Perguntava há uns anos um cantor portuense, em forma de música, quem lhe levava os seus fantasmas, quem o livrava desta espada e lhe dizia onde era a estrada. É uma questão existencial que toca a todos, mas que tem tocado a Sérgio Conceição em particular. Não foi no jogo deste domingo, frente ao Moreirense, que a pergunta deixou de fazer sentido — mas Marega tentou dar-lhe resposta.

Contra todas as expectativas, a época amanheceu confusa para os lados do Dragão. Revelou um FC Porto numa espécie de crise de identidade – alternando entre um grupo maduro e um outro com traços de adolescente inseguro, ora devorando o adversário com todos os dedos que tem na mão (como aconteceu com o Chaves, na primeira jornada), ora levando um banho de realidade com uma derrota em pleno Dragão (cortesia do V. Guimarães, na terceira).

Pelo meio, entre o ótimo e o mau demais, houve um aviso (com o Belenenses), que Sérgio Conceição resolveu tratar com uma metáfora: “Como dizia um antigo treinador meu, uns dias pratica-se um futebol champanhe e noutros é mais um vinho da tasca, que também é saboroso”.

Sérgio Conceição quis levantar novamente a taça, brindar ao bom futebol – e pelo caminho desviar o FC Porto da rota do divã, onde necessariamente cairia se o resultado fosse, novamente, negativo. Para isso, deixou de lado o braço de ferro que criou consigo mesmo e, pela primeira vez na temporada, mudou o onze inicial. Contra novo adversário minhoto, saltaram os miúdos Diogo Leite e André Pereira, entraram os graúdos Éder Militão, que fez a estreia no eixo da defesa (curiosamente do lado esquerdo), e Marega, regressado depois de ter cumprido o devido período de penitência. Duas novidades para o presente, mas da ficha de jogo restava ainda uma (importante) nota para o futuro: o regresso de Danilo aos convocados (e aos relvados, mas já lá vamos).

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Ficha de Jogo

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FC Porto-Moreirense, 3-0

4.ª jornada da Primeira Liga

Estádio do Dragão

Árbitro: Hélder Malheiro

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Militão e Alex Telles; Otávio, Herrera, Sérgio Oliveira (Óliver, 74′) e Brahimi (Danilo, 82′); Aboubakar (Corona, 64′) e Marega.

Suplentes não utilizados: Vaná, Diogo Leite, Marius e Adrián López.

Treinador: Sérgio Conceição

Moreirense: Jhonatan; João Aurélio, Abarhoun, Ivanildo e Bruno Silva; Chiquinho (Rodríguez, 80′), Loum e Neto (Schons, 61′); Heriberto, Pedro Nuno e Bilel (Nenê, 71′).

Suplentes não utilizados: Trigueira, Pato, Halliche, Arsénio e D’Alberto.

Treinador: Ivo Vieira

Golos: Herrera (15′), Aboubakar (28′) e Marega (90′)

Ação disciplinar: Sérgio Oliveira (41′) e Felipe (67′)

O FC Porto ia entrar voraz, tentando recuperar o estilo rolo compressor que caracterizou o seu futebol na época passada — e, de forma até surpreendente, no primeiro jogo desta temporada. Certo? Bom, nem por isso. A formação de Sérgio Conceição entrou com vontade, é certo, andou colado à bola mas nem sempre conseguiu fazer com que ela incomodasse Jhonatan. Muito mérito do Moreirense, que cumpriu o que Ivo Vieira tinha dito na véspera: não estacionou o autocarro no Dragão (muito longe disso), desfrutou do jogo e tentou virá-lo a seu favor com extremos velozes e com um meio-campo hiperpovoado que não hesitava em abrir o jogo assim que podia.

Nesta calmaria de oportunidades flagrantes caminhou o jogo até ao minuto 9, quando o apito de Hélder Malheiro trouxe o primeiro sobressalto: Aboubakar correu para a baliza, mas pelo caminho foi travado por Loum, já na grande área. O árbitro não hesitou. Prrrriiiiiiiii! Grande penalidade. Mas já Alex Telles se encaminhava para a bola, tentando converter o pontapé dos 11 metros, quando afinal o juiz da partida resolveu, via das dúvidas, consultar o VAR. De lá voltou com nova decisão — a de anular a primeira. Terá considerado que o toque do médio senegalês foi inevitável (e, a bom rigor, o joelho acerta primeiro na bola do que no avançado portista).

Tudo na mesma — ou quase. Porque cinco minutos depois, mais coisa menos coisa, Alex Telles voltou a aproximar-se da bola para a tocar, mas agora através de um pontapé de canto. O brasileiro levantou, Éder Militão foi lá acima às alturas, ajeitou para Herrera, que se apanhou com a bola nos pés na cara de Jhonatan, quase sem saber quase como. Ainda assim, soube bem como a encostar e fazê-la agitar as redes dos minhotos. Ficou feito o 1-0 na primeira oportunidade digna desse nome.

Não se pense que o Moreirense se encolheu — longe disso. Os cónegos tinham bola (aliás, chegaram ao intervalo com 48% de posse) e sabiam o que fazer com ela. Heriberto e Bilel, sobretudo eles, eram duas setas apontadas na direção de Casillas, mas faltava um bocadinho assim, que era a finalização.

Entretanto, na direita portista nascia uma nova sociedade entre Marega e Otávio. Quase todas as ocasiões nasciam do frenesim desta asa, com o maliano a ser o joker que foi na época passada: ora surgindo na frente, ao lado de Aboubakar, ora na direita, imprimindo velocidade e profundidade no jogo portista (e libertando Otávio para ser mais Otávio, já que o brasileiro não é extremo, como algumas vezes acabou por ter de ser). Foi, aliás, desta nova parceria que nasceu o 2-0. O médio construiu pela direita, solicitou a entrada do maliano, que tentou rematar cruzado e já sem ângulo. A bola bateu no poste, fez ricochete, sobrou para Aboubakar, que, um pouco como Herrera no primeiro golo, se viu com ela nos pés sem saber ler nem escrever, mas teve o oportunismo de a colocar dentro da baliza.

Estava construída uma vantagem que dava razão ao técnico portista nas escolhas que fez para o onze: tanto Militão como Marega tinham interferência direta no resultado.

Ir para o intervalo a vencer é coisa fácil para este FC Porto. Afinal tinha-o conseguido nos quatro jogos que já tinha realizado esta temporada — os três do campeonato mais a Supertaça. Difícil difícil era manter o triunfo e, mais do que isso, enxotar os fantasmas que pairavam na traumatizada mente portista.

Não foi coisa simples. A segunda parte trouxe um FC Porto mais encolhido, sem chama, apagado perante um Moreirense que surgia com as linhas mais subidas tentando bater o pé ao resultado. Os dragões bem queriam aproveitar as bolas nas costas da defensiva contrária, mas o mais que conseguiam eram alguns lances em contra-ataque, muitos deles a terminarem com Marega em fora de jogo (eram cinco aos 60 minutos, batendo um recorde nesta edição do campeonato).

Já depois de Brahimi ter levado o Dragão a gritar golo com um remate que agitou a malha lateral, Sérgio Conceição mexeu: tirou Aboubakar e fez entrar Corona, passando Marega para ponta de lança e recuando Otávio para reforçar o miolo. Mas aquele FC Porto avassalador, aquele FC Porto voraz, continuava em parte incerta. As ideias escasseavam, a intensidade baixava e foi preciso Herrera fazer voz de comando numa roda improvisada para tentar encarrilar a coisa.

Já com Danilo em campo, de regresso cinco meses depois, Marega voltou a fazer o Dragão rugir quando talvez já não se esperasse. Mesmo ao cair do pano, aproveitou o trabalho do novo parceiro Otávio, agora pela esquerda, e sentenciou o resultado, fazendo o primeiro golo nesta edição da prova. A tal canção do artista portuense diz também, a certa altura, que “de costas voltadas não se vê o futuro”. Marega encarou-o de frente, respondeu aos fantasmas de Conceição e traçou o novo rumo do FC Porto.