Enquanto uns portugueses se queixam de um calor maior do que a encomenda, outros dizem estar habituados às temperaturas que fazem subir o mercúrio dos termómetros até perto dos 50ºC. E se uns admitem sofrer com estas condições meteorológicas, outros relativizam e garantem que o tempo de cortar a respiração é apenas sintoma de um verão que chega atrasado. Certo é que o calor chegou, não só por causa do anticiclone dos Açores, mas também por causa de uma massa de ar quente vinda de leste, como descreve o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Mas afinal quem tem razão: está mesmo mais calor do que é normal ou estas temperaturas só testemunham a chegada de um verão que tardou em aparecer?
Até agora o verão ainda não tinha assentado em Portugal porque o anticiclone dos Açores estava demasiado deslocado para servir de barreiras aos ares frios que podiam chegar ao território nacional. Para entender como é que isso acontece é preciso consultar o glossário do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Segundo esse dicionário, os anticiclones são centros de alta pressão atmosférica onde o ar das camadas mais superiores da atmosfera afundam e aquecem, impedindo os movimentos que poderiam levar à formação de nuvens e de chuva.
No caso particular do anticiclone dos Açores, esse centro de alta pressão fica mesmo por cima do arquipélago português homónimo e é tão grande que consegue influenciar o tempo não só na Europa, mas também em África e na América. É por causa dele que o deserto do Sahara é tão seco, que há ciclones no mar das Caraíbas e na América Central e que o verão por cá é tão quente como sabemos. Normalmente quando chega o verão, a pressão atmosférica do anticiclone dos Açores aumenta para 1.024 milibares e direciona-se para a Península Ibérica, provocando temperaturas altas e ondas de calor na costa leste dos Estados Unidos.
Este ano, no entanto, o comportamento do anticiclone dos Açores mudou. Em vez de permanecer por cima do arquipélago português como costuma fazer no verão, ele deslocou-se muito mais para oeste do que é normal, abrindo espaço para que as correntes de ar mais frescas chegassem a Portugal quando deviam ter sido bloqueadas pelo centro de alta pressão. Isso, a juntar ao facto de ter havido outro anticiclone no norte da Europa que encaminhava todo o ar quente vindo da região do Mediterrâneo para lá, fez com que o tempo ficasse todo trocado: cá estava o tempo que costuma estar no Reino Unido ou na Suécia nesta altura do ano; e lá estava o calor que costuma fazer em Portugal. No fundo, quem fez piadas sobre como o verão tinha tirado férias tinha mesmo razão.
Imagens da NASA mostram como a onda de calor mudou a cor da Europa
Apesar de tudo isto, o calor regressou ao país praticamente de um dia para o outro. As temperaturas que com ele vieram desafiam agora os registos mais altos alguma vez feitos em Portugal. No fundo, esse calor só expressa o verão naturalmente português a voltar a casa porque o anticiclone dos Açores, que estava demasiado a oeste, voltou para cima do arquipélago português. Ricardo Tavares, meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, explicou ao Observador que “o que está a acontecer é que o anticiclone dos Açores está a regressar à posição mais normal para esta época do ano”. Neste sentido, é verdade que este calor é meramente o verão.
No entanto, tanto calor não é normal, mesmo considerando as altas temperaturas que costumamos registar em Portugal: valores como os que têm sido verificados nas últimas 24 horas estão 5ºC acima daquilo que é considerado normal para o verão no país, por isso é que os meteorologistas sublinham que este calor é “extremo” e “gravíssimo”. Esta sexta-feira, por exemplo, espera-se uma máxima de 48ºC no Vale da Morte, um valor que está apenas 1ºC acima da temperatura mais alta prevista no país: 47ºC em Reguengos de Monsaraz, Évora e Portel.
Esses 5ºC a mais nas nossas temperaturas não significam que estejamos a atravessar uma onda de calor, um fenómeno a que o país está habituado a assistir. Como o Instituto Português do Mar e da Atmosfera segue as indicações da Organização Meteorológica Mundial, então os nossos meteorologistas e climatólogos partem do princípio de que esse fenómeno só se verifica quando a temperatura está 5ºC acima da média durante pelo menos seis dias consecutivos. Em alguns sítios, essa diferença térmica é superior a esta mas não está previsto que se mantenha durante mais do que quatro dias: o calor extremo começou na quarta-feira, mas só se deve arrastar até domingo. No entanto, as previsões podem errar e o aviso vermelho devido ao calor até já foi prolongado até domingo à tarde. Se estas temperaturas se mantiverem até terça-feira, então sim os climatólogos assumem que estamos numa onda de calor.