A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) mantém as reservas apresentadas há uma semana às contas do défice apresentadas pelo Governo, insiste que o défice calculado deveria ser de 0,5% e não de 0,2% do PIB, e questiona as explicações dadas pelo ministro das Finanças, não só para a discrepância no valor do défice, mas também para as diferenças em relação ao impacto das medidas que enviou para a Comissão Europeia.

Depois de uma semana de debate intenso e de troca de acusações, os técnicos independentes do Parlamento que analisam as questões orçamentais enviaram aos deputados a versão final do parecer que analisa a proposta de Orçamento do Estado para 2019. No documento, a que o Observador teve acesso, os técnicos mantêm todas as reservas que levantaram há uma semana e ainda rebatem as explicações dadas pelo ministro das Finanças no Parlamento em vários pontos.

Na questão que mais debate suscitou, a divergência de 590 milhões de euros que existe entre o saldo global que o Governo pede ao Parlamento para aprovar e a meta para o défice de 0,2%, o ministro das Finanças disse que o défice seria mais baixo nestes 590 milhões de euros porque se trata de uma previsão e que esta é a forma correta de calcular a meta do défice.

No entanto, a UTAO rebate dizendo que as explicações de Mário Centeno são “tecnicamente incoerentes” uma vez que “o saldo global da proposta de orçamento não é, em si mesmo, uma previsão”. Os técnicos insistem dizendo que as previsões para a receita e a despesa já são em si uma previsão, o que faz com que, de acordo com as explicações de Mário Centeno, a meta do défice incluísse uma dupla previsão.

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“O que o Governo veio dizer é que sobre a previsão de receita e despesa efetivas constantes dos mapas da lei, veio fazer uma segunda previsão, esta sobre a diferença entre a receita prevista e a despesa prevista. Com o devido respeito, a UTAO entende que este procedimento é tecnicamente incoerente, pois não tem fundamento nas definições contabilísticas universalmente aceites. O Governo tem toda a legitimidade para, em sede de execução orçamental, gastar menos do que previu ou para cobrar mais do que previu, mas não pode fazer uma previsão diretamente sobre uma definição, que é o que é uma identidade contabilística”, dizem os técnicos.

“Se não precisa dos 590 M€, então poderia simplesmente não os ter incluído nas previsões de receita e despesa efetivas que propôs para deliberação parlamentar. É também uma questão de princípio, e esta é a segunda razão, porque, se doravante se passar a achar admissível que o saldo global pode ser um exercício de previsão alternativo ou complementar ao próprio exercício de previsão das suas parcelas, no futuro poder-se-á estar a falar de discrepâncias muito maiores, dificilmente compatíveis com “educated guesses” e que, no final do dia, tornariam as previsões de receita e despesa totalmente inúteis”, acrescentam os técnicos.

A UTAO questiona a transparência da proposta de orçamento para o próximo ano e diz que “estaria a prestar um mau serviço se não alertasse os senhores deputados e o país para vulnerabilidades técnicas dessas propostas, especialmente tendo em conta que a Assembleia da República delibera sobre os agregados orçamentais em Contabilidade Pública”.

Ao não dizer onde pretende fazer estas poupanças que já estão incluídas nas contas, o que o Governo está a pedir à Assembleia “poderá ter implicações no papel que cabe à Assembleia da República em matéria de alterações orçamentais” e retira capacidade ao Parlamento de fiscalizar a execução do orçamento.

Segundo os técnicos, apenas relativamente a esta parcela de 590 milhões, o Governo passaria a ter margem para evitar pedir um retificativo e aumentar ou reduzir a despesa num determinado programa orçamental, sem ter de pedir autorização ou explicar à Assembleia da República, e transferir parte do orçamento de um ministério para outro, por exemplo.

Explicações de Centeno sobre documento enviado a Bruxelas não batem com as regras

Outra das divergências encontradas pela UTAO diz respeito ao valor das medidas de política que foram incluídas na proposta de Orçamento do Estado e nos documentos enviados para a Comissão Europeia.

Segundo os técnicos, no documento enviado para Bruxelas, o Governo diz que as medidas de política melhoram o défice em 0,4% do PIB, mas na informação enviada à UTAO, que é mais vasta, o impacto positivo no défice destas medidas desce para 0,15% do PIB, menos de metade.

No Parlamento, o ministro disse que a explicação é que a Comissão Europeia tem regras de reporte diferente, que só incluem medidas de valor superior. No entanto, a UTAO relembra as regras e diz que as explicações de Mário Centeno não encontram suporte nas regras europeias, porque a Comissão não exige apenas uma parcela das medidas, mas todas, pedindo sim uma desagregação das medidas com maior impacto no défice.

“Nas orientações europeias de reporte no âmbito dos Projetos de Plano Orçamental, a UTAO não encontra razões para que o Governo tenha comunicado à Comissão Europeia menos medidas e um valor global diferente do que as medidas e o valor transmitidos à UTAO. Pelo contrário, as orientações convocam à prestação maximalista de informação. O Código de Conduta do Two Pack estabelece as orientações quanto ao conteúdo e ao formato da informação a colocar nos Projetos de Plano Orçamental. Como a citação abaixo reproduzida afirma, a informação a reportar pelos Estados-membros relativamente àquelas medidas deve ser exaustiva e, por conseguinte, no caso presente, deveria ter coincidido com a resposta ao pedido de informação formulado pela UTAO. Com efeito, os Estados-membros têm de identificar e quantificar nos Projetos de Plano Orçamental todas as medidas de política discricionárias que preveem adotar, face ao cenário de políticas invariantes, mesmo as de menor dimensão, ainda que a quantificação do seu impacto possa ser apresentada em termos agregados”, lembram os técnicos.