Armando Vara admitiu ter ocultado rendimentos da administração fiscal portuguesa. Num interrogatório de quase duas horas e meia liderado pelo juiz Ivo Rosa, o ex-ministro de António Guterres confessou que tinha recebido rendimentos como consultor que não tinha declarado à administração fiscal, tendo escondido tais valores numa conta bancária aberta na Suíça em nome da sociedade offshore Vama Holdings. Tais rendimentos, pagos em numerário vulgo ‘dinheiro vivo’, terão sido entregues a Michel Canals, um dos principais operacionais da rede do Monte Branco — um rede que foi investigada pelo Ministério Público por suspeitas de branqueamento de capitais.

Essa é uma parte da acusação que o Ministério Público imputa a Armando Vara, que está acusado de um crime de corrupção passiva em regime de co-autoria com José Sócrates, de dois crimes de fraude fiscal qualificada e de dois crimes de branqueamento de capitais. A confissão de Vara diz respeito apenas a um crime de fraude fiscal e de branqueamento de capitais. Contudo, a mesma apenas explica uma parte dos cerca de dois milhões de euros que Vara conseguiu reunir na Suíça.

Armando Vara explicou ao juiz Ivo Rosa que, como era diretor da CGD, tinha vários contratos de consultor com empresas que começou por situar no leste europeu para mais tarde dizer que eram empresas portuguesas com sucursais em vários países do leste europeu. Tais contratos, explicou, tinham interentes prémios de sucesso caso fossem atingidos determinados objetivos, sendo que Vara diz que recebeu rendimentos de tais contratos antes de ser nomeado administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) mas quando já era diretor do banco. Apesar das insistências de Ivo Rosa, não ficou claro se Armando Vara também tinha recebido tais rendimentos quando já era administrador. Seja como for, a sua posição na CGD como diretor é uma das razões para ter ocultado os rendimentos à administração fiscal, segundo explicou.

O ex-ministro socialista foi insistentemente interrogado pelo juiz Ivo Rosa sobre a transferência de cerca de 1 milhão de euros que Armando Vara recebeu por alegada ordem de transferência de Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferrro de José Sócrates, mas o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos recusou-se a responder sobre essa matéria.

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Armando Vara tinha sido chamado como testemunha pela sua filha mas a partir do momento em que é arguido e se disponibilizou para falar, a lei permite que o juiz de instrução criminal o questione sobre tudo o que está contido na acusação do Ministério Público sobre a sua pessoa — e foi isso que  juiz Ivo Rosa fez. Após falar durante duas horas e meia, e após um primeiro intervalo requerido pelo seu advogado, Vara recusou-se a prestar mais declarações quando ia começar a ser interrogado pelo Ministério Público.

Vara disponível para devolver dinheiro ao fisco

Em declarações aos jornalistas, o advogado de Armando Vara, Tiago Rodrigues Bastos, disse que o cliente está disponível a devolver o dinheiro que não pagou em impostos: “Se no final o senhor Armando Vara tiver de assumir com custos, ele está disponível para isso. Ele não vai prejudicar ninguém. Esta é uma situação complexa e ele admite que há um problema fiscal.

Além disso, o advogado confirmou que o cliente tinha recebido um milhão de euros “na atividade como consultor” que tinha “antes de assumir funções na Caixa Geral de Depósitos”. E acrescentou que a atribuição de um crédito que Armando Vara tinha entregue à Vale do Lobo “não tinha absolutamente nada de ilícito”.

Já o advogado de Bárbara Vara sublinha que que a cliente “não tem nada a ver” com os problemas fiscais protagonizados por Armando Vara: “A nossa cliente não tem qualquer responsabilidade neste caso. Não utilizo o termo ‘responsabilidade’ em relação a ele porque isso implicaria fazer um juízo de valor e eu não faço juízos de valor”, disse Rui Patrício. O advogado denuncia ainda que Armando Vara não quis responder a todas as perguntas: “Terminadas as questões do senhor juíz, Armando Vara entendeu não responder a mais questões”.

Vara chegou algemado e tentou salvar a filha Bárbara

Preso no Estabelecimento Prisional de Évora para cumprir a pena de cinco anos de prisão por dois crimes de branqueamento de capitais no âmbito do processo Face Oculta, o ex-ministro do Partido Socialista chegou algemado ao Tribunal Central de Instrução Criminal pouco antes das 14h. Só à porta da sala do tribunal onde está a decorrer a terceira sessão da instrução criminal da Operação Marquês é que os guardas prisionais retiraram as algemas a Armando Vara.

O interrogatório, que foi conduzido pelo juiz Ivo Rosa, iniciou-se por volta das 14h30 e terminou por volta das 17h.

Questionado de forma insistente pelo juiz Ivo Rosa sobre o conhecimento da sua filha Bárbara, que está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais em regime de co-autoria com o seu pai, Armando Var confirmou o que Bárbara já tinha dito na primeira sessão da instrução criminal: nada sabia sobre a origem dos seus rendimentos nem sobre as movimentações bancárias que Armando Vara fez entre um conjunto de sociedades offshore que tinha com contas bancárias na Suíça e noutros países.

Recorde-se que durante a fase de inquérito, Armando Vara já tinha afirmado ao procurador Rosário Teixeira que “a minha filha Bárbara é absolutamente alheia e desconhecedora da proveniência dos referidos capitais e a qualquer decisão sobre a sua utilização”, disse o ex-ministro no dia no dia 6 de setembro de 2017 nos autos da Operação Marquês.

O ponto essencial da defesa de Bárbara Vara é o seu alegado desconhecimento não só em relação à origem dos fundos que alimentaram a conta da Vama Holdings (uma das sociedades offshore controladas por Armando Vara, apesar de estarem em nome de Bárbara), como também sobre qualquer atividade do seu pai. Beneficiária daquela sociedade offshore desde 2005, diz que o pai lhe pediu para que fosse titular das suas contas devido a razões de “segurança económica da sua família”. Por ser a filha mais velha, na altura com 27 anos, Bárbara aceitou por confiar “no seu pai, como qualquer pessoa na sua posição confiaria”, alegam os advogados Rui Patrício e João Lima Cluny no requerimento de abertura de instrução.