Nicolás Maduro afundou-se um pouco mais esta segunda-feira, 4 de fevereiro. No mesmo dia em que se assinalam os 27 anos da tentativa de golpe de Estado que Hugo Chávez não conseguiu levar para a frente — e dois dias depois dos 20 anos da sua tomada de posse como Presidente —, a maioria dos países da União Europeia (UE) deu um passo decisivo para levar o chavismo mais perto do seu fim.

Ao todo, 19 países da UE reconheceram Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela e instaram-no a convocar eleições presidenciais justas, livres e independentes o mais cedo possível.

Aos seus apoiantes, Juan Guaidó discursou em frente à Assembleia Nacional da Venezuela e disse: “Saibam que todo este sacrifício que fizemos até agora hoje é reconhecido, hoje é válido, hoje é forte. Quando nos perguntávamos se valia a pena sair às ruas em protesto, se valia a pena sair à rua com uns pequenos cartazes com umas letras, hoje temos a absoluta certeza de que valeu a pena”. Além disso, Juan Guaidó assinalou que já a partir desta quarta-feira vai começar com a “designação de representantes [diplomátic0s]” nos países que reconheceram o seu governo interino.

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Em resposta à posição daqueles 19 países da UE, Nicolás Maduro prometeu “rever integralmente as relações bilaterais com esses governos, a partir deste momento, até que se produza uma retificação que descarte o seu apoio aos planos golpistas”. E, de acordo com o que disse a uma entrevista à televisão italiana SkyTG24, Nicolás Maduro pediu mesmo ajuda ao papa Francisco. “Disse-lhe que estou a serviço da causa de Cristo (…) e, nesse espírito, pedi a sua ajuda no processo de facilitação e de reforço do diálogo”, afirmou o líder chavista.

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Os países que reconheceram Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela foram, por ordem alfabética: Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Holanda, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa e Suécia.

Em Portugal, o anúncio da decisão ficou a cabo do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. Dizendo que “Portugal reconhecerá e apoiará a legitimidade do senhor Guaidó”, o chefe da diplomacia portuguesa sublinhou que o homem que Lisboa agora reconhece como chefe de Estado da Venezuela deve assumir “o encargo de convocar, preparar e organizar eleições presidenciais livres, inclusivas e justas que decorram de acordo com os padrões internacionais aplicáveis”.

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O cenário de eleições antecipadas é a única opção para o Governo português — e Augusto Santos Silva procurou sublinhar a neutralidade portuguesa caso a ida às urnas se confirme. “Nós não temos nenhuma escolha, nem nenhuma preferência, nem sobre quem deve ser o Presidente da Venezuela, nem sobre o que devem ser as opções do Presidente, do Governo ou do executivo venezuelano”, disse, sublinhando ainda assim que Portugal dá um “apoio político claro” a Juan Guaidó para este convocar eleições.

Augusto Santos Silva sublinhou, como já tinha feito noutras ocasiões, que a comunidade de portugueses e luso-venezuelanos a viver na Venezuela são a “preocupação número 1” do Governo e sublinhou que o plano de contingência está preparado e pronto para ser ativado em caso de necessidade.

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E foi precisamente ao referir-se aos luso-venezuelanos e portugueses na Venezuela que o ministro dos Negócios Estrangeiros enunciou aquele que é porventura a maior contradição da tomada de posição: ao mesmo tempo que reconhece Juan Guaidó como legítimo Presidente da Venezuela, Portugal vai procurar manter o contacto diplomático com a diplomacia afeta a Nicolás Maduro, por ser ele quem de facto governa o país. Augusto Santos Silva referiu-se mesmo a Nicolás Maduro como “Presidente”, já depois de ter reconhecido a legitimidade de Juan Guaidó.

“Evidentemente que se vive hoje na Venezuela uma situação de facto na qual o controlo da administração pública, das forças de segurança e das forças de defesa ainda pertence ao Presidente Nicolás Maduro”, admitiu. “Portanto, nós lidamos com eles, a alta administração pública e as forças de de segurança da Venezuela, de facto, quando tratamos por exemplo de acautelar os interesses e os direitos dos portugueses”.

Em conferência de imprensa no Palácio das Necessidades, Augusto Santos Silva explicou que o próximo passo da parte da diplomacia portuguesa é a presença já confirmada na reunião do Grupo de Contacto Internacional criado pela UE — e composto por oito países: Portugal, França, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha, Suécia e Reino Unido — com quatro países da América Latina (Uruguai, que vai acolher a reunião; Costa Rica, Equador e Bolívia).

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A tomada de posição de 19 países a favor de Juan Guaidó aconteceu a conta-gotas ao longo da manhã desta segunda-feira — e, no final, de contas, o facto de nove países terem ficado de fora demonstra que nem todos têm a mesma postura perante a Venezuela de Nicolás Maduro. São eles, por ordem alfabética, a Bulgária, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Grécia, Irlanda, Itália, Malta e Roménia.

Entre estes países, terá sido a Itália a oferecer maior resistência à adoção de uma postura comum da União Europeia — ao invés de cada país anunciar a sua decisão individual — a favor do reconhecimento de Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela. De acordo com vários órgãos de comunicação europeus, Itália terá travado essa possibilidade na última reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros, no dia 1 de fevereiro, em Bucareste. Segundo esses relatos, o Movimento Cinco Estrelas, parceiro maioritário do Governo italiano, não concorda com esse reconhecimento — e levou a sua avante perante a insistência da Liga, parceiro minoritário, que queria reconhecer Juan Guaidó. Ainda assim, a Itália vai estar presente na reunião desta quinta-feira entre o Grupo de Contacto Internacional com quatro países da América Latina no Uruguai.

Esse tema foi comentado pelo próprio Juan Guaidó em conferência de imprensa esta segunda-feira, referindo que esperava que “nos próximos tempos a Itália possa, como toda a Europa, dar o passo para o reconhecimento” do seu governo interino.

Ainda assim, a Alta Representante da UE para Política Externa e Segurança, Federica Mogherini, insistiu que há uma posição “comum” entre os 28 países da União Europeia, que passa pelo não reconhecimento das eleições de maio de 2018 e a tomada de posse de Nicolás Maduro a 10 de janeiro de 2019, tal como o reconhecimento da Assembleia Nacional e do seu presidente, Juan Guaidó como “legítimos”.

“Isto é uma posição clara, que depois é completada com a posição qu tomámos com os nossos parceiros na América Latina”, disse, em alusão à reunião do Grupo de Contacto Internacional com quatro países da América Latina no Uruguai, esta quinta-feira. “Queremos encontrar dois elementos: uma solução democrática e pacífica para a crise na Venezuela. Ambos: democrática e pacífica.”

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