Bruno Mars veio “de longe”, muito longe. Para quê? “Para vos pôr a suar um bocadinho.” Foi ele que o disse no concerto deste domingo no Rock in Rio. De facto, de Los Angeles à Bela Vista, ainda são uns quilómetros. O moço é generoso, portanto. Também é bom rapaz: promete e cumpre. Talvez lhe falte maleabilidade para ser líder de um clube desportivo, mas na missão de pôr os outros a suar ninguém compete com ele. Dúvidas? O melhor talvez seja provar com perguntas:

  1. Quem é que põe tantos telemóveis no ar pedindo com jeitinho?
  2. Quem é que, num minuto, como quem não quer a coisa, organiza uma “competição funk” que põe a Bela Vista a saltar como quase nunca (como nunca?) se viu? 
  3. Quem é que provoca tantos pedidos de casamento só com uma possibilidade (“I think I wanna marry you“) que dá título a uma grande balada? 
  4. Quem é que leva um ser humano a pagar um bilhete de 69 euros para ver um concerto através de um ecrã?

Eram 23h13, 13 minutos depois da hora agendada, quando Bruno Mars entrou em palco com os seus Hooligans — a banda que, costuma dizer o cantor em entrevistas, é capaz de tocar numa festa de aniversário privada como se estivesse no grande Hollywood Bowl. Não duvidamos: não há uma nota que falhe e, mais impressionante do que isso, não há passo de dança que falhe enquanto toca de forma exímia, comandada por Bruno Mars. É obra.

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Abrir bem um concerto é meio caminho andado para agarrar o público. E que entrada teve Bruno Mars, com fogo de artifício (uma constante no concerto) e aquele “Nothing can stop us tonight” de “Finesse” a revelar-se premonição certeira. Como Bruno Mars já leva três álbuns de grande sucesso (o primeiro mais baladeiro, os dois seguintes mais festivos), não há grandes falhas no alinhamento e 24K Magic veio logo a seguir. “Guess who’s back again.” Pimba.

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Foi no fim da segunda música que Mars prometeu suor e disse que era “uma honra estar neste palco esta noite”. Acreditámos, ok, mas questionando se ele não dirá o mesmo a todas as plateias. O melhor era mesmo concentrarmo-nos na parte do suor, e foi isso que fizemos depois de o cantor disparar “Treasure” e de fazer a tal “funk competition” com os dois lados da plateia a saltar à vez. Logo a seguir veio um “we gonna party tonight”. Pois claro que sim, estava lá tudo para isso. E seguiu-se um suspiro, uma espécie de interlúdio inesperado para nos mostrar que Bruno Mars é humano e também se cansa depois de tanto salto e tanta coreografia.

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Claro que um concerto de 15 canções não se faz só de singles. O trio de músicas que veio depois — “Perm”, “Calling All My Lovelies” e “Chunky” — foi dirigido aos fãs mais fiéis. Eram muitos, ainda assim, mais e menos jovens: milhares (ao todo, estavam lá 85 mil) cantaram de telemóvel levantado no ar, criando um cenário de luzes impressionante. Culpa dos malandros dos refrões e de uma voz que é uma seta de cupido dirigida aos ouvintes.

O R&B e funk festivo voltou com “That’s What I Like”. “Lucky for you that’s what I like”, cantou Mars, que é como quem diz em português “sorte a tua/vossa que é disto que eu gosto”. Qualquer soberba que venha é aceitável — Bruno Mars é o “special one” da pop, um dos melhores entre os maiores. Apareceram ainda outras baladas cantadas verso a verso pelo público, “Versace on the Floor” (esta ao piano), “Marry You”, “When I Was Your Man” e “Just the Way You Are”, só para citar aquelas a que o público mais reagiu. No poker isto tem um nome: four of a kind.

Parecia que o concerto tinha terminado mas era falso alarme — faltava o maior hit de todos e do qual, ironia das ironias, Bruno Mars não é autor principal, mas sim um convidado que o abrilhantou. “Uptown Funk”, de Mark Ronson, fechou o concerto com chave de ouro — e com fogo de artifício, fogo a sério e fumo branco que parecia vir de uma reserva inesgotável.

Bruno Mars não é Michael Jackson, não é Prince, não é James Brown, não é nenhuma destas três grandes referências que o fizeram querer fazer a música que faz. Os tempos são outros, é tudo mais direitinho e mais ligeiro, namora tudo mais o cânone pop. Mas o groove é imbatível, a produção (volume tão alto quanto possível, instrumentos de sopro que elevam as canções aos céus, a bateria que faz tudo explodir em dança desbragada), que hoje mais ninguém tem, não podia ser feita noutras eras. Sobretudo agora, que Justin Timberlake parece ter-se perdido no caminho de regresso às suas raízes country.

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Se a voz deste havaino é de quem nasceu para o mundo do espetáculo, os concertos são de quem os leva muito a sério. Só podemos agradecer a Philip Lawrence, outro músico que há uns bons anos decidiu ligar a Bruno Mars depois da editora Motown o dispensar. Mars era apenas um talentoso imitador de Elvis Presley e outros cantores pop-rock e Lawrence disse-lhe algo como: “Acho que és capaz de escrever boas canções. Vamos tentar?” O que se seguiu é história.