de cana rachada da personagem interpretada por Michelle Williams, a rica e insegura patroa de Renee.

[Veja uma cena do filme:]

Além disso, para um filme que pretende fazer o elogio da beleza “interior” e condenar a cultura do “parecer”, a ditadura da superficialidade sedutora e a pressão imposta sobre as mulheres através dos modelos e estereótipos veiculados pelos media e pelas indústrias da moda e da beleza, este dá uma exposição e uma importância excessivas aos imperativos, aos produtos e à importância social dessas mesmas indústrias. À realização inerte e à péssima comédia, junta-se a mais ostensiva falsidade. “Sou Sexy, Eu Sei!” é cinema do mais fake que se manufactura em Hollywood.