É conhecido por fotografias históricas da revolução de 25 de Abril, incluindo um célebre retrato do capitão Salgueiro Maia no Largo do Carmo, e agora vem mostrar-se como retratista de inúmeras personalidades do deporto, das artes e da cultura, não apenas da vida política portuguesa.

Aos 65 anos, quase 50 como fotojornalista, Alfredo Cunha publica o primeiro grande álbum de retratos e nele surgem Cristiano Ronaldo e Amélia Rey Colaço, Marcelo Rebelo de Sousa e Laura Alves, Cesária Évora e Pinto da Costa, António Lobo Antunes e Zé Pedro, António Gedeão e Eduardo Lourenço, Aldina Duarte e tantos outros.

“Retratos, 1970-2018” é editado pela Tinta da China e tem apresentação pública marcada para 1 de outubro em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Autores. O livro começou a tomar forma há cerca de 18 anos, quando fez ensaios fotográficos dos convidados de um programa de entrevistas de Ana Sousa Dias, “Por Outro Lado”, na RTP2.

“Comecei a ver que tinha em arquivo muitos retratos de gente que já tinha desaparecido e vi-me perante um acervo que me levou a pensar num livro”, recorda. “Até então, não tinha noção da quantidade de retratos que já tinha feito.”

Considera-se, porém, um retratista de origem. Filho e neto de retratistas comerciais de casamentos e batizados, donos de um estúdio onde faziam fotos de família e para documentos, Alfredo Cunha começou por aprender esse ofício, ainda miúdo. “Tinha uma visão muito utilitária da fotografia e mais tarde, no meu trabalho como fotógrafo profissional, mesmo nas reportagens, achei sempre importante retratar as pessoas.”

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Alfredo Cunha: “Acho que não fotografei muito bem o 25 de Abril”

É talvez por isso que algumas imagens do livro fazem lembrar pinturas. Os primeiros fotógrafos, no século XIX, também imitaram pintores retratistas. Alfredo Cunha diz que herdou essa linha. “É uma linguagem que me está próxima. Na luz, nas formas, nos enquadramentos”, reconhece. Por outro lado, considera que teve longevidade na profissão devido à “formação sólida” que a família lhe deu e por ter compreendido as mudanças tecnológicas na fotografia.

“Quando passei para a fotografia digital, adaptei-me muito bem”, conta. “Não sou reacionário em relação à técnica e não tenho purismos exagerados. Passei demasiadas horas às escuras, dentro de um laboratório, a revelar e a imprimir fotos para ter saudades desses tempos.”

Nascido em Celorico da Beira, Alfredo Cunha é um dos mais respeitados fotojornalistas portugueses. Exerceu no “Notícias da Amadora”, em “O Século”, em várias agências de notícias, incluindo a Lusa, no “Público”, no “Jornal de Notícias”. Foi fotógrafo oficial de dois presidentes da República: Ramalho Eanes e Mário Soares. Saiu do jornalismo em 2012, mas não tem a certeza de que o jornalismo tenha saído dele.

Ao telefone a partir de Vila Verde, Braga, onde vive desde há vários anos, comentou 10 imagens do novo livro propostas pelo Observador e considerou estas escolhas “muito felizes”, “para não estarem sempre a aparecer as mesmas fotos que fiz de políticos”.

A capa de “Retratos”, livro publicado pela Tinta-da-China

Laura Alves (1974)

“Fotografei-a num camarim do Teatro Laura Alves, perto da Avenida Almirante Reis, enquanto se maquilhava para entrar em palco. Não me lembro do nome da peça. Tinha ido fazer um serviço para o jornal ‘O Século’, com o crítico de teatro Tito Lívio. Fui porque mais ninguém do jornal queria ir. Eram os tempos a seguir à revolução e a Laura Alves não era de esquerda. Pensei que encontrava uma vedeta, mas encontrei uma pessoa simples e simpática. Não a conhecia antes, e depois desta foto não voltei a vê-la.”

Conselho da Revolução (1976)

“São os momentos que antecedem a tomada de posse da assembleia constituinte. Eles estavam à espera que entrasse toda a gente, ali nas escadarias do Palácio de São Bento. Não sei porquê, não há muitos retratos coletivos do Conselho da Revolução, aliás, não conheço outro.”

[na foto da esq. para a dir.: capitão de artilharia Rodrigo Manuel Lopes de Sousa e Castro, capitão-de-fragata e engenheiro construtor naval Manuel Beirão Martins Guerreiro, tenente‑coronel Manuel Ribeiro Franco Charais, tenente‑coronel Ernesto Augusto de Melo Antunes, almirante Vítor Manuel Trigueiros Crespo, major de infantaria Vítor Manuel Rodrigues Alves]

Raul Indipwo (1987)

“É uma foto para promoção de um disco dele a solo, fi-la para a editora Valentim de Carvalho – é aquilo a que chamamos trabalho corporativo, fundamental durante muito tempo para os fotojornalistas, devido aos salários baixos da imprensa. Ainda hoje é assim. É uma foto encenada, mas não gosto de trabalhar assim. Normalmente, uso a luz disponível, peço alguma pose, mas pouca encenação. Executei de acordo com a lógica que o artista me pediu.”

Maria Elisa (1994)

“Sou muito amigo da Maria Elisa, conheço-a há muitos anos, de antes deste retrato. Foi durante uma entrevista para a revista do jornal Público. Já não me lembro do nome do jornalista que tinha ido comigo. Sermos amigos não acrescentou muito, porque estabeleço sempre boas relações com as pessoas que fotografo.”

António Gedeão (1994)

“Foi numa entrevista para o Público, feita pelo Fernando Dacosta. É um retrato com luz de janela, ele estava no sofá, tentei compor a imagem o melhor possível. Para mim, o retrato tem de ter duas componentes: que o retratado se reconheça e que as pessoas o reconheçam. O retrato é informação, é uma forma de captar a essência da pessoa e as suas características.”

Agustina Bessa-Luís (1996)

“Durante uma entrevista para o jornal Público, feita pelo jornalista Sérgio Costa Andrade. A Agustina, aqui, é uma personagem dos livros dela. A forma como se senta, todo aquele classicismo.  Há um certo mistério: não posso determinar se ela é mesmo assim. No livro, há um outro retrato da Agustina, na página ao lado, tirado na mesma ocasião, mas onde ela é uma personagem totalmente diferente. Perceber isso, apreender esse momento, faz a diferença entre um fotógrafo eficaz e um fotógrafo incompetente.”

Manel Cruz (2012)

“Fotografei-o para o Jornal de Notícias. Gosto muito de fazer retratos de perfil, acho que o perfil revela muito a personalidade das pessoas. No livro, este retrato surge ao lado de um outro, do Manuel António Pina, que tem uma linguagem completamente diferente.”

Pinto da Costa (2017)

“Sou benfiquista e sou amigo de Pinto da Costa. É um retrato feito já a pensar no livro. Fui fotografá-lo ao Estádio do Dragão, claro. Ele brincava e dizia: ‘Temos de trazer para aqui os benfiquistas, para termos os inimigos por perto’.

Cristiano Ronaldo (2018)

“Não conseguia de forma nenhuma ter acesso ao Cristiano e estava desesperado, porque achava que ele tinha mesmo de entrar no livro. Numa ocasião em que fui fazer qualquer coisa ao Palácio de Belém, o Marcelo pergunta-me pelo livro dos retratos – ele sabia, porque eu também o tinha fotografado. Eu digo-lhe: “Estou aqui com um problema.” Ele responde: “Vamos já resolver isso.” Telefonou ao Cristiano e ele aceitou. O retrato é de frente, porque foi essa a atitude dele. Fotografei-o num apartamento no Estoril.”

Aldina Duarte (2018)

“É um retrato encenado, o retrato do fado fatalista, que é o que sinto na voz dela. Pedi à Ana Sousa Dias, que é muito amiga da Aldina. Houve uma empatia muito grande e ela aceitou. Fizemos a foto no Museu do Fado. Há um pormenor: o tecido que ela tem à volta do corpo não é um xaile, é o pano que costumo usar como fundo de algumas fotos.