Em janeiro de 2013, o Southampton – recém-promovido à Premier League – despediu o inglês Nigel Adkins e contratou o inesperado Mauricio Pochettino, argentino que tinha conseguido angariar mais elogios e admiração do que propriamente resultados ao longo de três anos no banco técnico do Espanyol. Em St. Mary’s, e apenas durante uma época e meia, conseguiu terminar o Campeonato na oitava posição, o melhor resultado da equipa desde 2002/03, e acumular o maior número de pontos desde que a Premier League começou a ser realizada no formato atual, em 1992/93. A prestação surpreendente de um recém-chegado ao futebol inglês em tão pouco tempo chamou a atenção dos “tubarões” e a conjuntura financeira, bem como a ambição de chegar a voos mais altos nas temporadas seguintes, levaram o Tottenham a ver um investimento de futuro.

Passaram mais de quatro anos desde que o argentino rumou a Londres. Pochettino continua no Tottenham e, apesar dos resultados palpáveis tardarem a chegar, o clube continua a ser presença assídua nas eliminatórias da Liga dos Campeões e é ainda um dos adversários que Manchester City, Manchester United, Liverpool, Chelsea e Arsenal mais temem, até pelos elogios frequentes ao seu futebol. Em Southampton, Ronald Koeman sucedeu ao argentino e terminou a temporada 2015/16 no sexto lugar, o melhor resultado de sempre do clube, carimbando ainda a presença na Liga Europa do ano seguinte. Quando o holandês que passou pelo Benfica saiu para o Everton, Claude Puel herdou uma equipa que ia perdendo a pouco e pouco a injeção de adrenalina, futebol espetáculo e filosofia vencedora que Pochettino tinha deixado. Seguiram-se Mauricio Pellegrino e Mark Hughes, saíram Sadio Mané e Virgil van Dijk. Esta temporada, à 15.ª jornada, o Southampton estava em 19.º lugar, com apenas nove pontos conquistados (somente três acima da despromoção) e tinha vencido apenas uma vez.

Mark Hughes foi despedido após o empate frente ao Manchester United (com um grande golo de Cédric) e a direção do Southampton decidiu repetir a fórmula Pochettino: ir buscar um treinador quase desconhecido, com poucas provas dadas mas com selo de qualidade. O escolhido foi o austríaco Ralph Hasenhüttl, sem clube desde maio, altura em que saiu do RB Leipzig. O técnico de 51 anos, que conquistou o Campeonato austríaco por quatro ocasiões enquanto jogador (três com o Áustria de Viena, uma com o Salzburgo), começou a carreira de treinador no SpVgg Unterhaching e no VfR Aalen, ambos da terceira divisão alemã. Os bons resultados – principalmente contra os bês das equipas “grandes”, Bayern Munique, Borussia Dortmund e Estugarda – garantiram-lhe o salto para a segunda divisão, onde foi orientar o modesto Ingolstadt 04. Quando chegou, o clube estava em último e à beira da despromoção; Hasenhüttl assegurou um confortável décimo lugar e na temporada seguinte sagrou-se campeão da Segunda Divisão, agarrando uma inédita promoção à Bundesliga.

A forma efusiva como o austríaco celebrou a vitória frente ao Arsenal com os jogadores teve eco na imprensa britânica

Na temporada seguinte, conseguiu garantir a manutenção no principal campeonato alemão mas escolheu não renovar contrato. Estava pronto para abraçar outro desafio: o comando técnico do RB Leipzig, que se preparava para realizar a primeira temporada na Bundesliga e tinha no plantel jogadores como Timo Werner, Naby Keïta, Yussuf Poulsen e Emil Forsberg. O treinador austríaco levou para o novo clube a energia e a dinâmica que tinham funcionado no Ingolstadt 04 e formou uma equipa cujo objetivo principal era provocar o erro do adversário. “O futebol é um jogo de erros. Quem comete menos erros, ganha”, explicou numa conferência de imprensa, sublinhando aquele que é o seu mantra: velocidade, manter a bola o mais afastada possível da própria baliza e uma identidade forte. O futebol praticado pode nem sempre ser bonito nem elegante; mas entusiasma. E uma equipa entusiasmada é boa parte daquilo que é necessário para o sucesso.

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Naquela temporada de estreia, o RB Leipzig bateu o Borussia Dortmund e o Hoffenheim na luta pelo título de “melhor dos últimos” – o Bayern Munique foi campeão de forma destacada, com 15 pontos de vantagem – e terminou o Campeonato na segunda posição, o que garantiu um apuramento inédito para a Liga dos Campeões: desde a reunificação da Alemanha, nenhum clube tinha conseguido qualificar-se para as competições europeias na temporada de estreia no principal escalão. Ralph Hasenhüttl, até aqui um perfeito desconhecido, começava a merecer a associação a uma eventual saída para Bayern, Borussia ou Bayer Leverkusen e as correrias desenfreadas pela linha lateral, depois de um golo decisivo ou de uma vitória importante, valeram-lhe a alcunha de “Klopp dos Alpes”. No final da segunda temporada no banco técnico do RB Leipzig, já com o ex-Sporting Bruma na equipa, o austríaco decidiu deixar o clube e tornar-se um agente livre, depois de terminar a época no sexto lugar.

Podia ter esperado pelo lugar ao sol no Bayern depois da saída de Jupp Heynckes ou podia ter sonhado com a posição de Lucien Favre no Borussia. Mas voltou a aceitar o desafio de agarrar uma equipa de quem pouco ou nada se espera. Afundado no 19.º lugar, o Southampton olhou para Hasenhüttl não como um treinador promissor, não como um novo Pochettino, não como uma versão 2.0 de Klopp, mas sim como o homem que pegou no Ingolstadt 04 e o levou para a Bundesliga e o homem que pegou no inexperiente RB Leipzig e o atirou para a alta roda do futebol europeu.

O treinador austríaco chega a Inglaterra como o primeiro técnico do seu país a treinar um clube inglês e tem o objetivo claro de garantir a manutenção da equipa de Cédric Soares na Premier League. Crente no 4-2-2-2, aposta na velocidade de extremos hábeis e virtuosos que têm liberdade e carta branca para procurar terrenos interiores e encontrar espaço entre as linhas do adversário. Forsberg e Sabitzer, os dois homens que normalmente ocupavam essa posição no RB Leipzig, distribuíam e construíam o jogo para depois receberem a bola quando já tinham conquistado o espaço necessário para progredir. “Temos jogadores decentes, deixem-me tentar melhorá-los, deixem-me encontrar um sistema que nos torne difíceis de vencer. Temos qualidade suficiente para sair desta situação e depois podemos começar a pensar em reconstruir a equipa e acrescentar qualidade”, disse na antevisão do jogo de estreia, contra o Cardiff. Ralph Hasenhüttl sabe o que quer fazer. Mas não dá garantias. Até porque “no futebol não há garantias”: “Se querem garantias, comprem uma máquina de lavar”.

Depois da derrota por 1-0 na estreia, contra os galeses do Cardiff, o primeiro grande desafio chegou no passado domingo. O Southampton recebia em St. Mary’s o Arsenal, atual quinto classificado da Premier League que não perdia há 22 jogos, ou seja, há mais de quatro meses. A tarefa era de dimensões incalculáveis. E terá sido por isso que Hasenhüttl percebeu que precisava (ainda mais) do apoio do 12.º jogador: o treinador austríaco propôs à direção do clube a oferta de uma cerveja a todos os adeptos do Southampton que têm lugar cativo no estádio, de forma a criar um “ambiente festivo”, e a proposta foi aceite com agrado. Dentro das quatro linhas, os jogadores fizeram aquilo que era quase impossível – Danny Ings, emprestado pelo Liverpool, bisou e respondeu a Mkhitaryan, que também marcou dois golos pelos gunners, e Charlie Austin apontou o golo da vitória aos 85 minutos. Os saints venceram o Arsenal, terminaram a série imbatível do conjunto orientado por Unai Emery e saíram da zona de despromoção. Ralph Hasenhüttl correu, correu, correu e abraçou todos os jogadores, um por um. Na conferência de imprensa, apresentou a fórmula para o Southampton continuar a vencer.

“Não bebo cerveja muitas vezes mas este foi o primeiro passo perfeito para nos ajudar. Acho que quando funciona assim, temos de repetir em todos os jogos em casa. Vamos ver. Era isto que queria sentir quando vim para a Premier League. Esta atmosfera depois do jogo, celebrar com esta atmosfera, era isto que eu esperava quando vim para cá. A equipa trabalhou em campo tal como uma equipa tem de trabalhar. Ainda estamos na mesma situação, mas este é um primeiro passo muito importante”, explicou o “Klopp dos Alpes”, que visita sábado o Huddersfield, outro dos clubes na zona de despromoção, e que pediu à direção do Southampton para enviar na semana passada senhas de cerveja grátis aos cerca de 19 mil espetadores com lugar anual no estádio. Parece que funcionou e os adeptos dos saints tiveram um fim de semana como há muito não tinham.