O investigador Fernando Jorge Cardoso defendeu hoje que os ataques contra civis no norte de Moçambique são financiados por “radicais islâmicos” com o objetivo de desestabilizar, mas afastou o cenário de criação de um “movimento endógeno de longo prazo”.

“Não tenho a mínima dúvida que neste momento há financiamento de radicais islâmicos, através do Médio Oriente, interessados na instabilidade no leste africano e que cada vez têm mais ligação ao longo do litoral leste de África”, comentou o especialista em estudos africanos do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, coordenador de estudos estratégicos da organização não-governamental Instituto Marquês de Valle Flôr e diretor-executivo do Clube de Lisboa.

Segundo Fernando Jorge Cardoso, “há alguma insatisfação, particularmente de parte da população jovem na zona litoral, que vê a perspetiva de grandes investimentos a serem realizados, mas que não viu até agora nenhuma possibilidade de melhoria do nível de vida”.

Mas, assinalou, “isso, por si só, não leva à morte de pessoas e ao vandalismo sobre civis”, referindo-se aos ataques, nos últimos meses, na região de Cabo Delgado (norte de Moçambique). Para Fernando Jorge Cardoso, “há claramente um movimento de desestabilização que encaixa nessa insatisfação e que é financiado do exterior”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No entanto, o investigador não acredita que haja “condições no interior de Moçambique para a criação de um movimento endógeno de longo prazo”. Os ataques, comentou, são preocupantes, por atingirem civis e por “desestabilizarem toda uma área, particularmente na zona norte litoral, perto das grandes jazidas de gás, que estão prestes a começar em exploração”.

O objetivo, continuou, é “desestabilizar, chamar a atenção e criar uma visibilidade maior e dar a aparência de que este movimento ‘jihadista’ não foi aniquilado, apesar de tudo o que está a acontecer ao designado Estado Islâmico e à Al-Qaeda”. O especialista ressalvou que os ataques estão a ocorrer numa extensão de 100 quilómetros da costa leste moçambicana, num país com 2.750 quilómetros de litoral.

[FrameNews src=”https://s.frames.news/cards/economia-de-mocambique/?locale=pt-PT&static” width=”300px” id=”338″ slug=”economia-de-mocambique” thumbnail-url=”https://s.frames.news/cards/economia-de-mocambique/thumbnail?version=1527504650875&locale=pt-PT&publisher=observador.pt” mce-placeholder=”1″]

“Não deixa de ser grave e preocupante e afeta sem dúvida a exploração de gás, mas as grandes companhias que lá operam estão habituadas a este tipo de movimentação. Não acredito que este tipo de movimentos seja capaz de parar o desenvolvimento da exploração de gás”, acrescentou.

Fernando Jorge Cardoso sublinhou também que estes ataques “nada têm a ver com os conflitos anteriores – que ainda não estão totalmente resolvidos, mas estão quase – entre a Frelimo [no poder] e a Renamo [principal partido da oposição]”, comentando que as aquelas forças “não veem com bons olhos, de forma alguma, para o que se está a passar”.

As autoridades suspeitam que os crimes sejam da responsabilidade de células de um grupo que atacou a polícia e matou dois agentes na vila de Mocímboa da Praia em outubro de 2017 e que desde então tem invadido aldeias remotas, saqueando-as e provocando um número incerto de mortes e deslocados.

Só na mais recente vaga de violência, desde 27 de maio, morreram pelo menos 29 habitantes, 11 supostos agressores e dois elementos das forças de segurança, segundo números das autoridades e testemunhos da população à Lusa.