Os Queen têm Bohemian Rhapsody. Os Pink Floyd têm Wish You Were Here. Elvis tem Can’t Help Falling In Love e os Rolling Stones têm Satisfaction. Se são ou não as melhores músicas de cada um, é altamente discutível. São, ainda assim, as músicas mais populares de cada um. Seja pela mensagem, pela altura em que foram escritas, pelos acordes contagiantes ou pela conotação de hino que adquiriram. O mesmo não acontece com os Beatles. Não por não existir uma música mais popular: mas por existirem muitas músicas que poderiam ser consideradas a mais popular.

Tudo depende se os cabelos estavam mais curtos ou mais compridos, se os fatos escuros já tinham dado lugar às flores e ao pé descalço, se os rapazes de Liverpool já eram os homens do mundo e se Brian Epstein já tinha dado lugar a George Martin. Tudo depende do gosto de quem ouve. Ainda assim, existe uma música que agrada normalmente aos que preferem She Loves You, aos que adoram Come Together ou até aos fãs de I Am The Walrus. Hey Jude, provavelmente a mais consensual de todas as canções originais dos Beatles, faz este mês 50 anos.

Hey Jude, na verdade, começou como “Hey Jules”. A explicação é simples: em junho de 1968, Paul McCartney visitou Cynthia e Julian Lennon, a primeira mulher e o filho mais velho de John, que este deixou quando foi viver com Yoko Ono. A caminho de Weybridge, em Surrey, onde os dois viviam, McCartney começou a compôr dentro da cabeça uma música que era mais como um braço à volta de Julian, então com apenas cinco anos. O facto da coluna vertebral da canção ter sido pensada e construída enquanto o inglês estava ao volante – sem papéis, sem instrumentos – explica a simplicidade da composição. Paul McCartney foi para Julian um tio quase pai depois de Lennon se apaixonar por Yoko e deixar Cynthia; mais tarde, o próprio Lennon admitiu que nunca soube brincar com o filho e que delegava muitas vezes essa função para Paul.

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O The Guardian conta que Jules passou a Jude pelo motivo mais musical possível: “Soava melhor”, contou McCartney anos depois. A verdade é que a base empírica da música se alterou quando o britânico percebeu que estava também a escrever sobre a sua própria vida, tal como se percebe quando a letra muda o azimute de discurso encorajador paternal para discurso encorajador romântico (Hey Jude, don’t be afraid, you were made to go out and get her, “Hey Jude, não tenhas medo, tu foste feito para ir lá e ficar com ela”, em português). Na altura, em 1968, McCartney tinha acabado de ser deixado pela noiva, Jane Asher, que o apanhou a traí-la com outra mulher. Ao mesmo tempo, o rapaz de Liverpool namorava secretamente com Maggie McGivern e tinha acabado de conhecer Linda Eastman, com quem esteve casado durante quase 30 anos. Mas talvez seja a ambiguidade da letra, o facto de se aplicar a tantas outras histórias de amor dos anos 60 e de agora, que tornou Hey Jude o hino de tantas outras vidas que não a de McCartney.

A chegar à Grécia, em 1967: Julian Lennon, então com quatro anos, de mão dada com McCartney e não com o pai

E foi por isso que quando Paul McCartney, já regressado a Londres, mostrou pela primeira vez a nova música aos outros três membros dos Beatles, Lennon gritou: “Sou eu!”. Mas Paul, ainda longe de perceber a real abrangência da canção, ripostou: “Não, sou eu!”. Nas semanas que se seguiram, o músico lutou pela visão que tinha para Hey Jude como nunca tinha feito com qualquer outra composição sua. Bateu o pé pela duração da gravação, que chegou aos sete minutos, mesmo depois de George Martin lhe ter dito que nenhuma rádio passaria uma música com tanto tempo; recusou um riff de guitarra que George Harrison tinha composto para responder aos na, na, na; e conseguiu convencer os produtores a contratar uma orquestra para a segunda parte da canção.

A primeira parte foi gravada em Abbey Road. A segunda teve de ser tocada noutro estúdio, o Trident, este já com espaço para os 36 músicos clássicos que se juntaram aos Beatles naquele dia. De repente, Hey Jude já não era uma música composta por um homem solitário a caminho de casa da ex-mulher do melhor amigo; mas sim uma composição com pés e cabeça tocada por 40 músicos.

Até ao final dos anos 60, foi gravada por Elvis Presley, Smokey Robinson, Diana Ross e Ella Fitzgerald. Tornou-se um hino também no futebol, cantado pelos adeptos do Manchester City quando o clube ganhou a Premier League pela primeira vez, em 2012, e utilizado pela claque do Arsenal para evocar Olivier Giroud, o francês que entretanto se mudou para Chelsea. Mas acima de tudo, Hey Jude é o elo que permanece entre Paul McCartney e John Lennon. “É a melhor música do Paul”, disse John em 1972, já depois do fim dos Beatles.