O inspetor da Polícia Judiciária Militar (PJM), major Vasco Brazão, suspeito de fazer parte de um grupo de nove militares e civis que terão encenado a entrega das armas de Tancos, e que se encontra na República Centro Africana ao abrigo de uma missão militar da União Europeia, está a negociar com a justiça a momento de regressar a Portugal e apresentar-se à justiça. “Está desejoso de prestar declarações e esclarecer este equivoco”, disse Ricardo Sá Fernandes à saída do Tribunal de Instrução Criminal, pouco depois de se formalizar como advogado do inspetor da PJM.

À porta do tribunal onde estão a ser interrogados os restantes oito membros deste grupo, e ainda sem ter tido acesso aos autos — uma vez que o cliente ainda não foi constituído arguido –, Sá Fernandes assumiu a defesa pública de Vasco Brazão. O major do Exército “não é um criminoso e a imagem que tem sido passada de que [os inspetores da PJM] são criminosos, com atividades criminosas, não corresponde à verdade”, defendeu Sá Fernandes.

Numa tentativa de reduzir a tensão à volta do processo, o advogado reconhece que possa ter havido, na investigação ao furto de Tancos, “equívocos, desfasamentos, incompreensões recíprocas que importa deslindar” e defende que se encontrem “soluções para o que aconteceu”. Sá Fernandes não aceita, no entanto, a ideia de que o caso de Tancos possa colocar em causa a continuidade da PJM, como foi defendido nos últimos dias por vários atores políticos. “À pala deste processo querer eliminar uma instiução… temos de ter sentido de Estado, que às vezes falta”, disse.

Advogado denuncia “pressões” políticas sobre a PJ

O advogado dos três militares da GNR detidos esta terça-feira numa operação da Polícia Judiciária, e que terão participado num esquema para proteger um dos assaltantes dos Paióis Nacionais de Tancos, considera que houve “pressão” sobre os inspetores da PJ para acelerarem o processo.

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À entrada para o Tribunal de Instrução Criminal, onde os oito detidos deveriam ser identificados esta manhã para depois serem sujeitos a primeiro interrogatório judicial — o que ainda não aconteceu —, Luís Cruz Campos diz que este processo (paralelo ao assalto aos paióis) “é uma guerra institucional” entre as duas polícias e que “não passa disto”. Mas foi mais longe.

O advogado dos três militares considera “evidente” ter havido “pressão política” sobre os responsáveis pela investigação. “É evidente que há pressão política, o senhor Presidente da República pediu resultados”, disse Cruz Campos, aludindo às declarações Marcelo Rebelo de Sousa, no início do mês. Nessa intervenção, Marcelo mostrou-se convicto de que os resultados no caso de Tancos estariam para “por dias, por semanas”, mas não por meses. O advogado considera que o Presidente da República “não pode fazer este tipo de pressão” e pedir “resultados imediatos”.

“Dia 10 de setembro, [o Presidente da República] pede resultados, depois a Procuradora-geral da República é substituída, hoje, começam os Comandos e estamos aqui a falar da PJM”, resumiu. Para concluir: “Nada disto são coincidências.”

Também à entrada do Tribunal de Instrução Criminal, outro dos advogados, João Magalhães, representante de um dos inspectores da Polícia Judiciária Militar que também foram detidos na terça-feira, considerou “estranho que tudo se tenha desenvolvido com alguma precipitação” no início da semana. Foram detidas oito pessoas, mas um nono suspeito continua em liberdade, integrado numa missão da União Europeia na República Centro Africana. Esse nono suspeito aterrou em Bangui na segunda-feira, um dia antes de a PJ desencadear a operação Húbris. “Estamos no limite do prazo para apresentação do processo” às defesas “e há outra pessoa que não está cá”, diz Magalhães.

“Investigações roçam a linha da legalidade”

Cruz Campos deixou ainda críticas à forma como o processo decorreu nos últimos dois dias, admitindo que esteja esgotado prazo legal para os oito detidos continuarem nessa condição sem que tenham sido identificados por um juiz nem sujeitos a primeiro interrogatório judicial. “Estou há 48 horas à espera de trabalhar e não sei nada deste processo”, lamentou o advogado dos três militares da GNR.

Para Cruz Campos, a operação de terça-feira não passou de um “show off” da Judiciária, uma vez que qualquer um dos detidos podia ter sido convocado para se apresentar em tribunal. “Este show off é muito bonito, mas a justiça é a justiça, não é poder político, não são guerras institucionais, não é o afastamento de ministros”, disse o advogado aos jornalistas.

Às 11h da manhã, os oito detidos continuavam à espera de ser identificados nos corredores do TIC. Não havia processo para ser consultado (não tinha sequer chegado ao tribunal) e também não havia sinal dos procuradores responsáveis pelo processo. “Tenho uma ideia muito concreta, que é a de que já rebentaram as 48 horas” legais para primeiro interrogatório, disse Cruz Campos. A partir desse momento, ficava em aberto a possibilidade de requerer a libertação imediata por prisão ilegal.

Esse passo foi dado em cima da hora. Com os procuradores Vítor Magalhães e João Melo chegaram ao TIC as 178 páginas de um processo, a Operação Húbris. Os advogados puderam consultar os factos apontados aos inspetores da PJM, aos militares da GNR e ao civil, suspeito de ter participado no assalto em junho do ano passado. À saída dessa consulta inicial, antes do intervalo para o almoço, João Magalhães falava num processo com contornos de “vingança, com aspas ou sem aspas”, pelo facto de a PJM ter recuperado as armas.

“O que deveria importar a todos, seria que foram recuperadas as armas de Tancos”, sublinhava. Sem falar do processo, o advogado disse que “em todas as investigações, podemos dizer que há atos ilícitos”. E partilha a sua experiência pessoal: “Já fiz centenas de processos em que há meios lícitos e meios duvidoso, em que se usam infiltrados, em que se usam informadores e em que o que importa, não havendo um real e absoluto atropelo da lei, são os resultados que a PJM, a PJ, a PSP e a GNR” consigam apresentar.

Magalhães insiste na ideia de que, “nas investigações, sejam elas de maior gravidade dos crimes praticados ou menor, se roça a linha daquilo que é a legalidade dos órgãos de polícia criminal”. Nos processos que acompanhou, diz, é um “facto” que “as investigações recorrem a informadores que os investigadores preservam, que cada uma das polícias tem as suas pedras de toque” e que “cada investigador criminal vai à procura” dos factos. Porque “as coisas não aparecem do nada”.